A agenda de reformas micro e macro e o desperdício do capital político.
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A agenda de reformas micro e macro e o desperdício do capital político.

Este ano legislativo começou com uma agenda importante de reformas micro e macroeconômicas. Olhando no retrovisor, até agora a agenda microeconômica evoluiu melhor que a macro, provavelmente por ser mais específica, de interesse dos setores produtivos da economia e sob menor pressão das forças que regem o Congresso. Contudo, olhando para os próximos meses o horizonte está nebuloso. A julgar pela importância do assunto da CPI da COVID na vida do cidadão brasileiro e às véspera de ano eleitoral, o ambiente para debate de outros temas, pelo menos no Senado, deve ser mais lento até setembro.

E pensar que a expectativa era de maior alinhamento do legislativo à pauta do executivo, principalmente à pauta econômica, após um ano de “pausa” devido à emergência do combate aos impactos do COVID-19. Porque, finalmente, depois de ter gasto metade do mandato negando o presidencialismo de coalisão, o poder executivo compôs com os partidos do Centrão e, com a ampliação da base governista, elegeu as presidências da Câmara dos Deputados e Senado.

O que está em jogo: projeto de privatização da Eletrobrás (aprovado na Câmara e aguardando no Senado) e Correios (parado na Câmara); leis de cabotagem ou “BR do Mar” (aprovada na Câmara e aguardando no Senado) e do marco legal ferroviário (pendente de aprovação do Senado para ser enviado à Câmara); a lei de concessões e PPPs (aguardando votação na Câmara); a lei das licitações (aguardando no Senado as alterações feitas na Câmara); reforma tributária (em debate na Câmara); reforma administrativa (aprovada na CCJ da Câmara) e dos fundos públicos (aguardando votação em plenário no Senado). Todos os projetos estão intrinsecamente ligados à melhora de produtividade da economia e aumento da eficiência do estado.

Após o salto do endividamento público em 14,6 pontos percentuais do PIB em 2020, em grande parte devido às medidas de suporte a renda e ao emprego (R$ 524 bilhões) e a contração econômica mais medidas de isenção/redução de tributos (perda em arrecadação de R$ 85,6 bilhões) se tornou ainda mais urgente uma sinalização de equilíbrio das contas públicas. Por exemplo: medidas que abram algum espaço nos gastos correntes com a reestruturação da folha de pagamento dos servidores públicos da União, estados e munícipios, aumentem a eficiência arrecadatória com a simplificação da complexidade da carga tributária e atraiam investimento via a modernização de setores de infraestrutura.

Vamos aos números: reforma tributária unificando o IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS em um novo imposto de valor agregado (IBS) para todos os bens e serviços aumentaria o crescimento potencial da economia, com a melhora da eficiência alocativa. Segundo estimativas do pesquisador do IPEA, João Maria de Oliveira, uma reforma nestes moldes poderia adicionar até 5,5% ao PIB de 2033 (isto é, um aumento de até meio ponto percentual no crescimento econômico esperado sem reforma), dependendo da alíquota do IBS e período de transição. Além disso, a reforma tributária também contribui para o fiscal. Por exemplo: considerando o impacto estimado pelo IPEA, o crescimento adicional ajudaria a reduzir em torno de 3,9% a relação dívida bruta e PIB, segundo minhas estimativas.

A reforma administrativa abrangendo só os futuros servidores pode economizar de R$ 403 bilhões (5,4% do PIB de 2020) em 13 anos, segundo o CLP (Centro de Liderança Pública), e se abranger todos os servidores pode alcançar mais que R$ 1 trilhão (13% do PIB de 2020). O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) estima entre R$ 600 bilhões a 800 bilhões (ao redor de 9% do PIB de 2020), se a reforma administrativa abranger todos os servidores, cifra menor porém não menos expressiva. A privatização da Eletrobras tem potencial de arrecadação de R$ 100 bilhões (1,3% do PIB de 2020), segundo o governo. Sem falar da PEC dos fundos públicos que pode liberar cerca de R$ 219 bilhões (3% do PIB de 2020), também segundo estimativas do governo.

Ressaltando que a qualidade dos projetos aprovados importa. O crucial para o país é aprovar reformas que tenham impacto relevante sobre a eficiência alocativa na economia. Uma vez que a produtividade da economia esteve estagnada entre 2011 e 2019, segundo o IBRE (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas). O Brasil continua caindo na classificação da pesquisa anual do Banco Mundial sobre facilidade em fazer negócios, passando de 109º em 2019 para 124º em 2020, onde o item pior avaliado é de pagamento de impostos, posição 184º em um painel de 190 países. Vale ressaltar que a posição é bastante distante de outras economias emergentes e da América Latina como: Turquia em 33º, Chile em 59º, México em 60º e Índia em 63º. Outra comparação entre economias que o Brasil está no meio do caminho é a competitividade global, estamos na posição 71ª em um painel de 151 países, com os critérios: instituições, infraestrutura e estabilidade macroeconômica com avaliação pior que a média do país. Essas comparações indicam o grau da necessidade de mudanças estruturais que favoreçam a eficiência alocativa na economia.

Infelizmente, embora a agenda esteja posta, não está claro qual será o ritmo e o sucesso desta agenda no Congresso. Esta incerteza pesa sobre os preços dos ativos: mesmo com a valorização recente, os ativos brasileiros seguem aquém de onde poderiam estar caso as reformas fossem certas. O avanço titubeante nesta agenda equivale a perder uma excelente oportunidade de “mudar de patamar” num momento em que o contexto internacional está particularmente favorável. Equivale também a manter o país vulnerável caso os ventos internacionais mudem de direção.

Teoricamente, o governo tem base congressual para aprovar o que julgar prioritário. Na prática, vejo pequena probabilidade que a neblina desapareça. Assim, a maior parte da agenda de reformas micro e macroeconômicas ficará para 2023, restando só a constatação do grande desperdício de capital político que terá sido este ano.


Este artigo foi publicado no Broadcast em 4 de junho de 2021.

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