Abram alas senhores!

Abram alas senhores!

As Olimpíadas escrevem história. E nesses jogos, o protagonismo é daquelas a quem, por muito tempo, a história não se fez permitida.

Aliás, a presença delas, em todas as modalidades, é bem recente: vem com Londres, em 2012.

Com a pioneira Maria Lenk, em 1932, a primeira competidora sul-americana a pisar em uma Olimpíada. Ela, nadadora brasileira, e mais 45 homens na mesma delegação.

A hora, delas, é certo: sempre deveria ter sido, mas sabemos: demorou a ser. Pois então, sem demora, é agora, senhores: abram alas que as meninas, as jovens e as mulheres atletas não só querem, elas vieram para “pisar”.

Nos Jogos estamos todos ainda impactados com Rayssa Leal, Letícia Bufoni e Pâmela Rosa que mostraram toda a potência do esporte e, com certeza, alimentam os melhores sonhos de várias meninas por aqui.

Quem não se emocionou com a leveza, a graça, a alegria de Rayssa, a 7ª medalhista mais jovem em toda a história dos Jogos dos Olímpicos? A modalidade esportiva, que teve nesses Jogos notas iguais, para homens e mulheres, reafirma a importância de se lutar pela equidade de gênero.

Na Ginástica Artística, o nome é justo: duas mulheres negras, artistas, encantaram o mundo! Rebeca Andrade, a primeira medalhista olímpica na modalidade, prata no individual geral e ouro no salto sobre o cavalo que mostra, aos 22 anos, o significado da maturidade, da força, da serenidade e da leveza de uma mulher. Com seu Baile de Favela, é ela que se consagra como inspiração. Ela que já foi uma vez menina inspirada por outra mulher e atleta negra, Daiane dos Santos.

E o que falar de Simone Biles? Coragem para dizer ao mundo que se retira do maior evento esportivo do planeta. Se retirar por ela, para cuidar, dela. “A vida vai além da ginástica”. Vai sim, Simone. E é você quem nos ensina a vivê-la com sabedoria.

De acordo com a mitologia grega foi o herói Hércules quem criou as Olimpíadas para homenagear seu pai, ninguém menos que Zeus. Mas não é em razão desta origem heroica e divina que eu confio no poder das Olimpíadas: é por causa dElas! A causa, é delas. É nossa. Essa potência e essa força a história já vêm mostrando, mas parece que o tempo não contribui para que alguns assimilem o recado.

Os números também indicam o protagonismo feminino: segundo dados do site rede do esporte, é a delegação com mais mulheres na história do nosso país. São 140 atletas brasileiras competindo em Tóquio, ainda que a maior proporção feminina em comparação com a masculina tenha sido em Atenas-2004 (49%, contra 46% em Tóquio), temos mais mulheres com condições de se dedicar profissionalmente ao esporte.

No judô a incrível Mayra Aguiar, única atleta brasileira três vezes medalhista olímpica. Sete vezes lesionada ao longo da pandemia, é bronze, pela terceira vez, em uma Olimpíada. Ainda temos Laura e Luisa, que bronzearam para o tênis brasileiro. E tantas, tantas outras histórias que, imaginem só, há bem pouco tempo atrás não estavam autorizadas a serem contadas.

É também uma mulher, a meio-campista Formiga, que tem a incrível marca de ter sido a única atleta a participar de todas as edições dos Jogos Olímpicos desde a estreia da modalidade na competição. De Atlanta, em 1996, aos 18 anos para Tóquio, em 2021, aos 43 anos, se torna a única atleta a participar de sete edições dos Jogos Olímpicos.

Essa explícita beleza do protagonismo feminino nos Jogos, com todas as marcas, conquistas e superações, é um convite potente para que a gente exalte sim o protagonismo das atletas em geral, mas o retrocesso social é tamanho, e sabemos, que o alerta deve ser ampliado: temos que acender sempre o debate pela tão necessária equidade entre os gêneros.

É esta mesma mulher atleta, que faz a gente chorar de emoção, com sua medalhas, histórias, com sua potência, leveza e coragem, que ao longo de muito tempo tem sido visibilizada na mídia através de um discurso machista e sexista. Um trabalho incrível do site Think Olga, chamado de “Minimanual do Jornalismo Humanizado”, desconstrói uma série matérias jornalísticas que retratam a mulher a partir de estereótipos. Matérias que ressaltam, “musas do tênis”, que destacam “celulites”, que aplaudem a mãeatleta e não a mulher atleta.

Mulheres, portanto, cuja visibilidade vem sendo construída a partir da fala do outro, e não, da própria mulher, e onde os determinismos, são muitos. A mulher deve ser, padrão: magra, sem marcas de um corpo de verdade, vaidosa, arrumada. A mulher deve ser doce, deve ser linda.

Aliás, um parêntese, foram as ginastas alemãs que se apresentaram no treino de pódio usando o full-body suit que cobre o corpo inteiro. O gesto, que não é uma oposição ao tradicional collant, mas um posicionamento político para afirmar que as mulheres podem usar o que elas quiserem, o que as fizer se sentir mais confortáveis. As mulheres devem ser o que e como elas quiserem.

E se a mídia não é justa com as atletas mulheres, igualmente não é com outras mulheres – atacam, por vezes, aquelas que ocupam posição de destaque. Independentemente de filiação política – esse não é o foco do texto – vale lembrar que a imprensa massacrou, sem medidas, a presidenta Dilma Rousseff e, simplesmente, por tratar-se de uma mulher.

É famosa a capa da Revista Isto É com o título "As explosões nervosas da presidente", em que a “promessa jornalística” do título machista e misógina se cumpre com louvor: a matéria não analisa o desempenho de Dilma, não pondera conquistas, ou sugere melhorias, ao contrário, se preocupa em construir a imagem de uma mulher descontrolada emocionalmente. Ou seria o mesmo que destruir a imagem de uma mulher?

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Inclusive ficou marcada a comparação com a capa da revista Época em que o mesmo “comportamento”, atribuído para a mulher como explosão nervosa, histeria, descontrole, passa a ser um dom para o homem: o dom da fúria.

A gente sabe que gênero é uma construção social e cultural. Inúmeras são as pesquisas científicas nesse sentido e não se pode mais validar um discurso essencialista. Então fico com o que interessa:  cabe a nós, consumidores dos textos midiáticos, percebermos de uma vez por todas que essas diferenças são construídas.

Assim, qualquer limitação que queira ser imposta a mulher, seja no discurso, seja na vida, qualquer “dever ser” ou “não dever ser”, não tem mais lugar. O único horizonte que vislumbro como possível é o da emancipação da mulher.

Aliás, em excelente livro recém-publicado “O código feminino da liderança”, as autoras Patricia Dalpra e Fabiana de Luna pensam sobre o futuro da liderança para as organizações. E, para isso, não pasmem, contemplem: elas partem de um pressuposto que está aqui, bem diante dos nossos narizes, o arquétipo que alimentará lideranças no futuro é feminino!

Genialmente elas transformam cinco comportamentos (flexibilidade, sensibilidade, comunicação, confiança e intuição) que sempre foram exigidos das mulheres ou que sempre são valorizados nos homens, mas podem denigrir a mulher, e mostram como são esses os comportamentos necessários e urgentes, para uma liderança que se preocupa com o futuro do Planeta. Afinal, sempre bom lembrar da agenda 2030, ela está aí para todos nós, inclusive e principalmente, para as lideranças.

Portanto, sim, é a mulher quem ensina sobre a liderança do futuro. E não é outra a realidade que temos acompanhado nos Jogos Olímpicos.

Temos visto que o esporte não só escreve a mulher na história. O esporte mostra que são as mulheres quem escrevem a história. Já não está na hora de equidade se tornar fato, realidade?

E se uma imagem vale tanto quanto mil palavras: aí está o que chamamos de futuro que, para mim, não é outra coisa senão as palavras que estamos acompanhando serem escritas hoje. O futuro é feminino. Abram alas, senhores, que a hora e a Era, é delas!

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