2025..., ENTRE O ESPANTO E A ESPERANÇA – A VIDA, A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E OS  NOVOS TEMPOS

2025..., ENTRE O ESPANTO E A ESPERANÇA – A VIDA, A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E OS NOVOS TEMPOS

Neste primeiro de janeiro de 2025, completo mais um ano de vida na terra, depois de tantos; muitos risos ! Mas, sabe, há dias em que acordo com uma sensação difícil de traduzir em palavras, como se, durante a noite, tivesse sido transportado para um universo paralelo. É um deslocamento sutil, quase imperceptível, mas que inquieta profundamente, como se o ar ao meu redor tivesse mudado de densidade ou a luz atravessasse a janela de uma forma diferente.

É aquele tipo de manhã em que até o silêncio parece carregar um peso incomum, como se estivesse tentando nos contar segredos que ainda não estamos prontos para ouvir. Talvez seja o peso das décadas ou o suspiro longo de quem olha para o passado com saudade e para o presente com assombro. Eu mesmo, ultimamente, tenho me sentido assim, como se estivesse vivendo em um mundo que já não é mais o meu. E, sabe, isso é estranho, porque lembro bem de quando ele ainda era.

Nasci em uma época em que o som das máquinas de escrever marcava o ritmo da vida. Aquelas Olivetti, com suas teclas que exigiam força e paciência, eram quase personagens das casas e escritórios. Nos anos 70, o Brasil ainda acordava das trevas do golpe militar, um período marcado pela repressão política, censura e exílio de grandes nomes da cultura e intelectualidade. Era também um momento de dualidade: enquanto a ditadura sufocava as vozes dissonantes, as ruas começavam a vibrar com as canções de protesto e os movimentos que desafiavam o silêncio imposto.

O país vivia o chamado "Milagre Econômico", que mascarava desigualdades profundas enquanto vendia a ilusão de prosperidade. Era o tempo em que Chico Buarque escrevia com metáforas afiadas, enquanto os jornais clandestinos circulavam de mão em mão. Um Brasil que tentava respirar, mesmo com o peso de botas sobre o peito, e onde cada pequeno ato de resistência carregava a esperança de dias mais claros.

Foi uma década que teve de tudo: o “Milagre Econômico” que fez muita gente comprar o primeiro fusquinha e o árduo despertar da consciência política com as greves do ABC. Enquanto isso, eu vivia minha infância no meio de moleques que transformavam a rua em campo de futebol, pista de corrida e arena de batalhas imaginárias. Os pés descalços eram o uniforme e os apelidos, o escudo: Bacalhau, Cabeção, Tostão. Éramos todos heróis de um tempo em que a amizade não tinha filtro nem curtida. Era verdadeira e bruta.

Ah, e as novelas! Elas ditavam o ritmo das conversas nas calçadas, aquelas mesmas calçadas onde as cadeiras de balanço eram colocadas no fim da tarde, abrindo espaço para confissões e risadas. Quem não se lembra de "Selva de Pedra" ou "Dancing Days"? Eram mais do que tramas televisivas; eram o pulsar da vida cotidiana. Era impossível ignorar as discussões acaloradas sobre o destino de Simone ou o brilho das meias de lurex na pista de dança. E, enquanto as tramas desfiavam suas histórias, as calçadas viravam plateias, onde a ficção e a vida real se misturavam como num jogo de espelhos.

Na televisão, o preto e branco cedia espaço ao colorido, e o país parecia se pintar de esperança, mesmo que a realidade fosse outra. Lembro das resadeiras, com suas orações baixinho e benzeduras que misturavam fé e mistério. Eram tempos em que o leite vinha em garrafas de vidro, depois em saquinhos que exigiam malabarismo para não derramar. Tudo era mais simples, mais tátil, mais humano.

Quando os anos 80 chegaram, eu fui estudar jornalismo. Recordo-me vividamente do primeiro dia de aula, um calor úmido que fazia o chão de São Paulo parecer derreter. A cidade vibrava com a energia das Diretas Já, e eu, jovem e cheio de sonhos, sentia o peso da história pulsando em cada esquina. Na faculdade, conheci pessoas que traziam histórias tão marcantes quanto os tempos que vivíamos: amigos que tinham perdido parentes para o regime militar, professores que escreviam em jornais clandestinos, e até mesmo colegas que transformavam conversas de corredor em discussões políticas intensas.

Lembro-me especialmente de um debate acalorado sobre a censura no jornalismo, que me fez perceber o quanto eu ansiava por um mundo mais livre. Esses primeiros passos no jornalismo foram mais do que uma escolha de carreira; foram uma jornada de autodescoberta, onde aprendi que a verdade não é apenas um ideal, mas uma necessidade vital. Era o início da minha jornada na faculdade, mas também o final de uma ditadura que já parecia cansada de si mesma.

O presidente Figueiredo, aquele que dizia preferir os cavalos às pessoas, parecia uma metáfora perfeita para um país que ainda aprendia a se reconhecer no espelho. O Brasil se urbanizava, mas sem perder o jeitão de interior em suas relações. Foi uma década de descobertas, paixões intensas e, claro, desilusões. As paixões daquela época eram como montanhas-russas: ora alucinantes, ora devastadoras. Era amar ou morrer tentando.

Mas o mundo não parava. Chegaram os anos 90, e com eles, uma velocidade que nós, acostumados ao ritmo lento do passado, mal conseguíamos acompanhar. Foi o período em que a globalização mostrou a que veio. Antes, tudo era previsível: os carros tinham meia dúzia de modelos; as mudanças na vida eram espaçadas como as cartas do carteiro. Agora, a previsão era uma utopia. O mundo começava a girar mais rápido, e a gente ficava parado, tentando entender.

Hoje, tudo parece diferente. O leite já não é mais entregue na porta, nas garrafas de vidro que deixavam aquele aroma fresco e inesquecível na cozinha. Agora, vem em caixas, embalado a vácuo, sem cheiro, sem vida, transformado em mais um produto nas prateleiras uniformes dos supermercados. As conversas, que antes aconteciam nas calçadas, agora migraram para as telas, cada vez mais distantes e impessoais. As amizades têm prazo de validade e, por mais que tente, o Natal já não tem mais a mesma magia. Nem as resadeiras conseguiram sobreviver à modernidade.

Lembro da última que conheci, em Sorocaba, não faz muito tempo. Eu havia deixado meu carro no quintal dela para ir a uma festa de final de ano na empresa. Ela me olhou com um olhar sereno e me perguntou: "Você não quer que eu lhe benza?" Fiquei surpreso, mas, claro, disse que sim. Ela, com paciência, me disse: "Quero que você aprenda a minha reza, para dar sequência no que aprendi, já que ninguém mais liga para isso." Confesso que anotei o passo a passo, mas sabia que aquela era uma jornada dela, uma missão única. Não conseguia me imaginar no papel de benzedeiro. No final, ela me deu algumas bananas de seu quintal, que estavam amadurecendo. Se eu morasse em Sorocaba ou Votorantim, com certeza teria uma amizade mais próxima com Dona Alzira.

Enfim, apesar de às vezes achar que não sou tão saudosista, confesso que sinto falta. Falta de um tempo em que a vida tinha gosto, cheiro, textura.

Mas talvez não seja só saudade. Talvez seja o espanto de estar vivo. De olhar para trás e perceber o quanto o mundo mudou enquanto eu tentava me encontrar. E você? Também sente isso? Esse misto de nostalgia e perplexidade? Como se estivéssemos todos em uma reprise mal editada do nosso próprio álbum de memórias. Porque, para mim, a vida é isso: um fio que liga o passado ao presente, com todas as suas cores, dores e amores. Um fio que, mesmo desfiado, ainda é capaz de nos manter conectados ao que importa: o espanto e a beleza de estar vivo.

Eu costumo me ver como um hardware antigo, com softwares novíssimos, como bem diz meu primo Wilson, que trabalha no mundo da TI. Ou seja, ao mesmo tempo em que me espanto com quase tudo, também me sinto empolgado de acompanhar todas as mudanças. Passei da máquina de escrever para a inteligência artificial de hoje, e percebo que a primeira profissão que escolhi, e que sempre foi minha grande paixão, o jornalismo, foi uma das primeiras áreas ameaçadas. Os jornalistas, hoje, estão praticamente dizimados.

Lembro do meu primeiro emprego nos Diários Associados, uma empresa fundada por Assis Chateaubriand, o “Chato, o Rei do Brasil” (quem assistiu ao belíssimo filme sobre ele sabe bem do que falo). Naquela época, escrever com estilo próprio era uma arte, uma genialidade. Os textos eram esperados com a mesma ansiedade com que se espera uma fornada de pão quente saindo do forno. Os jornais tinham aquele cheiro de tinta, e as mãos dos leitores ficavam sujas de tinta preta.

Mas era uma delícia! Durante o dia, os jornais informavam, e à noite, o telejornal e as novelas nos acompanhavam. Não pense que não havia uma certa forma de controle ali. As ideias, os conceitos, os mandos e desmandos estavam sempre presentes. Fomos pilotados e manipulados o tempo todo, ainda que isso aconteça hoje, com outra roupagem. Porém, a democracia permitiu que surgissem novas vozes, novos canais independentes, um novo estilo musical, novas artes visuais e novas formas de família e de viver em sociedade.

Depois de mais de 42 anos de trabalho, acabei me tornando psicanalista. E, por enquanto, percebo que as mentes não mudam, apenas as demandas e os incômodos. Mas, independentemente de inteligência artificial ou não, os humanos continuam pensando, nascendo, morrendo, chorando, amando e tentando prolongar a sua existência.

Olho para o futuro e, apesar das incertezas, vejo algumas certezas: quem souber se adaptar às mudanças tecnológicas e, ao mesmo tempo, preservar a essência humana, terá uma vantagem. O mundo está cada vez mais digital, mas o toque humano, a capacidade de empatia, a compreensão profunda do comportamento humano, será sempre o diferencial. É claro que a inteligência artificial irá transformar áreas como a medicina, a educação e até a arte, mas a sabedoria e a habilidade de lidar com o lado mais subjetivo da experiência humana nunca serão substituídas por algoritmos.

Nos próximos anos, veremos o aumento da automação e da inteligência artificial, mas também a ascensão de profissões que mesclam a tecnologia com o comportamento humano. Especialistas em ética digital, terapeutas digitais, consultores de bem-estar psicológico em ambientes virtuais, e facilitadores de conexões reais em um mundo virtualizado serão algumas das figuras-chave. A verdadeira inovação, no entanto, não virá apenas da tecnologia, mas da capacidade de usar essas ferramentas para melhorar a qualidade de vida das pessoas.

Para os que querem continuar vivos e produtivos nos próximos anos, o segredo será a flexibilidade. Manter a mente aberta para o novo, sem perder de vista o que nos torna humanos: o desejo de aprender, a empatia, a capacidade de construir relações significativas e, acima de tudo, a resiliência para lidar com as inevitáveis mudanças. Quem souber equilibrar a tradição com a inovação, entender que o digital não elimina o humano, mas sim amplia suas possibilidades, será aquele que se manterá relevante.

Por fim, em um mundo onde tudo parece correr em uma velocidade frenética, talvez o maior desafio seja justamente parar para refletir, respirar e lembrar o que é essencial. O futuro será de quem souber, com inteligência e coração, navegar nas ondas da transformação sem se perder na espuma da superficialidade.

Roberto Marinho

Publicitário e Psicanalista




 

Parabéns, Primo Roberto Marinho! Excelente reflexão! Você conseguiu sintetizar o sentimento de nossa geração, e, apesar de eu ter ficado triste com as constatações, esse fio de esperança num futuro (ainda) mais tecnológico, mas também mais humano, aqueceu meu coração! Abs!

Natanael Sena

Ajudo empresas a construirem histórias incríveis.

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