É a economia estúpida (por Giselle Chassot)
Um funcionário do FMI de 26 anos. Um pastor a e músico-norte americano. Tinham em comum a defesa do fim do isolamento social para contar o avanço da pandemia. Tinham. Porque ambos estão mortos. Ironicamente, pelo coronavírus de que desdenharam.
Será que, a essa altura, para a família e os entes queridos de ambos continua válida a opção entre a economia e a vida humana? Ou ela agora já terá se tornado, como deve, um descalabro? A tese de que não dá para parar o mundo porque alguns vão morrer talvez nos tenha trazido a onde estamos e ao que somos agora. Uma população de insensíveis, que se habituou a não ver os problemas dos outros, a considerar invisíveis quem não é parte da nossa bolha.
São os velhos e os frágeis que vão morrer? Então, danem-se os menos favorecidos, os miseráveis, os idosos que não produzem mais. É a economia, estúpido.
Mas que economia? A economia que coloca em risco a saúde e a vida das pessoas? Certamente, a mesma economia que insiste que o Sistema Único de Saúde está falido, mas corre para ele em busca de vacinas; ou a economia que reclama das universidades públicas, mas clama agora por pesquisas científicas capazes e debelar os riscos da doença. Ou, ainda, a economia que desdenha da imprensa tradicional mas corre para ela em busca de informações confiáveis. No caso, não é a economia, estúpido. É a economia estúpida…
Quem diz defender o pequeno empresário, “que vai falir se não produzir” está interessado em seus milhões de prejuízo diário. Pouco importa a ele se o pequeno vai fechar. Porque o pequeno sabe que um comércio ou um empreendimento atendem pessoas de verdade, e não números gerados pelo deus-mercado.
O hipócrita que faz passeatas com seus carrões defendendo o fim do isolamento pode se isolar. Mas a enfermeira, o lixeiro, o policial não podem. E nenhum de nós que pode ficar em casa também deve sair. Não vale a pena se tornar um possível “porta-vírus” e levar a doença para dentro de nossas casas ou alastrá-la irresponsavelmente pelo país.
Quando escrevia esse texto, o número de mortos no Brasil chegava a 15. Ou achatamos a curva de crescimento da pandemia ou não haverá leitos e respiradores disponíveis para todos nem no SUS nem nos luxuosos hospitais privados. Quando os defensores da economia precisarem desses equipamentos e não os encontrarem, talvez percebam que a doença, ao contrário do que eles insistem em alardear, não acomete só os velhinhos, os doentes e a população de rua. E um problema de saúde pública, em grandes proporções, é também um grave problema econômico.
Na Inglaterra, que no começo experimentou a ideia que agora cativa por aqui a alguns, o príncipe Charles, herdeiro do trono, e o primeiro ministro Boris Johnson testaram positivo para o coronavírus. Não é possível defender que Johnson possa estar inserido em nenhuma das categorias. Ele não é nem velho, nem frágil, nem miserável.
Quem tenta tirar a população de casa não dá valor algum à vida de quem produz para fazer a roda da economia girar. É gente que se considera diferenciada, eternamente jovem e inatingível. Talvez sejam. Mas, ainda que acreditem que a covid-19 é uma doença de velhos, devem ter velhos em quem pensar. Ou não?
A defesa implacável da economia sobre a vida é o ápice de um tempo em que as pessoas olham para o lado e não enxergam gente. Precisamos entender que não, não é a economia, estúpido.