A construção de um estádio do Flamengo no antigo terreno do Gasômetro é mais uma aposta na revitalização da Zona Portuária do Rio e de São Cristóvão, bairro incluído recentemente no projeto Porto Maravilha. Nesta segunda-feira, a prefeitura publicou o decreto de desapropriação da área de 88,3 mil metros quadrados, onde o clube planeja lançar a pedra fundamental já em outubro. Especialistas, no entanto, ressaltam que a construção de um campo de futebol naquela região, onde ficam o Terminal Intermodal Gentileza, a Rodoviária do Rio e os acessos da Ponte Rio-Niterói, terá grande impacto no trânsito da cidade.
Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU-RJ), Sydney Menezes diz que o empreendimento pode contribuir para o desenvolvimento da Zona Portuária, mas ressalta uma preocupação com a mobilidade. Segundo ele, embora não haja, de início, o que chama de impacto de vizinhança, por ser uma área ainda de pouca ocupação, esse quadro poderá ser alterado no médio prazo com a entrega de residenciais que estão sendo construídos até mesmo com o incentivo da prefeitura.
— Temos que analisar as questões urbanísticas dentro do contexto da cidade e com a premissa de informações técnicas e complementares, que eu acredito que a prefeitura tenha. É preciso ver, por exemplo, como se dará a conexão do estádio com o Terminal Gentileza, que atende pessoas que vêm da Zona Oeste e da Baixada, além das zonas Norte e Sul.
Grande público
Na avaliação de Ronaldo Balassiano, professor aposentado do programa de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ, a questão da mobilidade será crucial para o projeto do novo estádio. Ele ressalta que, apesar da proximidade com o Terminal Gentileza, a arena vai atrair um público muito grande que não utiliza transporte público. Ele sugere que o Flamengo atue junto à prefeitura na busca de soluções para a chegada dos torcedores ao campo.
— É preciso planejar como fica a mobilidade na região, que hoje já é ruim. Um jogo no fim de semana é mais tranquilo, mas em dias de semana vai criar uma demanda além da normal da cidade. É uma questão que precisa ser muito bem desenvolvida. Uma ideia é que, dentro desse contrato que vai ser feito com o Flamengo, fique claro como o público chegará ao estádio, já que isso também é de interesse do clube — aponta o especialista.
A região onde o Flamengo quer construir o estádio para cerca de 80 mil pessoas é conhecida dos cariocas pelo trânsito intenso. Além dos acessos da Ponte e da rodoviária, que atrai mais de cem mil pessoas num feriadão, há o início da Avenida Brasil e o Porto, com grande fluxo de veículos pesados. A prefeitura prevê que o projeto do Flamengo tenha ainda um centro de convenções e estacionamento.
O novo estádio é mais uma iniciativa para revitalizar a Avenida Francisco Bicalho, onde ficam ainda a antiga Estação Ferroviária da Leopoldina — que será recuperada pela prefeitura e ganhará um conjunto habitacional, um centro de convenção e uma segunda Cidade do Samba — e o terreno do Clube dos Portuários, que foi demolido para dar lugar a um empreendimento privado, provavelmente residencial.
O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-RJ), Claudio Hermolin, destaca a importância de investimentos estruturantes como o novo estádio:
— Quando há um investimento dessa magnitude, eles alcançam a macrorregião. É um polo de atração de pessoas. Ao acoplar outros serviços, além do estádio voltado para o futebol, numa região como o Porto, não tenho dúvidas de que vai ser um grande impulsionador para acelerar essa ocupação da região.
Indenização à Caixa
O Flamengo e a prefeitura ainda precisam vencer entraves burocráticos e financeiros. O decreto assinado pelo prefeito Eduardo Paes estipula que o edital para o leilão da área deve ser publicado no mês que vem e estipula a “obrigatoriedade de implementação de equipamento específico”, ou seja, um estádio. Isso deve deixar o Flamengo como o único participante do certame. O terreno pertence a um fundo imobiliário da Caixa Econômica Federal e, por ele, o município deve pagar de R$ 146 milhões a R$ 176 milhões — valor esperado como lance mínimo do leilão. Nas conversas entre Flamengo e o banco, o clube acenou com uma proposta de até R$ 250 milhões, mas a CEF avaliava que o local vale três vezes mais.
A Caixa informou que atua no interesse do cotista, que é o FGTS, mas as “manifestações do banco ocorrerão em momentos oportunos”. Em nota, a prefeitura explicou que, “em virtude do impasse nas conversas entre o clube e a Caixa, que administra a área, o município decidiu intervir para garantir que o estádio possa sair do papel”. Acrescentou que a desapropriação de terreno privado por parte do Poder Executivo está prevista na Constituição, desde que haja interesse público e pagamento de indenização prévia, justa e em dinheiro.
— Existem etapas a serem cumpridas ainda. A gente está negociando com a diretoria do Flamengo. Tem uma questão de potencial construtivo com a Câmara de Vereadores e com a Gávea. Mas eu tenho certeza de que o sonho começa a se tornar realidade — disse o prefeito ao “Bom dia Rio”, da TV Globo.
Após a publicação do decreto do município, o vereador e vice-presidente de Futebol do clube, Marcos Braz (PL), divulgou um vídeo que, além de esboçar como deve ficar o estádio, mostra os benefícios de uma arena naquela região, tanto para gerar emprego, quanto para os negócios. O projeto, no entanto, não é definitivo e pode haver mudanças até a construção.
O rival está ao lado
Com esse projeto, Vasco e Flamengo podem repetir a vizinhança que têm na Lagoa, na Zona Sul, onde o estádio de remo do cruz-maltino e a sede rubro-negra da Gávea ficam a apenas 2,4 quilômetros de distância: dois quilômetros separam o terreno do antigo Gasômetro do Estádio de São Januário.
No caso dos vascaínos, o sonho é ampliar a construção quase centenária para receber 48 mil torcedores — mais que o dobro da capacidade atual. O projeto deve ser custeado com a venda do potencial construtivo do terreno, operação que também pode ser adotada pelos flamenguistas. O presidente da Câmara Municipal, Carlo Caiado (PSD), diz que os projetos sobre o tema terão “celeridade” na discussão.
— Esse é um tema que tem grande apoio na Câmara. Vamos colocar a Comissão Especial para acompanhar o processo desde o início, para que, assim que os projetos de lei relacionados à construção chegarem, possamos dar celeridade na discussão, assim como fizemos com a reforma de São Januário — diz Caiado.
O Gasômetro do Rio funcionou durante quase um século na Avenida Francisco Bicalho. O antigo complexo foi inaugurado em 1911 por um grupo belga e chegou a fornecer até 180 mil metros cúbicos de gás por dia, em sua fase mais produtiva, fazendo dele um dos maiores do mundo. Em 1997, a Companhia Estadual de Gás (CEG) ganhou a concessão para o fornecimento de gás no Rio, e o contrato previa a desativação do Gasômetro até 2005, o que de fato aconteceu.
Além do terreno do Gasômetro, outros imóveis da Gamboa também foram desapropriados pela prefeitura. Segundo o município, eles também “serão leiloados para a promoção da renovação urbana da área” e “ deverão seguir os parâmetros da Lei do Porto Maravilha e do novo Plano Diretor”.
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