6 Anos de Observador — Não fui ao espaço, mas estive em “gravidade zero”
Há quem sonhe ir à Lua ou a Marte. Contentava-me com uma visita à Estação Espacial Internacional e com poder fazer umas quantas órbitas à volta do planeta azul. Será provavelmente um sonho inconcretizável, mas ninguém me tira a experiência de ter estado em “microgravidade” (vamos dizer assim para simplificar). E não aconteceu por ser cientista, mas por ser jornalista.
A Agência Espacial Europeia (ESA), assim como outras agências nacionais, realiza regularmente voos de teste para equipamentos que serão enviados para o espaço e para experiências que precisam de ser avaliadas na ausência de gravidade — pelo menos, numa ausência aparente. São os chamados voos parabólicos e consegui estar a bordo de um desses voos.
Durante uma semana foram realizados três voos, com 11 experiências a bordo, e cada dia podia ser acompanhado por um dos três jornalistas que tinham sido selecionados pela ESA para a campanha de setembro de 2014.
Só tinha uma oportunidade para fazer o voo e aproveitá-lo ao máximo, tanto em termos profissionais como pessoais, por isso segui à risca todas as recomendações que nos foram dadas. Durante o voo, o avião iria realizar 31 parábolas — subir a pique e descer em queda livre — que nos faria sentir em hipergravidade, depois em microgravidade e finalmente em hipergravidade outra vez antes de voltar ao normal, e eu não queria enjoar com a experiência.
Fechem os olhos e imaginem comigo: estamos deitados numa superfície acolchoada; quando o avião inicia a parábola, as forças sobre o nosso corpo chegam quase aos 2G (que é como se ficássemos com o dobro do peso); quando perde velocidade, atinge o topo da parábola e entra em queda livre, são 22 segundos em que a sensação é de ausência de gravidade (embora não o seja realmente, porque a Terra continua a puxar-nos para o centro) e o corpo flutua sem esforço; ao aviso sonoro, preparem-se porque vamos sentir hipergravidade novamente. Se a sensação é incrível deitado, de pé é como se as pernas estivessem a ser esmagadas pelo peso do próprio corpo.
“As experiências são desenvolvidas nesta fase de sensação de ausência de peso, por vezes chamada de microgravidade – um termo incorrecto, porque a força da gravidade não diminui nem desaparece, mas é contrariada por outro tipo de forças, dando ao corpo a sensação de estar sujeito a uma força de 0G.”
A regra de ouro era: não mexer a cabeça durante os períodos de hipergravidade porque quando a informação obtida pelo sistema vestibular (no interior do ouvido interno), responsável pelo equilíbrio, é diferente da informação obtida pela visão, o resultado são tonturas e vómitos — é por isso que algumas pessoas enjoam quando vão a ler no carro. Não mexia um músculo durante a hipergravidade — na verdade mal conseguia respirar —, mas quem já está habituado a estes voos anda de um lado para o outro sem problemas. (Também nos podemos habituar a ler nos carros em andamento e deixar de enjoar.)
Tive a oportunidade de me sentar no cockpit durante a descolagem, estar no espaço de “voo livre” nas primeiras parábolas — ainda rija como um cepo porque não sabia o que iria sentir —, analisar, fotografar e filmar cada experiência à medida que ia sendo desenvolvida e ainda voltar ao cockpit para mais umas parábolas — nariz para cima e “ver o espaço”, olhar para baixo e ver os barquinhos no oceano. E tudo sem enjoar.
Os dias em terra firme foram igualmente intensos. As equipas que tinham as experiências a decorrer nos voos parabólicos tinham alguns elementos a voar, mas outros na base, o que me permitiu fazer um sem número de entrevistas e abordar temas completamente desconhecidos. Chegava ao fim do dia com o cérebro dorido de consumir tanta ciência em inglês.
Esta foi sem dúvida a reportagem que mais gostei de fazer no Observador, porque não há nada melhor do que divertirmo-nos a fazer o nosso trabalho — ainda melhor se incluir uma experiência única. A história que vos trago amanhã diz respeito ao primeiro momento histórico em termos científicos que tive a oportunidade de reportar. Só tenho pena ter sido à distância.