250 Palavras
Queridos amigos, a Editora Chiado - Brasil/Portugal - pediu a alguns escritores que escrevessem, cada um, 250 palavras sobre a Quarentena. Escrevi 250 palavras. Espero que gostem.
Eliane Ganem
Silêncio em poucas palavras para dizer do meu sufoco e do horror da pandemia que tomou conta do país. Não morremos aqui pelo mesmo motivo do mundo, mas por um vírus mais letal, que mata aos poucos e nos leva, além do corpo, o espirito. Sou alguém sem existência nessa quarentena dos piores dias. Tomaram de mim as crenças, o voto, a dignidade. Tomaram de mim a legalidade, a liberdade, a vida. Sou governado pela morte que ordena que todos saiam da quarentena, principalmente gente como eu – o grupo que deve morrer porque os jovens, desmemoriados, precisam ser explorados. Eu sou a História, que berra nas janelas, que bate panelas, que não sai. Sou o grupo arriscado, que sobreviveu a uma sangrenta ditadura militar. Sou sobrevivente, que esteve em quarentena por 21 anos. Depois que esse vírus passou, levamos aqui um bom par de anos reconstruindo a liberdade, a dignidade, o sorriso. A minha segunda quarentena, não tem poucos dias, começou quando os senadores depuseram o que havia de mais sagrado, o sufrágio de um povo oprimido. Desde então, tudo tem gosto de vergonha, de ignorância, de tirania. Estamos colhendo o resultado da primeira quarentena, que volta trazendo em si o mesmo vírus. Uma pandemia que não cessa, e novamente terei que sobreviver apesar dos desejos insanos dos que comandam. E essa outra pandemia, que está levando à morte milhares de pessoas, essa tem o peso da natureza sofrida, morta, poluída, a Amazônia sucumbida em chamas.