Administradora por Vocação e Ruralina por Paixão

Bem gente, diante da minha última conquista acadêmica, resolvi revisitar o meu passado em uma jornada de autoconhecimento para que eu possa ajustar os meus objetivos.

 
Me recordo que durante o início da minha infância, minha família tinha um certo conforto financeiro que me proporcionava os melhores brinquedos da marca estrela, além de kinder ovo, danone, galak e biscoitos piraquê eram mimos básicos cotidianos em minha lancheira. Porém, em um momento, minha família sofreu uma crise financeira onde as bonecas passaram a ser aquelas barbies de R$1,99 e os supérfluos alimentícios se tornaram raros. Moramos por um tempo em um quarto na casa dos meus avós maternos juntos com toda a mobília que anteriormente ocupava uma casa inteira. Nesta fase, meu pai teve que reconstruir sozinho uma casa em ruínas em uma vila, o imóvel havia sido cedido pelo meu avô até o momento que conseguíssemos nos recuperar economicamente. O dinheiro investido na casa foi o suficiente apenas para a sua infraestrutura básica - não tínhamos acabamento ou sequer vidros nas janelas. Durante as chuvas de verão, a água umedecia o papelão que fazia as vezes e janela e entrava uma certa quantidade de água em nosso lar. Nossa casa era coberta por telhas de amianto que eram utilizadas como rota de fuga por marginais que fugiam da polícia – o risco de um tiroteio acontecer enquanto brincava com meus primos era constante – assim como vemos nos noticiários todos os dias no Rio de Janeiro.



Era necessário, então que no próximo ano letivo, eu fosse matriculada em uma escola pública. Meus pais escolheram a Escola Municipal Lions, que ficava a bairros de distância, mas tinha a boa fama de ter os melhores professores da primeira fase do ensino fundamental. Entretanto, devido à alta procura, criou-se o costume de que os pais interessados chegassem a dormir pelo menos um dia ao relento. Assim, foi feito e estudei na escola do Antigo C.A. até a antiga quarta série (atuais 1º e 5º ano, respectivamente). Além disso, a vaga nesta escola garantia um encaminhamento automático para a Escola Municipal Expedicionário Aquino de Araújo – que desde a sua fundação era baluarte do melhor ensino que a rede pública de educação caxiense poderia ofertar [1].

 

Entretanto, apesar da sua reconhecida qualidade e da sua localização em um dos bairros nobres de Caxias – a escola foi palco de um crime que chocou a comunidade local. Um dos professores foi morto violentamente por alunos envolvidos com o tráfico de drogas [2; 3; 4]. Numa escolha extremamente difícil, resolvemos que era necessário, apesar dos pesares, seguir com a ideia de me matricular na instituição. E assim foi feito. Estudei da quinta série até a oitava (atuais sexto e nono ano). E, de fato, nestas duas ocasiões os boatos se confirmaram. Toda minha base educacional, que encanta meus colegas de turma e professores, tiveram como origem o ensino de qualidade destas duas escolas. No Aquino, conheci uma professora de português Miriam Frederico que misturava seriedade com ternura e percebeu minha paixão por aprender. Tia Miriam, quando notou o meu potencial, passou a ser ainda mais exigente comigo – me passando atividades extra classe. Ela também foi responsável por uma vaga em um preparatório no IFRJ de Duque de Caxias, que me auxiliou na conquista de uma vaga de um curso técnico de nível médio.

 

Nesta época a situação financeira da minha família melhorou. Tive uma festa de debutantes luxuosa e conquistamos os sonhos da casa e carro próprios. Eu passei a estudar do outro lado do município, em Xerém. Saía de casa de madrugada e voltava a noite. Estudava em uma escola estadual durante a manhã e durante a tarde no INMETRO. Com 15 anos, tinha aulas com o suprassumo dos pesquisadores doutores nacionais em áreas como química, elétrica, mecânica, óptica, acústica e vibrações. Aos sábados, fazia o curso de inglês para adultos do CCAA. No meu estágio, participei de uma pesquisa que em resumo objetivava estabelecer um padrão para avaliar a qualidade do frango brasileiro, assegurando a sua confiabilidade para consumo interno e exportação [5].

 

Passar no ENEM/SISU, para mim, foi como ir a aula em uma segunda feira. Ingressei na UFRJ no curso de Química Industrial e fiquei na lista de espera do curso de Engenharia Química. Antes de iniciar as aulas, já havia sido chamada para a minha primeira opção. No primeiro ano, fui aprovada com bolsa CAPES para o projeto Jovens Talentos para a Ciência [6]. Perfeito, não? Seria, se eu não começasse a ter crises de ansiedade sem motivo aparente – uma vez que aos 19 anos, já possuía uma carreira científica promissora na área química. Entretanto, em consulta com psicólogo, descobri que odiava a graduação de Engenharia Química na UFRJ, mas tinha receio da reação das pessoas próximas, perda de status e medo do futuro.

 

Acabei percebendo que o que eu gostava era do curso de Administração – que tinha muita relação com as matérias da área da qualidade do meu curso técnico em metrologia. Meus pais e amigos, perceberam que eu estava adoecendo e me apoiaram dizendo que eu deveria ir atrás do que me fizesse feliz. Depois de abandonos de matérias, trancamento e destrancamento resolvi que era a hora de me desvincular da EQ da UFRJ. Minha amiga Estella Aguiar - que também sonhava com EQ, mas não tinha conseguido se classificar dentro do número de vagas no seu primeiro vestibular – nesta época já havia sido aprovada para a EQ da Rural em Seropédica e me emprestou o seu material do curso preparatório progressão para me ajudar com a minha preparação. Enquanto me preparava de novo para o vestibular, procurei cursos profissionalizantes na área de administração e me matriculei no primeiro que encontrei. Conclui o curso gratuito de assistente administrativo no CEI, que fica localizado dentro da favela do Beira-Mar. Em seguida, concluí o curso de Gestão Empresarial com ERP TOTVS PROTHEUS no Instituto da Oportunidade Social. Assim que o concluí, fui contratada como Jovem Aprendiz na própria TOTVS após a recomendação dos instrutores devido ao meu alto desempenho no curso.

 

Nesta época, eu já estava matriculada na graduação em ADM na UERJ, mas como a greve se estendia por meses resolvi me inscrever no SISU do meio do ano. As opções para o curso de Administração na época eram UFF (noturno em Niterói), UFRJ (integral na Praia Vermelha) e UFRRJ (noturno em Nova Iguaçu). Avaliei com cuidado para evitar outra não identificação com curso ou faculdade e optei pela Rural onde vivi o máximo possível do seu tripé de pesquisa, ensino e extensão - o que, com certeza, me preparou para assumir uma vaga como estagiária na Bayer. Durante as férias da faculdade e do estágio, realizei um curso intensivo de espanhol na Universidad de Buenos Aires custeado por minhas próprias economias – foi a minha primeira viagem aérea, internacional e sozinha. Estudei, turistei e vivi em um hostel aconchegante repleto de uma diversidade cultural traga por pessoas oriundas de diferentes países da América Latina.

 

 Bem, e o resto é história que está chegando ao término no que se refere ao Bacharelado com um CR de 8,4, que segundo o relatório do SIGAA me coloca entre as 9,84% dos CRs mais altos entre os alunos com matrícula ativa no meu curso. E hoje, me sinto extremamente realizada com a minha graduação sem nenhuma ressalva. Costumo dizer que sou administradora por vocação e ruralina por paixão.