O inferno são os outros
"Sabe quantas pessoas morreram na construção do Canal do Panamá?”
A pergunta não é para si, mas poderia ser. Ela é feita num momento-chave da narrativa de “O Problema dos Três Corpos”, a série mais cara já produzida pela Netflix (160 milhões para oito episódios), liderada pela dupla de criadores de “A Guerra dos Tronos” e sucesso do momento no streaming.
A série é baseada numa trilogia de livros de ficção científica chineses de grande sucesso (chamada de “Lembrança do Passado da Terra”) e que já tinha sido a base de uma versão para televisão no seu país de origem (que pode ser assistida de graça no YouTube, basta pesquisar “Three Body Problem”).
Aqui temos uma fantasia científica curiosa, a ação principal ocorre no nosso próprio tempo, embora com consequências para o futuro. Para evitar spoilers, irei falar quase nada sobre a trama, interessa-me mais explorar a questão apresentada no começo deste texto.
Do ponto de vista histórico, a resposta é imprecisa. Se foram 5 mil ou 50 mil a morrer na obra do Canal do Panamá, ou qualquer outro número, dependerá da fonte. Que foram muitos, sabemos todos. Mas não pensamos nesses óbitos ao comprarmos bugigangas baratas na AliExpress ou recebemos a vacina contra a covid atempadamente (coisas só possíveis devido a tal infraestrutura).
O Canal do Panamá é tanto um símbolo do avanço da humanidade quanto uma sinistra metáfora sobre o facto de que não há progresso sem vítimas. O progresso é sempre o corolário do que trouxe prosperidade para os que sobreviveram a ele.
O Problema dos Três Corpos que dá título à série trata-se de um desafio clássico da física celeste, envolvendo os movimentos de três corpos que interagem gravitacionalmente entre si. Este problema, caracterizado pela sua não linearidade e comportamento caótico, tem implicações significativas na compreensão da formação de sistemas planetários e outros fenómenos astronómicos.
Se leu o parágrafo anterior e entendeu muito pouco, tranquilo, até Newton teve que queimar neurónios sobre a questão. Se assistar à série terá uma explicação satisfatória (embora também rasa). Mas, o que importa mesmo é saber que a palavra “caos” tem muito a ver com a palavra “vida”.
As vítimas do Canal do Panamá morreram felizes por possibilitarem um mundo melhor para nós hoje? O quanto estaríamos dispostos a sacrificar enquanto indivíduos para salvar a humanidade da sua destruição daqui a 400 anos? Aliás, vale a pena algum esforço para nos salvarmos de nós mesmos?
As três perguntas são as que mais ressoam ao fim do visionamento do seriado. Não há respostas óbvias para elas. E grande parte do nosso problema como espécie tem a ver com isso.
Ou como diria o meu Tio Olavo, a citar Sartre: “O inferno são os outros”
Crónica desta semana de Edson Athayde no Negócios.
🎯 Global Interim Executive 🎯
8 mSaber que a historia se repete é a forma de evitar erros do passado. Um outro exemplo é a atual guerra na Europa e a história da década de 1930. Governo do Brasil 🇧🇷 aparentemente não sabe interpretar a história e adequar suas alianças. Infelizmente.