16 de março de 1998

16 de março de 1998

1.

eu só me importo com coisas desimportantes.

apesar de a afirmação soar pretensamente como algo que o manoel de barros teria escrito, longe de mim querer emular poesia. o período que inicia esse texto não passa de uma constatação sobre as coisas que eu valorizo.

eu só me importo com coisas desimportantes.


2.

dito isso. meu aniversário de cinco anos teve os 101 dálmatas como tema. eu nunca gostei particularmente do filme (exceto pelo traço clássico, que é parecido o de as aristogadas, e eu gosto muito, e pelo clássico cruella cruel). nem sei de onde tiraram de fazer um aniversário dos dálmatas pra mim, porque a única coisa da disney que eu assistia era o rei leão. aliás, o rei leão foi, literalmente, a única coisa que eu assisti dos quatro aos seis anos de idade.

entretanto, lembro muito de ver a minha irmã mais velha fazendo as peças do painel de decoração da festa com os dálmatas do desenho cortados e pintados em isopor e em tamanhos relativamente grandes — alguns deviam passar um pouco dos 50 cm se a memória não me falha(1).

minha mãe disse que nesse aniversário eu estava passando mal. tive muita febre. não estava muito animado para brincar e tive dificuldade de permanecer acordado.

eu não me lembro de nada disso.

lembro, porém, que a minha professora do jardim de infância do ano anterior (1997), estava nesse aniversário. e o nome dela era denise. e de 1997 eu não me lembro de mais absolutamente nada a não ser que talvez eu tenha rolado uma escada (supostamente, minha primeira memória(2)).

lembro de ter ganhado muitos presentes. mas alguns, de vez em quando, ainda me fazem pensar. são eles: um vhs da pequena sereia, o que me intrigava muito, porque, como já disse, o único filme que eu assistia na época, literalmente, era o rei leão(3) (4); um jogo de resta 1, que eu nunca entendi exatamente como jogava e por isso nunca vi muita graça; e um uniforme do vasco, que tinha um calção da penalty e uma camisa da kappa(5).

mas, talvez eu só me lembre de tudo isso, porque esses foram os momentos que a panasonic da minha madrinha capturou e foram reproduzidas em vhs enquanto eu a visitava durante vários outros momentos da infância e da pré-adolescência.


3.

vinte e seis anos depois, estamos de novo em um aniversário e em vez de pensar que os presentes e felicitações que eu tenho recebido são sinceras congratulações por ter, sim, sobrevivido/superado/vencido mais um ano, eu só consegui pensar em como fazer aniversário é envelhecer e envelhecer é acumular.

enfim, eu só me importo com coisas desimportantes


1 deve falhar.

2 nunca tive certeza se isso realmente aconteceu e se tudo der certo nos meus planos, nunca terei.

3 eu memorizei todas as falas de todos os personagens, literalmente também, o que pode ter feito com que diversas pessoas tivessem a falsa impressão de que eu era uma criança inteligente — o que me deu a falsa impressão de que talvez eu pudesse me tornar um adulto inteligente.

4 talvez por essa obsessão pelo rei leão tenham tentado me passar a pequena sereia (uma escolha questionável, mas compreensível)

5 ainda bem, porque as camisas da kappa do vasco sempre foram as mais bonitas.

Raquel Pellicano

Sócia no Espaço f/508 de Cultura | Fotógrafa | Gestora educacional | Professora

9 m

Que lindo, João! Adorei conhecer um pouquinho mais sobre você e as suas memórias mais antigas - elas parecem desimportantes, mas é tão raro saber detalhes assim da vida das pessoas que fazem parte da nossa bolha, que se tornam verdadeiras preciosidades. Parabéns, que o novo ciclo seja leve e bom!

Aline Moreira

Analista de Projetos | MBA | MSc. Ciências Sociais | Pesquisa | Políticas Públicas | 3° Setor

9 m

"a gente mal nasce, começa a morrer..."

Quando a gente faz aniversário, é comum as pessoas falarem: 'Mais um ano de vida!' Só que, na verdade, é ao contrário, é menos um ano de vida.

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