É preciso imunizar os pequenos negócios já

É preciso imunizar os pequenos negócios já

No último 11 de agosto, com um misto de perplexidade e esperança (com um traço de ceticismo), recebemos o anúncio que a Rússia se tornou o primeiro país do mundo a registrar uma vacina contra o Covid-19, deixando para trás 165 candidatas, das quais os experimentos mais adiantados - China (3), Estados Unidos (1), Alemanha/Estados Unidos (1) e Inglaterra (1). Subtraindo a corrida nada salutar entre política e marketing, a busca mundial pelo tratamento, imunização e cura traz lições importantes a todos nós. Não há dúvidas que a pandemia escancarou uma série de comportamentos e ações desastrosos, mas também trouxe à tona empatia, solidariedade, capacidade de reinventar-se, de trabalhar conectados, criatividade, baseados em valores e propósito relevantes.

Acredito que são nesses pontos que temos que centrar os esforços não apenas para cura da doença, mas também para quebrar as barreiras perversas que a pandemia nos trouxe, como a alta escalada do desemprego, que pode chegar a 20% da população economicamente ativa, a mortalidade de empresas, em especial dos pequenos negócios, a consequente queda do Produto Interno Bruto (PIB) e o aumento exponencial da desigualdade social.

Os números indicam a importância de concentrar conhecimentos, experiências e decisões em soluções dirigidas aos pequenos negócios. No Brasil são mais de 17,7 milhões de empreendimentos de pequeno porte (que faturam até R$ 4,8 milhões), responsáveis por 54% da ocupação com carteira assinada e 30% do PIB.

Segundo estudo do Sebrae, quase 13 milhões desses negócios foram severamente impactados, sendo a grande maioria (5,5 milhões) de microempreendedores individuais, o primeiro step na jornada do empreendedorismo formal). Os negócios mais vulneráveis concentram-se no estado de São Paulo (3,5 milhões de estabelecimentos) e o maior impacto está nos setores de comércio e serviços. Estima-se que nos últimos quatro meses de pandemia, mais de 3 milhões de empresas já encerraram suas atividades ou estão prestes a fazer isso, por conta da dificuldade em honrar suas contas, gerando passivo na ordem de R$ 106 bilhões, e mais de 500 mil demissões. Resultado escancarado por operarem com faturamento 51% menor do que o período antes crise do coronavírus.

Então, o que fazer para não permitir que milhões de micro e pequenas empresas quebrem, esfacelando a rede de inclusão produtiva e social tecida pelos pequenos?

Países como Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, China optaram por garantir o fôlego desses empreendimentos, por meio de acesso a crédito fácil, simples e barato. Governantes e equipes econômicas saíram de sua zona de conforto e trouxeram ‘vacinas’ eficazes. Nos Estados Unidos o programa de suporte chegou a 4,43% do PIB americano, quase US$ 1 trilhão. Mais que o volume, as condições lá ofertadas chamaram atenção, como parcela de risco incorrido por credores privados é praticamente nula (limitada a 5%). Isso viabiliza a chegada de recursos a quem realmente precisa, quem está com dificuldades de liquidez. Na Alemanha foram destinados 50 bilhões de euros para pequenas empresas e profissionais autônomos que, comprovadamente, tiveram perda de receita, além de vários outros incentivos financeiros para quem manter empregos; o governo britânico optou por plano de empréstimos 100% garantido, que o empresário consegue solicitar o equivalente a 25% do seu faturamento, o equivalente a um valor entre £ 2.000 e 50.000, sem juros nos primeiros 12 meses. E na China, os financiamentos inclusivos às empresas de pequeno porte tiveram alta de quase 28%.

No Brasil, temos 183 linhas de crédito vigentes, maioria operada por bancos e agências de fomento regionais e Oscips de microcrédito. No total, em pouco mais de 120 dias, foram liberados quase R$ 40 bilhões em cerca de 400 mil operações, sendo mais de 75% em socorro às micro e pequenas empresas. O maior volume de recursos liberados até o momento foi realizado pelo Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) com R$ 18,7 bilhões, seguido pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) com garantias do Fundo Garantidor de Investimentos (FGI), que já alcançou R$ 8,5 bilhões em valor contratado.

É resultado positivo, mas ainda aquém da real necessidade desses empreendimentos. Estudo do Sebrae mostrou que, do total de pequenos negócios, menos da metade (46%) buscou financiamento; destes, 82% não conseguiram porque estão com CPF ou CNPJ negativados, têm dívidas no mercado, não têm garantias, entre outros motivos. É certo que muitos já se encontravam nesta situação antes da pandemia, recuperando-se lentamente da baixa atividade econômica brasileira. Mas também é certo que o momento é inusitado e exige medidas igualmente excepcionais.

É preciso mais recursos, mais celeridade, menos burocracia e menor exigência de garantias. É vital que as instituições financeiras tenham visão mais abrangente e cumpram seu papel social, não se fixando apenas no lucro, riscos e possíveis perdas, mas no propósito de construir o alicerce da retomada da economia, lastreada na força do empreendedor.

Queremos impulsionar estas iniciativas e inspirar ainda mais as instituições financeiras a cumprir seu papel social. O Sebrae participa do Fundo Garantidor de Operações (FGO), aportamos recursos para linhas de crédito do Banco do Povo Paulista, do Desenvolve SP e do Juro Zero Empreendedor. Recentemente, em 17 de julho, lançamos o programa Retomada, que deverá atender na primeira fase, cerca de 3 mil microempreendedores individuais, micro e pequenas empresas e pequenos produtores rurais, com o total de R$ 50 milhões. Todo o processo de solicitação do empréstimo é feito online, sem burocracia e sem exigências de bens ou imóveis como garantias. Quem estava negativado antes do início da pandemia, não é penalizado. O empresário que tem crédito aprovado é acompanhado pelos especialistas do Sebrae-SP. Operado por duas fintechs, em 20 dias recebemos 11 mil propostas, de empreendedores de 260 municípios e volume de credito solicitado de R$ 345 milhões (sete vezes mais que os recursos disponibilizados!). Já foram liberados R$ 15 milhões, para 900 empreendedores e outros R$ 27 milhões estão pré-aprovados. E estamos em busca de novos parceiros para tornar o fundo de recursos ainda mais robusto. 

Assim como os dados que mostram o impacto da pandemia nos pequenos negócios nos alertam para os riscos de quebradeira, os resultados que conseguimos com a ‘vacina’ linhas de crédito mais baratas, desburocratizadas e acessíveis indicam que, quando se associa conhecimento, vontade e decisão, é possível vencer a corrida pela manutenção e fortalecimento de empresas e empregos, grande e importante passo da retomada, que exige correção de rumos e olhar atento às oportunidades.

Não é uma equação simples, mas é totalmente factível. E começa pela maneira como você responde à pergunta: em que time você está – no que permite a quebradeira ou no que vislumbra novas oportunidades e opta por construir?


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