Ainda o conceito de escola.

Ainda o conceito de escola.

Com todo o ambiente gerado com a luta e as greves dos professores, tenho vindo a meditar relativamente ao conceito do que é uma escola, do seu papel na instrução e na educação. Aparentemente estes conceitos são simples e já muito antigos, mas cada vez mais se colocam em causa com a problemática da escola neste século XXI, século das redes sociais da comunicação e da informação.

A massificação do ensino no pós-guerra na Europa e no após 25 de Abril em Portugal, foi um desígnio já conseguido. No entanto, juntamente com a massificação vieram outras problemáticas que são frequentemente tratadas em artigos e conferências sobre a escola, sobre a violência e o bullying e ainda sobre o insucesso escolar. O aumento do número de escolas, o aumento do número de professores e a escolaridade obrigatória até ao 12.º ano trouxeram também outros problemas que demorarão muitos anos a resolver se é que alguma vez se conseguem resolver cabalmente.

O aparecimento normal da internet e a sua generalização nas escolas a partir de 1996 e o aparecimento das redes sociais nos anos iniciais do século 21 vieram adicionar ainda outra variável às já existentes, e vieram trazer desafios enormes à escola, à sua função e aos resultados efetivos da escolaridade obrigatória.

Por outro lado, temos uma alteração profunda na família tradicional portuguesa nas décadas seguintes ao 25 de abril, tornando-se uma necessidade o facto de a escola ter de suprir dificuldades da família para o cumprimento dos horários laborais por parte dos pais e dos horários escolares por parte dos filhos. Os ATL e salas de estudo multiplicaram-se como forma mais simples de as famílias fazerem face a esse problema. As famílias alargadas que ainda existiam nos anos 80 e 90, principalmente nas zonas suburbanas e mais rurais desapareceu. E teve de ser a escola a desdobrar-se para dar algum apoio às famílias numa altura em que já ninguém deixa os filhos andarem a brincar na rua sem o controlo de ninguém, como acontecia antigamente. Na realidade, havia controlo, mas o controlo era da aldeia inteira, ou do bairro inteiro, pois todos se conheciam e se entreajudavam.

E foi neste percurso desde o 25 de abril até aos dias de hoje que a escola perdeu o simples cunho que alguns ainda lhe querem reconhecer - de local de instrução - e ganhou também a responsabilidade de complementar a educação que em muitos casos sofreu golpes rudes, na medida em que os pais passam muito pouco tempo com os filhos, e já não há a família alargada da aldeia ou do bairro, ou simplesmente dos avós, para dar uma mão no desenvolvimento de cidadania e educação social básica.

Se se perguntar de uma forma geral se o papel da escola é a instrução simples ou se é a complementaridade da educação familiar, há muitas opiniões divergentes. E a resposta não é fácil, pois instrução e educação não são necessariamente o mesmo objetivo a atingir pela escola.

A escola antigamente

Outra das alterações que se tornou realidade na última metade do século XX foi a alteração do ambiente na escola. A escola antiga era demasiado formal e afastada dos alunos. Lembro-me que no meu tempo de primária os professores não falavam com os alunos fora da escola senão em ocasiões muito especiais. Nem os alunos lhes dirigiam a palavra se passassem por eles na rua. Se calhar queriam era desaparecer o mais rapidamente possível não fosse haver alguma represália extraordinária. A disciplina era militar e frequentemente imposta à força de canas-da-índia ou de palmatórias. Não havia normalmente empatia entre alunos e professores. Os alunos tinham de estudar e responder nos testes e os professores tinham de ensinar e depois corrigir os testes. Em sete anos de colégio interno jesuíta, ficaram na minha memória 2 professores do então curso complementar e dois padres responsáveis pela direção e coordenação do estabelecimento. A grande maioria já nem uma cara tenho para juntar à memória.

O conceito de autoridade e de liberdade foi um dos que sofreu uma profunda alteração após o 25 de abril, pois ninguém queria ser autoritário e ser colado à imagem de fascista e reacionário ou ao antigo regime. E desta forma o funcionamento da escola acabou também por se alterar principalmente no respeito que era devido ao professor. Muitas teorias psicológicas vieram a lume promovendo uma maior ligação entre o aluno e o professor o que acabou por provocar erradamente o conceito que o professor estava agora muito próximo do aluno e não dispunha das medidas de controlo disciplinar que anteriormente a escola usava habitualmente. A sanção disciplinar física foi começando a ser corretamente considerada como a maneira pedagogicamente errada de se conseguir um bom comportamento dos alunos.

Os alunos também já não eram os alunos dos anos anteriores ao 25 de abril pois com a massificação entraram para as escolas conjuntos enormes de crianças para quem a representação da escola não tinha nada de benéfico. Mas como era obrigatório tinha de se ir à escola. Frequentemente para incorrer em comportamentos sancionáveis e que deixavam muito a desejar. E foi assim que paulatinamente o ambiente e o comportamento nas escolas se foi modificando, em muitas delas para pior. E a escola não tem o poder para uma rápida resolução da maior parte dos problemas de comportamento. E por outro lado também os pais deixaram de ter respeito pela escola e pelos professores sendo habitual notícias de um professor agredido por pais.

Até aqui, ative-me a tentar enumerar as variáveis da equação que tornam o problema da escola moderna muito difícil de resolver.

Mas eu pertenci a direções pedagógicas desde o ano 1987. Claro que estamos a falar de escolas particulares. Mas também era a estas escolas que vinham parar os alunos que não se conseguiam integrar em escolas públicas. Depois de muitas faltas de comportamento e muitos problemas os pais preocupavam-se em encontrar uma escola em que os filhos se integrassem e conseguissem percorrer o caminho dos estudos regulares.

E após 45 anos de ensino 34 de direção pedagógica tenho uma noção do que é verdadeiramente importante para a gestão e direção de uma escola. Particular ou pública. A dificuldade está em conseguir encontrar um corpo docente, auxiliar e administrativo que esteja no mesmo comprimento de onda, que pertença à equipa pedagógica e que esta funcione como um todo de forma a pôr em prática um projeto educativo que seja significativo para os alunos e que faça realizados os docentes e os não docentes. Claro que não estamos a falar das mesmas realidades ao colocar no mesmo saco a escola pública e a escola particular. Logo pelo facto de numa escola pública não ser possível escolher os professores. E numa escola particular ser difícil conseguir contratar os professores que poderão aderir facilmente ao projeto educativo que se pretende instituir.

Posso dizer que a forma de o conseguir está num conjunto de premissas em que, se forem conseguidas, o projeto educativo funcionará e todos os elementos da equipa educativa, desde os colaboradores da escola aos alunos e aos pais, todos ficarão contentes com os resultados.

E tudo se resume a um conceito quadripartido que serve para enquadramento de todos os elementos da comunidade educativa, dos alunos aos professores e restantes colaboradores não docentes: Resumindo:

É importante que na escola o aluno/adulto docente ou não docente se sinta:

a)     Bem consigo próprio. Deve tentar conseguir-se que todas as problemáticas nervosas e de relacionamento e equilíbrio mental sejam detetadas, tratadas de forma a permitir a integração do mesmo. Se uma pessoa não se sentir bem consigo mesmo não está aberto à participação saudável num projeto educativo;

b)    Bem com os seus pares. Este conceito é deveras importante sendo necessário ser feito um investimento por parte das estruturas da escola para que este desiderato seja conseguido. Se houver um bom relacionamento interpares, meio caminho será conseguido. Por outro lado, as estruturas de coordenação deverão estar atentas a todos os sinais de que esta regra está a ser corrompida;

c)     Bem com os seus superiores. Esta parte é ainda mais complicada, pois numa escola todos têm a tendência para terem opiniões e muitas vezes estas chocam contra o que está estabelecido em termos de funcionamento do projeto educativo. E frequentemente são formadas forças de bloqueio que tornam impossível qualquer avanço nesta medida. Mas a direção e as coordenações devem todos fazer um esforço para corrigir tendências negativas;

d)    Bem no contexto da escola. É importante que para qualquer elemento da comunidade educativa a escola seja um lugar acolhedor em que ele se sinta bem, em que ele goste de estar e em que ele se sinta à vontade para tentar melhorar na perspetiva do todo educativo.

Tendo estas intenções como objetivo, é importante que a direção se faça rodear de coordenações que compreendam o que está em causa e que consigam junto dos seus elementos subordinados fazer passar a palavra e o espírito.

Se estes quatro aspetos forem conseguidos, seja no aluno, seja nos colaboradores da escola, tudo será mais fácil para fazer a escola funcionar e atingir o objetivo estipulado no seu projeto educativo.

Mas temos também de ter consciência de que o equilíbrio entre os elementos da comunidade educativa é muito frágil e que qualquer intenção menos positiva pode deitar a perder o melhor dos projetos educativos. Por esse motivo tem de haver uma união forte entre todos os elementos da comunidade educativa, incluindo os pais.

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