Abram alas, os blocos vão passar

É Carnaval. Os blocos vão passar. Quanta alegria. Quanta folia. O governo vestiu sua fantasia. Do primeiro carnaval ninguém esquece. Nesses dias, com o governo ninguém se aborrece, pois é carnaval.

Será o primeiro Carnaval do governo Bolsonaro. Tempo para respirar e para recarregar suas energias, porque logo depois virá a Quaresma, tempo de contrição e de reflexão, que será também o tempo para combater seus primeiros combates no Congresso. Como alertou Rodrigo Maia, será tempo para vestir as sandálias da humildade, pedir perdão pelos exageros da campanha eleitoral e pagar suas penitências pelos pecados de soberba e de intolerância.

Mas enquanto a Quaresma não vem, abram alas, que os blocos vão passas, pois é Carnaval.

Os blocos do governo já aquecem seus tambores e seus bumbos.

O primeiro bloco a aparecer, roupas com listras vermelhas e brancas, tem o comando de Ernesto Araújo, fantasiado de Dom Quixote, puxando a marchinha “É com esse que eu vou”; que vou enfrentar os demônios do mal que assombram a sociedade ocidental; que vou invadir a Venezuela; e, então, saudarei Trump como o cavaleiro dos valores cristãos ocidentais. Ao entrar na avenida, o ministro ecoará o seu grito: “Coreia do Norte acima da Venezuela, Estados Unidos acima de todos”.

Em seguida, o bloco “Escola sem Partido”, liderado pelo ministro Ricardo Velez, tenta inflamar os foliões, entoando o hino nacional, mas sem muita convicção de que ali é o lugar certo. Contudo, valendo-se de sua autoridade, o ministro impõe a todas as escolas de samba que entrem na avenida cantando o hino nacional e exibindo no estandarte o lema da escola sem partido: “O Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”.

Atrás, entra o bloco “Direitos naturais”. Homens vestidos de azul, mulheres, de rosa, com a ministra Damares à frente exaltando que “mulher nasceu para ter filhos”. Nas ruas, recordando Mario Lago, a ministra canta “Ai, que saudade da Amélia/ aquilo sim é que era mulher/ passava fome ao meu lado/ E achava bonito não ter o que comer”. Mas não tem nada, não. Se não gostaram, ela sugere aos pais das meninas: “fujam do Brasil”.

Após vem o bloco “Mulheres-fantasma”, também conhecido como o “bloco do laranjal”. Todas vestidas em laranja e sem comando, porque seu líder, Gustavo Bebianno, caiu antes do Carnaval, e seu imediato, ministro Marcelo Álvaro Antônio, foi fazer retiro espiritual. A falta de liderança deixou o bloco desafinado. Uns cantam em um tom acima, outros em tom mais baixo, quase inaudível. Nos adereços das fantasias, as passistas carregam bombas de efeito retardado.

Fechando o desfile oficial, chega o bloco “Donos dos terreiros”. São os meninos, filhos do homem, fantasiados de príncipes herdeiros. Cuidado com eles. Podem jogar água no chope.

Ao Bolsonaro restou cantar Zeca Pagodinho: “Vou acender velas para São Jorge/A ele quero agradecer/ E vou plantar comigo-ninguém-pode”, pois é Carnaval.

Paulo Paiva


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