À Mesa com o Valor - Nizan Guanaes: O futuro é das empresas pequenas, ágeis e sem medo de errar, diz publicitário
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À Mesa com o Valor - Nizan Guanaes: O futuro é das empresas pequenas, ágeis e sem medo de errar, diz publicitário

Publicitário diz que empresa pequena, ágil e leve, disposta a errar e aprender, é a que vai prevalecer a partir de agora

“Não quero ofender meus colegas da publicidade, indústria que amo tanto e me deu tudo que tenho, nem ser ave de mau agouro, mas tudo que tem agência no nome vai acabar: agência bancária, agência de viagens...”

O prognóstico é de um dos publicitários mais vitoriosos do Brasil, o baiano radicado em São Paulo Nizan Guanaes. Ele está começando nova fase da carreira, num pequeno escritório, de sua consultoria N Ideias, enquadrado no conceito moderno de empresa em que acredita: pequena, ágil e leve. “A competição no mundo de hoje é entre os lentos e os rápidos. Os pequenos são experimentais, erram logo e corrigem rápido. Os grandes gastam muita energia para evitar os erros. O futuro é mistake-friendly.”

Reconhecidamente inquieto, admirado e criticado com igual intensidade em seu meio, ele acabou imobilizado durante 20 dias pela covid-19 em março do ano passado. “Deu para fazer uma revisão da vida. Quero mais tempo para ler e para pensar.”

“Se deixarmos os desprovidos olhando a festa do lado de fora, principalmente em tempos de redes sociais, vamos criar um mundo de convulsões e de populismo”, diz Nizan — Foto: Claudio Belli/Valor

“Se deixarmos os desprovidos olhando a festa do lado de fora, principalmente em tempos de redes sociais, vamos criar um mundo de convulsões e de populismo”, diz Nizan — Foto: Claudio Belli/Valor

Agora com 63 anos, resolveu redesenhar seu futuro. “Me dedico agora à pequena estrutura. O pequeno de hoje será o grande de amanhã.” Deixou a mansão que morava no Jardim Europa, que pertenceu a Assis Chateaubriand, outro superlativo comunicador brasileiro, e foi morar num apartamento perto de seu escritório na avenida Brigadeiro Faria Lima, com duas assistentes.

E voltou a estudar. Está fazendo um curso a distância de três anos da Universidade Harvard para proprietários de seus negócios e presidentes de empresas. “Todo dia ao meio-dia eu estudo”, diz.

Diverte-se contando que, depois de um chinês de 67 anos, é o mais velho da turma. “É maravilhoso. Conheço gente do mundo inteiro, todos mais jovens, cheios de energia e ideias. Sou estagiário de meus colegas.”

É admirador do dono do iFood, Fabricio Bloisi, 41 anos, baiano como ele. “Ele é o exemplo de empresário mobile, deu um show em Harvard.” Em 2015, foi aplaudido de pé no mesmo curso de Nizan. Prepara-se também para passar o mês de novembro na universidade americana.

“Hoje é o Golias que tem que se preocupar com o Davi. O competidor não passa por cima, passa por baixo, entre as pernas do grande. Estratégia existe sem publicidade, mas publicidade não existe sem estratégia. O pequeno não prevê o futuro, faz.”

São algumas das muitas frases, que caberiam bem em qualquer comercial, colhidas neste torrencial “À Mesa com o Valor”, feito a distância por causa da pandemia e acompanhado por água mineral com gás e sushis.

Nizan disserta sobre si mesmo, a profissão, a vida, o mundo e o Brasil. A conversação é pausada apenas para saborear os sushis e sashimis enviados pelo restaurante Nakka. “Adoro!”, exclama.

Para apreciar a culinária local, prolongou sua estada no Japão, onde esteve com o filho em 2012, e assistiu ao Corinthians vencer o campeonato mundial de clubes.

Embora tenha perdido 45 quilos depois da operação bariátrica que fez em 2006, não perdeu o gosto pela boa comida.

“Os pratos japoneses são ideais para o maratonista”, analisa o publicitário, que, atualmente, enfrenta uma rotina diária de exercícios físicos e defende um estilo de vida mais saudável do que o de antes da operação. “Tudo era em excesso”, comenta, “comida, bebida e remédios.”

Depois da pandemia, pretende voltar a correr as tradicionais maratonas de Nova York e Paris. “As maratonas”, teoriza, “são lições para a vida, ensinam que você não pode desistir, lá pelo quilômetro 30, quando o sofrimento é maior, tem que se superar.”

“Essa ansiedade de futuro” ele conta que herdou da mãe, Esmeralda (1930-2012). Engenheira, militante comunista: “Foi a primeira pessoa a me falar da China e de Alvin Toffler [1928-2016, escritor americano, futurista, autor de best-sellers como ‘A terceira onda’]”.

O pai, médico, já estava em Londres quando a família foi para lá. Passaram um ano e meio na capital inglesa depois do Ato Institucional Número 5, de dezembro de 1968. “Minha mãe nunca parou de estudar”, lembra o publicitário.

Apesar da admiração pela figura materna, Nizan nunca foi atraído pelo regime socialista. Achou curioso quando recentemente o tacharam de comunista nas polarizadas redes sociais. “Nunca me rotularam disso. Sempre fui totalmente pró-mercado. Queria mandar essa frase para minha mãe”, ri.

Seu trabalho foi ajudar a vender produtos de diferentes empresas capitalistas. Ajudou a Parmalat a vender mais leite, vestindo em comerciais bebês com fantasias de mamíferos de pelúcia. O jingle “Pipoca com Guaraná” impulsionou a bebida da Antarctica, entre tantas outras. Com o comercial “Hitler”, para a “Folha de S. Paulo”, levou seu primeiro Leão de Ouro em Cannes em 1988, pouco depois de completar 30 anos, época em que o festival só premiava filmes. No comercial, elenca várias façanhas econômicas do ditador da Alemanha, enquanto uma imagem pontilhada vai entrando em foco. Em off, a voz narra, ele aumentou o PIB, acabou com o desemprego e a inflação. Conclui revelando a foto de Hitler com a advertência: “Cuidado com as informações que você lê, que podem esconder um monte de mentiras”.

“Comunista era meu avô (Demócrito Mansur)”, responde Nizan, sorrindo. “Parece que o Getúlio gostava muito dele, porque toda hora mandava ele para a prisão. Quando morreu, foi coberto com a bandeira vermelha e cantaram a ‘Internacional’.”

Nizan diz que levou para o mundo da publicidade a herança libanesa do comprar e vender - “tá no sangue”. Arrematou a DM9 de seu conterrâneo Duda Mendonça e a passou adiante. Juntou-se com o grupo internacional DDB e dele se desfez. Fundou o site iG, depois o grupo ABC, com a agência Africa. Que vendeu em 2015 para a rede global Omnicom, numa transação que comentários da época diziam que poderia ter alcançado dez dígitos.

Ele não deixa, contudo, de ser crítico do que chama de mau capitalismo: “Não é possível um regime que depende do mercado querer matar o mercado, que vive do consumidor querer matar o consumidor”, argumenta. Nizan pertence a vários grupos humanitários e contribui com escolas carentes: “A melhor maneira de pensar em si é pensar nos outros”, define o embaixador da Boa Vontade da Unesco desde 2011. “Os outros são vida, são saúde mental”, afirma.

Ser casado com a estilista Donata Meirelles, segundo ele, o ajuda a acompanhar as transformações do mundo. Declara sua admiração pela versatilidade da moda, pela velocidade em desenhar, produzir, e também na sua visão, em sustentabilidade. Seu exemplo de modelo de negócio é a marca Zara: “Enquanto os concorrentes gastam 5% em publicidade, ela gasta 1%, as vitrines das lojas são outdoors ambulantes”.

Sem parar de manejar com habilidade seu hashi e apreciar a variedade dos sushis e sashimis, Nizan declara que voraz mesmo é com os livros. “Organizações exponenciais” (Editora Alta Vista, 2008), de Salim Ismail, foi um marco na sua vida. Depois da leitura, ficou sem dormir por várias noites, segundo conta. E resolveu partir para o mundo das startups.

Já é sócio de meia dúzia: Aegro, uma produtora de software para gestão agrícola; Moss, de crédito de carbono; Mottu, de aluguel de motos; Mimo, de comércio via live; Invest Tribe, que forma programadores; e a Phytolab, de maconha medicinal. “Só invisto em lugares em que posso agregar, onde me ouvem, que acompanho desde o início.”

Sua própria N Ideias ele identifica como uma startup: “Quero apenas poucos clientes, ninguém trabalha para mim, ao mesmo tempo trabalho com todo mundo”, afirma.

“Quem tem custo tem medo”, resume em outro bordão que parodia um slogan usado nas manifestações contra o último presidente do regime militar, general João Baptista Figueiredo (1942-1999).

Nizan diz que agências com muitos funcionários e alto custo têm dificuldade de dizer não para os clientes que pagam as contas. “Não ter custo”, argumenta, “me dá uma liberdade enorme. É como a liberdade editorial.”

Mas ele não tem ideias pequenas para sua empresa. Não seria do seu feitio. Ele quer que a N Ideias seja um ecossistema. No fim do ano, planeja convidar Henry Paulson, ex-secretário do Tesouro americano (2006-2009), e Bill Clinton para uma conversa com jornalistas e empresários. “As empresas têm que ser ecossistemas”, prega.

Com seus negócios, Nizan exercita uma habilidade em que sempre se esmerou: reunir investidores. Associou-se ao baiano Daniel Dantas, do grupo Opportunity, já no início da carreira, com Kati de Almeida Braga, do Icatu, e agora com outros grandes empresários para alavancar as startups.

Formado em administração, Nizan diz acreditar que isso o ajudou com os números. “Tinha também vocação para comunicação”, diz. Trabalhou como locutor de rádio e vendedor de loja antes de entrar na publicidade. “Eu tive a habilidade de juntar as duas coisas. Esse foi o grande diferencial da minha vida. Foi minha grande força.” O conhecimento em administração, afirma, lhe deu facilidade de falar de negócios com os empresários. “Sempre soube entender o ponto de vista deles e me fazer entender”, acredita.

Depois de se criar na Bahia e da passagem por Londres, foi para o Rio e então São Paulo. “A inquietude é fazer uma agência, depois fazer um grupo e recomeçar de novo. Minha história de vida profissional é mudar”, define.

No momento, pretende participar da chamada economia exponencial, descrita por Ismail no livro que o inspira. As empresas que vão sobreviver terão que ser tecnologicamente inteligentes, adaptáveis, democráticas e transformadoras, como prevê o autor.

“A pandemia foi uma aceleradora para o bem e para o mal. Tudo que estava datado, piorou. As coisas que estavam sãs, aceleraram. As coisas que estavam claudicantes, tropeçaram ainda mais”, analisa.

É o caso da publicidade, segundo ele. “Não os talentos”, ressalva, “o formato do negócio.” Para ele, o pensamento publicitário está fazendo falta atualmente às startups. O Google está cheio de publicitários nos altos escalões, exemplifica.

“A publicidade é uma big idea. É uma estratégia de comunicação dentro de uma estratégia de negócios. É um entrelaçamento de microideias que fazem sentido, na embalagem, na comunicação”, afirma. “Estratégia é mais sobre o que você decide não fazer. As empresas mais admiradas são um todo, uma cadeia de coerências, desde o dono ao atendente. Não dá para ser ginecologista e fofoqueiro ao mesmo tempo”, brinca.

“Falta diferencial na publicidade de hoje, não se diferencia um anúncio de outro. Nós somos pagos para ser diferentes. O capital intelectual que existe nas agências é indiscutível. O que temos que discutir não é a atividade, é o negócio, que precisa ser reformatado.”

Ele faz um paralelo entre telefone e publicidade: “A publicidade é um telefone com grande potencial para celular. Precisa migrar do telefone para o celular. Precisa ressignificar seu nome. Afinal esse é o negócio dela, reposicionar marcas”. Em outro paralelo, diz: “Não precisamos mais ter carro, podemos chamar um Uber ou mesmo assinar um carro”.

O consumidor, segundo ele, “estagiou no futuro”. Aprendeu coisas rapidamente. Passou a pedir comida por delivery, marcar entrevista por Zoom, comprar no e-commerce.

Nizan, que foi atingido pessoalmente pelo vírus, prefere não se manifestar sobre a política de combate à pandemia. “Escolhi ser como a Luiza Trajano”, a quem chama de Luizas Trajanos, dada a quantidade de atividades da empresária. “Quero contribuir de alguma maneira, seja para o governo que for”, resume. Mas declara seu voto no Partido Democrata americano. Diz que está maravilhado com o que o presidente americano Joe Biden está fazendo para enfrentar a desigualdade, que cresceu durante a pandemia.

“Meu problema não é o que Bezos ganhou durante a pandemia, mas o que os outros perderam. Se deixarmos os desprovidos olhando a festa do lado de fora, principalmente em tempos de redes sociais, vamos criar um mundo de convulsões e de populismo”, prevê.

Apesar de tudo, crê num futuro melhor após a pandemia: “Estamos diante de um festival de horrores, mas a criação das vacinas”, exemplifica, “foi um marco”. Vai abrir protocolos que vão influenciar o mundo daqui para frente. “Historicamente”, continua ele, “os dramas aceleraram a humanidade para inovações. A Peste Negra gerou o Renascimento. Nas guerras surgiram muitas inovações incorporadas em seguida pela sociedade.”

No ano passado, Nizan criou a campanha “Vai ter Natal”, para manter o otimismo, e inventou um jingle em ritmo de samba para espalhar pelas redes sociais: “Essa p... mata”. O palavrão, diz, é proposital, para chamar atenção das pessoas ao perigo do coronavírus e a necessidade de prevenção. “Com a pandemia, tomamos um presta atenção do homem lá em cima. Veja o discurso da mudança climática. Essa pauta é esse homem dizendo: fugiu do controle, passaram dos limites.”

Nos dias de hoje, com tantas mudanças, o publicitário acha que “dormir sobre certezas é pura burrice”. “Eu me sinto inseguro todo dia”, diz. Cita um dos pioneiros da internet brasileira, Alexandre Mandic (1954-2021): “Se você acha que está entendendo, não está prestando atenção”.

O último livro que Nizan leu foram as cartas entre José Saramago (1922-2010) e Jorge Amado (1912-2001), “Com o mar por meio” (Companhia das Letras, 2017), tão afetuosas quando reveladoras. Enquanto combinam encontros, comentam que o dinheiro do Prêmio Nobel (US$ 1,1 milhão atualmente) viria a calhar. Prometem convidar um ao outro para a cerimônia de premiação, caso ganhassem. Amado já estava doente e não pôde ir a Estocolmo na entrega do Nobel de 1998 ao português.

“Jorge Amado foi o pai da minha carreira, sempre fui muito influenciado por ele”, diz. “A publicidade precisa falar isso aqui”, diz, referindo-se ao texto do escritor. “A publicidade era muito empolada quando comecei.”

O Brasil, diz, precisa ser mais assertivo. “Os países menores saem para o mundo. Com a agricultura que nosso país tem, é absurdo não se posicionar no mundo. A sustentabilidade, para nós, é uma estrada para o futuro. Vamos fazer uma revolução se entrarmos nesse caminho. Temos a resposta para o combustível verde. A indústria do etanol não pode deixar esse bonde passar. Estamos com medo daquilo que pode ser a solução para o mundo.”

O mundo em que estamos vivendo está muito complexo e muito interessante, considera. “Temos que ter a capacidade de entender para que lado as coisas estão indo. Sempre tive um olho no peixe e outro no gato”, diz. E manda mais uma lição de vida: “Não adianta ser bom marinheiro se o vento é contrário”.

* Artigo originalmente publicado no Valor Econômico

Graziele Araujo

Direção de Arte • Branding • Marketing

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Brilhante como sempre! Lembro que uma das coisas mais cruciais que aprendi com você foi justamente não ter medo de errar.

Carina Garcia de Tuyama

Advogada Sênior Portella Barbosa Advogados Associados

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Nizan Guanaes você é um craque por sua habilidade e talento.

Luana Ciola Del Rey

API Lover - Mae da Alana - Facilitadora do projeto I AM Remarkable - Voluntária Women Empowered

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Luciane Pinto

Executive & Personal Assistant

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Luiz Mario F. Pinto

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