A aceleração do tempo e a alta gastronomia francesa
Alguém duvida que o tempo está passando cada vez mais rápido?
Claro que a noção de tempo é totalmente subjetiva, caso contrário não existiriam frases como: "foi o minuto mais longo da minha vida" ou "a viagem foi o máximo, pena que passou num piscar de olhos". Mesmo assim, parece haver um certo consenso de que a Terra anda dando mais voltas por minuto ao redor do Sol do que fazia antigamente.
No contundente "A Sociedade do Cansaço", o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han descreve como a sociedade disciplinadora do passado (a sociedade baseada na vigilância e controle descrita por Foucault) se tornou no século XXI uma sociedade onde as pessoas viraram "empresárias de si mesmas", buscando sempre a autossuperação e a realização individual, o que pode levar a uma sensação de fracasso constante por não alcançarmos nossas expectativas cada vez mais elevadas. Han argumenta que a sociedade do cansaço não é apenas física, mas também mental porque viramos prisioneiros dos nossos próprios desejos e metas, e na ânsia de sermos sempre mais produtivos e felizes, acabamos esgotados, deprimidos, ansiosos. Basicamente, vivemos sob o mote do "Preciso ter mais sucesso. Para ontem.". E não é à toa que essa pressão, somada à "aceleração" do tempo e à vertigem das redes sociais, literalmente acaba com a gente.
Tá bom, digamos que concordamos que o mundo enlouqueceu de vez. Ainda assim, acho sintomático que aqui se fale muito pouco sobre o desprezo ao valor que a passagem natural do tempo tem, sobre prazos cada vez mais exíguos, sobre noites cada vez menos dormidas. Sendo que qualquer meia dúzia de neurônios sabe que, não meu senhor, não adianta pagar que o minuto não vai adquirir mais 27 segundos só porque esse é o seu desejo. Sinto informar que o velho ditado "a pressa é inimiga da perfeição" continua valendo.
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Duvida? Então assiste a "La passion de Dodin Bouffant" (em português "O Sabor da Vida") na Prime.
Primeiro tem a trilha sonora totalmente trendy, completamente "ASMR". A música, por assim dizer, é a do ruído do bater de panelas, do borbulhar de caldos sendo preparados, do cozimento lento para alcançar complexidade e extrair todos os sabores. Sim, a comida tem um protagonismo forte, mas a meu ver o filme é um verdadeiro "mil-folhas" sobre o valor da passagem do tempo. Cumplicidade amorosa? Requer tempo. Aperfeiçoamento de talento? Requer tempo. Amizades sólidas? Requerem tempo. Frutas e vegetais maduros? Requerem tempo. Receitas perfeitas? Requerem tempo. Vencer o luto? Requer tempo. Enfim, o que é bom e vale a pena precisa de tempo. Entendedores entenderão.
Esperar e exigir qualidade para o dia seguinte é falta de visão e arrogância. Haute gastronomie française não é feita da noite para o dia. A pessoa pode até espernear, mas vai receber no máximo um hot-burguer de microondas. Sim, um chef estrelado pode até disfarçá-lo de alguma iguaria, mas não se engane, na primeira mordida o sabor vai entregar o jogo.
Gerente de Comunicação @GrupoInPress | Social Media | Marketing de Influência | Relações Públicas
5 mAdorei! “Esperar e exigir qualidade para o dia seguinte é falta de visão e arrogância”.
Diretora de Relações Públicas, Comunicações, PR
5 mO texto veio bem a calhar para quem, como eu, está acostumada todos os dias com a "pastelaria"!
Creative & Content Strategist / Senior Copywriter
5 mSem comentários sobre pedidos sem pé nem cabeça de um dia para o outro kkk. Prefiro comentar sobre o filme. Dei um google aqui e já coloquei na minha lista de "necessário"