É tudo a mesma coisa
Uma das tentações menos razoáveis que nos caracterizam enquanto pessoas é a da generalização. Apesar de ser flagrante o cariz único de cada pessoa, a tendência para equiparar, para amontoar numa mesma pasta um qualquer conjunto de pessoas ou mesmo indivíduos isolados, é flagrante.
São todos iguais. Dificilmente se percorre uma existência sem ouvir esta sentença de aglomeração em alguma circunstância. Pode aplicar-se a uma característica, a uma atitude ou a uma função. Ao pressuposto de alegada igualdade implícito fica, por inerência, associada uma desvalorização dos melhores e uma sobrevalorização dos menos aptos. É uma lógica inquestionável e acarreta injustiça na apreciação, tal como implica um risco desnecessário nas nossas escolhas e decisões.
Em vários aspectos do nosso quotidiano, partir do princípio acima resumido pode revelar-se desastroso. Quando enfrentamos decisões a tomar que dependam do nosso critério de avaliação dos outros, das funções que desempenham ou das organizações que os integram, e aplicamos a bitola da nivelação já estamos a abdicar da hipótese de uma escolha propriamente dita, de uma selecção que nos permita alcançar os melhores resultados naquele contexto específico. Isto aplica-se a decisões quase irrelevantes (é apenas um sabonete, qualquer um serve) como a opções determinantes (nem vou votar porque são todos uns aldrabões).
Todos os dias escolhemos. Coisas triviais. A roupa a usar, o que comer ao almoço, que botão premir no comando da tv. Ou coisas fundamentais. O emprego que abraçamos, a escola mais adequada para os filhos, a melhor casa para viver.
Também escolhemos gente. Pessoas, que em muito definem os nossos percursos, ainda que não lhes atribuamos grande relevância, podem ser decisivas no conjunto de tudo aquilo que nos influencia. O médico que nos cuida e pode um dia salvar-nos a vida, o amigo que nos acompanha e pode apoiar-nos em momentos difíceis, a pessoa por quem nos apaixonamos e com quem poderemos vir a partilhar uma existência.
Existem decisões que não podem tomar-se de forma leviana, nomeadamente ao abdicarmos da melhor opção ao nosso alcance por presumirmos a tal igualdade aparente que nos trai. Somos únicos. Como as organizações que integramos e fazemos acontecer. Há pessoas melhores e mais capazes que outras, como há empresas ou instituições que se destacam pela forma como abordam o seu papel, a sua missão. Em ambos os casos, as pessoas como as suas expressões colectivas, distinguem-se entre si e da nossa capacidade para lhes apreciar as diferenças depende em muito o alcançar de objectivos a que nos propomos.
No meu ofício, também somos todos iguais aos olhos precipitados de quem confunde a compra ou venda de uma casa com a de um par de sapatos. Um pressuposto que muitas vezes custa caro a quem o adopta e que, sendo absurdo na sua génese, é nefasto na respectiva aplicação. As pessoas são mais ou menos dotadas. As empresas, feitas de, por e para pessoas, são tal e qual. E as suas marcas, os rastos que em todos geram determinada impressão, dependem da capacidade de selecção das pessoas que as integram, dos métodos que aplicam, do espírito de missão que orienta a sua forma de estar no mercado. O seu sucesso, expressão definitiva do maior ou menor acerto nas escolhas, é determinado em boa medida pela sensatez e pelo rigor nos critérios de cada pessoa enquanto consumidor.
Nisto, as empresas, como as pessoas, são mesmo todas iguais: se estiverem dependentes das generalizações que as impedem de sobressaír pelo mérito, em vez de beneficiarem de uma comparação isenta, de uma avaliação séria das suas capacidades e dos resultados obtidos, ficam quase à mercê dos mesmos factores aleatórios, a sorte e o azar, para poderem provar-se as melhores escolhas em assuntos importantes, exactamente como quem confia a esses mesmos factores o hipotético acerto das suas.