3.2. VOTAÇÃO VIA BLOCKCHAIN
Corumbau, Bahia, julho de 2019

3.2. VOTAÇÃO VIA BLOCKCHAIN

Pense nas características inerentes ao blockchain que viemos apresentando até aqui. Desde a transparência a imutabilidade dos registros nela lançados, passando pela acessibilidade do sistema porque online, público e rodando ininterruptamente. Lembre, ainda, da privacidade oferecida a seus usuários, cuja identidade e conteúdo dos registros são preservados por meio de criptografia e chaves públicas e privadas. Por fim, considere a auditabilidade do sistema, que pode ser verificado e fiscalizado pelas partes interessadas paralelamente e em tempo real.

Se vislumbrarmos um sistema de votação do mundo ideal, certamente todos os aspectos acima deveriam se fazer presentes. Não é à toa, portanto, que a tecnologia blockchain tem sido vista por muitos como uma importante solução para os principais sistemas de votação em nossa sociedade.

Atualmente, em tempos de fake news, Cambridge Analytica e a propagação do universo online e das redes sociais como um novo tipo de corpo-a-corpo das campanhas eleitorais, as instituições em geral têm sido mais do que nunca cobradas em seu papel de garantidoras da democracia e da incorruptibilidade do processo decisório. É louvável, portanto, que uma ferramenta potente como o blockchain esteja começando a ser testada no âmbito das eleições.

Blockchain teoricamente elimina as chances de erro de cálculo e fraude, seja por autoridades ou hackers. Uma vez que os votos são lançados em seu sistema, eles se tornam imutáveis e verificáveis por qualquer um, a qualquer tempo. A descentralização do sistema traz neutralidade e segurança ao substituir a confiança em instituições ou indivíduos pela confiança em um sistema publicamente auditável e matematicamente incorruptível.

Ele nos dá a inédita chance de gerarmos consenso entre cidadãos e auditores, partes que não confiam necessariamente umas nas outras, quanto ao resultado das eleições. A contagem e auditoria dos votos pode ser realizada por diversas partes ao mesmo tempo, mantendo, sobretudo a privacidade dos votantes já que as transações ou, no caso, os votos registrados nessa base de dados distribuída, bem como a identidade de seus titulares, estariam encriptados. Sendo, portanto, possível manter o voto secreto, quando necessário.

A votação à distância democratiza o acesso a processos decisórios e estimula a participação porque simplifica e moderniza o exercício do direito político do cidadão, ou do acionista, caso adentremos o âmbito das companhias. A divulgação dos resultados poderia ser imediata, o que traria, ainda, eficiência a um procedimento hoje tão cheio de vícios e críticas como o da votação.

Não só governos, como também empresas começam aos poucos a realizar experimentos nessa seara. Até a presente data, o mais emblemático de todos os casos de votação por meio do blockchain no âmbito empresarial é o do Santander. Estamos falando aqui do maior banco europeu em termos de capitalização de mercado. São nada menos do que quatro milhões de acionistas, sendo aproximadamente 61% das ações pertencentes a investidores institucionais.

Durante a assembleia geral ordinária realizada em maio de 2018, além da votação pelos métodos tradicionais, os acionistas tinham também a opção de votar em paralelo via blockchain que, neste primeiro teste, funcionou apenas como uma espécie de escrutínio-espelho para conferência da votação tradicional.

Sergio Gámez, diretor de relações com investidor do banco afirmou que, no caso do Santander,

“cujo capital é muito fragmentado, é de extrema importância garantir a participação de investidores e acionistas. Esse ano, a utilização da tecnologia blockchain para os votos institucionais foi essencial em termos de transparência e agilidade.”

Assim, o banco espanhol se tornou a primeira companhia no mundo a usar a tecnologia para facilitar o exercício do direito político de investidores e acionistas em suas assembleias gerais. O experimento é o resultado de uma parceria com a startup Broadridge Financial Solutions e contou com a colaboração do JPMorgan e do Northern Trust como instituições financeiras custodiantes.

O sistema tradicional é criticado e conta com reclamações que versam a respeito de votos perdidos, ou da dificuldade para investidores residentes fora da jurisdição do banco, participarem das votações. O Santander acredita que o uso do blockchain pode acelerar o processo tanto de votação como de divulgação dos resultados, além de estimular uma maior aproximação e participação dos acionistas, já que reduz custos tanto para estes como para a própria companhia.

Além de trazer uma benvinda modernização às assembleias gerais. Outros exemplos interessantes nesse sentido são da National Stock Exchange of India (NSE) que recentemente informou que está testando uma plataforma de votação online baseada em blockchain para companhias listadas. O projeto-piloto tokeniza os direitos de voto e o sistema fica responsável por conectar todas as pontas envolvidas: a companhia, o agente de transferência e registro RTA, e o regulador. Acredita-se que tokens de voto são de fácil transferência ou utilização via proxy, caso necessário. O teste tem como intuito avaliar a capacidade de auditoria que um tal procedimento de votação oferece. Nas palavras de seu diretor,

“A natureza imutável do blockchain deve garantir que as ações tomadas por qualquer participante da rede sejam transparentes para o regulador. Além disso, os smart contracts viabilizam a sincronização da contagem de votos entre a companhia e o regulador em tempo real.”

A Nasdaq também desenvolveu uma plataforma eletrônica para acionistas votarem a respeito de aquisições, novas emissões de ações, bem como em eleições da diretoria. Começou com um programa-piloto na Estônia e, no início de 2018, também na África do Sul. Todos os dados da votação são salvos em um livro-razão imutável e os participantes têm acesso online e em tempo real aos resultados da votação.

Estamos diante de um movimento global por uma maior transparência nas instituições e, felizmente, o blockchain parece ser capaz de colaborar para tanto. Dentre iniciativas que não só recomendam, como impõem novas formas de relacionamento e comunicação entre companhias e seus investidores, lembramos aqui da Diretiva Europeia sobre Direitos de Acionistas II, ou Shareholders Rights Directive II – SRD II, que entrou em vigor em junho desse ano. Ela tem como escopo, dentre outros, trazer maior transparência às relações dos acionistas com a companhia, pelo que passa a tornar obrigatório o compartilhamento das informações de votos com intermediários no mesmo dia útil das votações.

Por mais que não se trate de uma lei e que não se aplique diretamente a nossa jurisdição, tal qual o GDPR em relação a privacidade de dados online, a Diretiva citada é um importante parâmetro normativo e pode vir a ensejar uma maior adesão aos sistemas de votação via blockchain, tendo em vista a capacidade desta última em responder a uma tal demanda.

Falando em normas, no âmbito nacional, a Instrução CVM nº 561/2015, dentre outros assuntos, passou a tornar obrigatória para companhias abertas listadas, a implementação do sistema de votação à distância em assembleias gerais ordinárias. Na mesma linha da SRD II citada acima, a medida tem por objetivo dar uma maior transparência aos mapas de votação, estimulando, assim, a participação dos investidores nas AGO’s, o que teoricamente resultaria em uma maior aproximação dos acionistas minoritários da administração e dia-a-dia empresariais.

Apesar da importante iniciativa, a votação à distância na prática ainda sofre de incapacidades técnicas que prejudicam o resultado esperado pela norma acima mencionada. Dentre eles, citamos a falta de interação entre o mundo presencial e o remoto; a rigidez de um sistema que não atualiza as propostas para serem votadas a tempo do acionista votar em todas elas, caso o faça à distância; portanto, problemas de prazo; bem como uma desejada maior transparência nos mapas de votação.

De acordo com a gerente de desenvolvimento de normas da CVM, Claudia Hasler, com a entrada em vigor da referida Instrução,

“Há uma percepção mais clara do número de votos, das rejeições, aprovações e abstenções de cada proposta. Mas há uma demanda por mais transparência, permitindo que seja verificado quem votou em cada uma das deliberações”.

Outro prato cheio para o blockchain.

Sem falar na agilidade e redução de custos que um tal sistema oferece. As Assembleias Gerais são eventos cujos custos de realização são altos, ao contrário da efetiva participação de acionistas, que costuma ser bem baixa. Com o crescimento de investimentos estrangeiros, começa a haver uma demanda maior por uma solução segura, flexível e economicamente viável que possa facilitar a votação por acionistas à distância.

Cabe à companhia oferecer as condições técnicas para que seus acionistas possam ter um maior controle sobre seus direitos de voto, além de um acesso mais simples e fácil ao seu próprio histórico de votação dentro da companhia.

Com a profusão de intermediários eventualmente colocados e até hoje presentes entre a companhia e seus próprios acionistas, muitas vezes é até difícil que ela tenha informações atualizadas sobre quem tem o direito de votar, além das condições de verificar que as ações que um dado acionista possui o qualificam para o exercício dos seus direitos. O mesmo se aplica às procurações que concedem a terceiros poderes para votar em nome dos acionistas e a verificação de suas respectivas validade e autenticidade.

Enquanto alguns investidores podem vir a delegar votos por proxy para um banco custodiante, eles não têm hoje como ter certeza absoluta, por exemplo, que seu voto foi dado conforme desejado por ele. Aí está mais uma importante oportunidade para o blockchain aprimorar a interação entre investidores e a companhia tornando seu processo decisório mais transparente e seguro.

Caso as empresas sejam lentas demais na adoção desse consideravelmente superior sistema de votação para acionistas, os investidores, que arcam com os custos das atuais ineficiências do sistema tradicional, irão eventualmente demandar que as companhias o façam.

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Este é o nono de uma série de textos que, em conjunto, reproduzem o artigo completo "Blockchain, Transparência e Direito Societário", de minha autoria e originalmente publicado em dezembro de 2018, em sua totalidade, no Volume III do livro "Atualidades em Direito Societário e Mercado de Capitais" organizado por Felipe Hanzmann, disponível na Amazon.

Rebelde Jeans

Product Owner at Convergente Informatica LTDA

5 a

O brasil é um dos países que utiliza mais tecnologia em votação, desde as primeiras eleições eletrônicas em 1998. portanto, é um candidato a ser pioneiro no uso de blockchain. achei interessante a característica de transparêcia, neutralidade e segurança do protocolo, que certamente vai encontro com os valores da democracia.

Rebelde Jeans

Product Owner at Convergente Informatica LTDA

5 a

puxa, vc é nerd mesmo ( como elogio).

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