20 ANOS DEPOIS DE ANALISAR A IMPRENSA E COLEGAS NO PR, JORNAIS DIÁRIOS SÃO PRATICAMENTE UMA RARIDADE E NOVO SER NASCE: O JORNALISTA-GERAÇÃO-GOOGLE

20 ANOS DEPOIS DE ANALISAR A IMPRENSA E COLEGAS NO PR, JORNAIS DIÁRIOS SÃO PRATICAMENTE UMA RARIDADE E NOVO SER NASCE: O JORNALISTA-GERAÇÃO-GOOGLE

Há exatamente vinte anos publiquei – na primeira versão desta Folha Curitibana – um texto intitulado Complexo de Imprensa de Grande Penetração, no qual fazia uma breve análise da então imprensa paranaense e meus colegas jornalistas, especialmente os editores. 

Duas décadas depois vejo que muitos desses periódicos morreram, se transformaram ou estão mal das pernas, mamando no Estado, na Prefeitura e na União para prosseguirem sua inexpressiva existência.

A profissão também mudou muito. Acrescentou-se a função de alimentadores de redes sociais ou, mais chic, produtores de conteúdo. O tal arquivo ou banco de dados que não existia agora é quase onipresente. Chama-se Google, Wikipedia e outras fontes de informações na World Wide Web. Isso criou toda uma legião de google generation journalists – vou escrever em inglês para “ornar” – que nem imagina o que é buscar os dados direto com a fonte.

Mas isso não importa. Imprensa livre não existe. E isso nada mudou. Nada de novo no front. Continua-se escrevendo o que os donos dos jornais querem, segundo suas ideologias e interesses. 

Sim, sou ácido. Ácido como uma das pouquíssimas jornalistas (será que ela ainda se considera uma?) e escritora que admiro desde meus verdes anos na profissão: Marilene Felinto. 

Marilene de desligou da Folha de São Paulo, onde fora colunista, diante da proposta de que seu texto teria que passar pelos olhos da diretoria de redação e não seria mais publicado semanalmente e sim quinzenalmente. Ah, e por isso seu salário seria cortado pela metade.

O que ela fez de tão mal? Escreveu um texto manifestando seu contentamento com a vitória do presidente Lula em seu primeiro mandato. Isso em um jornal que se dizia neutro, contra todos os governos. Mas era óbvio que apoiava o candidato oposto, José Serra (PSDB).

“Jornalismo é um mundo baixo, do qual me lembro com enjoo ainda hoje, evoca palavrões na minha fala” escreveu ela em carta ao jornalista Xico Sá, ao saber de seu desligamento da mesma Folha de São Paulo. Marilene diz na carta que “devem ter achado que eu, por ser negra e pobre, dependente daqueles honorários de ‘mer… que me pagavam, cederia à tamanha humilhação!”.

De humilhação, aliás, eu também posso falar. “Ao chegar do interior, inocente, puro e besta” (Raul Seixas) fui trabalhar em um jornal que não vejo a hora de saber de sua morte. No qual uma bicha católica era editora. Antes de findar o período de experiência, me demitiram para poupar gastos. Nessa época estava em um caderno de variedades e fiquei sabendo que a editora lamentou muito minha saída, diante da ineficiência do novo foca  – jargão profissional que designa um recém-formado.

Algum tempo depois, apenas para fazer um teste, enviei meu currículo repleto de recortes de longas matérias que fiz para diversos outros veículos de comunicação e logo me ligaram para uma entrevista. Encontrei a tal criatura editora e seu cupincha, babando sobre as páginas. Estava praticamente já contratado mas o idiota aqui disse que processava o jornal devido à demissão. Pobre coitado – sem a coragem de Marilene Felinto – falei que se fosse o caso retiraria a ação judicial. 

A bicha ficou com suas bochechas gorduchas vermelhas e disparou:

– Se acha que é justo processar o jornal então continue...

Não preciso dizer que não fui recontratado. 

Depois, com a cara e a coragem fui em um outro diário. Esse já falecido. Entreguei meu currículo para uma espécie de chefe-de-redação-cowboy – também já falecido – e logo fui contratado. O editor, uma criatura saltitante que costumava beliscar a bochecha de um fotógrafo bonitinho, para quem também jogava beijinhos – muito fofo – até que foi com minha cara. Assim como todo mundo, fiquei sabendo. 

Mas o idiota aqui nem sequer imaginava que o falecido cowboy acessava os computadores dos jornalistas e via os textos antes de serem concluídos!!

Com três pautas ao mesmo tempo e esperando o retorno de uma série de ligações, fui adiantando os três textos, que ficaram incompletos e mal escritos, apenas um esboço. 

Ainda me lembro do cowboy passando em minha frente e cochichando algo no ouvido da criatura saltitante, que gritou meu nome logo em seguida e não adiantou nem tentar explicar. E, para piorar, havia um erro de semântica; escrevi tráfico no lugar de tráfego. O que, claro, fez a lebre dar uma risadinha sarcástica.

Quando isso aconteceu, vários outros textos que havia escrito já tinham sido publicados, o que provava minha competência. A crueldade daquela gente foi tanta que, quando eu chegava na redação, diziam que, talvez, quiçá, porventura, iriam me demitir até o final da tarde. Assim fizeram durante alguns dias, tenebrosos; até o barulho da rotativa ao chegar à redação me deprimia. 

É então que me mandam cobrir o discurso do Jaime Lerner – então candidato ao Governo do Paraná, em 1994 – que aconteceria em uma cidade do interior do estado. E eu nem da editoria de Política era. Pior: se eu era tão péssimo, por que me enviar para tal missão? 

Um pequeno avião foi fretado para levar os jornalistas. Só quem teve a experiência de sobrevoar os belos campos de várias tonalidades de cores do inteior do Paraná e a tristeza impedir que a beleza que chega aos olhos seja assimilada, compreendida, registrada pelo cérebro, sabe do que estou falando.  

Quando cheguei de volta redigi o texto. Pensei que, talvez, não me mandassem embora. Mas assim o fizeram. E no outro dia vi que meu texto saiu na íntegra, ipsis litteris, nenhuma palavra sequer fora alterada pela editora. 

Como Marilene Felinto, precisava daquela grana, era pobre. Cheguei a dizer para a criatura saltitante que necessitava do emprego. Ela riu na minha cara. 

Mas a culpa foi toda minha. Fui tolo. Ingênuo. Sem malícia alguma. Tivesse eu, no emprego anterior, flertado com a bicha católica, quem sabe até beliscado suas bochechas flácidas e rechonchudas, teria permanecido naquela...– vou pegar as palavras de minha querida Marilene Felinto – mer... de jornal.

No segundo, bastava ter bisbilhotado com os colegas sobre o ambiente, o que rolava nos “bastidores”, dar ouvidos às fofocas, aos venenos, e logo teria descoberto que o cowboy falecido invadia a privacidade dos repórteres ao acessar seus computadores.

Mas, tudo passou. Eu ainda estou vivo e posso, nesta Folha Curitibana, escrever tudo o que quero. E, caso não tivesse convivido com essas criaturas e passado por esses lugares, essa edição da coluna não poderia ser escrita, diria Pollyanna, a menina e a moça.  

Emildo Coutinho é jornalista, fotógrafo, professor de inglês e editor da Folha Curitibana. Com 25 anos de profissão, formou-se em 1992 pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG); atuou em diversos jornais e outros meios de comunicação de massa de Curitiba e no jornal norte-americano The Beltsville News, em Washington D.C., Estados Unidos, onde foi colunista. Atualmente é formando em Letras Inglês-Português e faz mestrado em Linguagens e Tecnologia, na Universidade Tecnológica do Paraná (UTFPR) na linha de pesquisa Multiletramentos, Discurso e Processos de Produção de Sentido; emildocoutinho@gmail.com

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