Saúde digital: ainda somos e vivemos como nossos pais
Estamos atrasados e vivendo a Saúde do passado. Mas ainda estamos no jogo, estamos na luta pela #saúde que transformará positivamente a experiência das pessoas. Mas por que eu digo que estamos no atraso, se o que está à nossa espera é a completa tradução de um universo de abundâncias e possibilidades?
O setor da saúde está enormemente atrás de muitos outros setores da economia, em termos de transformação digital. Vimos isso na nossa última newsletter, onde o nosso setor foi classificado como “em vulnerabilidade”, por causa da baixa experiência com rupturas no passado recente e alta exposição a múltiplas rupturas à sua frente.
O engajamento digital da força de trabalho no nosso setor é extremamente irregular, sendo comum observarmos progressos apenas isolados. Algumas organizações, por exemplo, usam tecnologia incrivelmente sofisticada em diagnósticos e tratamento, mas a grande parte dos trabalhadores do setor usam apenas tecnologia rudimentar ou nenhuma. As tarefas fundamentais continuam manuais e altamente improdutivas. Eficiência baixíssima.
Gerenciamento de faturas, análise de custos, gestão de erros evitáveis, gestão de estoques, atendimento ao cliente, check-in em unidades, agendamento de eventos, gestão do risco clínico e inúmeras outras oportunidades desperdiçadas, com baixo ou nenhum nível de digitalização na grande maioria das empresas privadas e públicas.
Estamos principalmente falando do pilar de Eficiência, gerador de Valor à saúde das pessoas. A transformação digital está diretamente conectada à produtividade e à margem, embora consuma investimentos estruturantes relevantes e que não se convertem em resultados do dia para a noite.
Mas, não obstante, muitos desses processos impactam também a qualidade da assistência nos seus indicadores de desfecho: o Resultado, outro pilar da entrega de Valor, também é gravemente afetado. E se observarmos com mais cuidado veremos que a Experiência de pacientes e profissionais de saúde também sofre impacto negativo com o atraso do nosso setor em implantar avanços drásticos na digitalização. Os ganhos em conveniência e engajamento que outros setores da economia conseguiram atingir já seria benchmark de enorme vantagem competitiva que justificaria adoção mais acelerada.
Pesquisa publicada na Harvard Business Review, coordenada pela McKinsey Global Institute (MGI), analisou o estado da digitalização em setores de toda a economia dos EUA (1). Usando como proxy para o que pode acontecer globalmente, vale compartilhar os achados desse levantamento, mesmo que tenha sido publicado em 2016. Os autores avaliaram 27 indicadores que se enquadram em três grandes categorias: Ativos Digitais, Uso Digital e Trabalhadores Digitais. Esse Índice de Digitalização da Indústria proposto no estudo é uma das primeiras grandes tentativas de medir o progresso digital e a adoção em cada setor da economia.
A primeira categoria (Ativos Digitais) avalia investimentos não apenas em TI, mas na digitalização dos ativos físicos: o quanto as empresas investem em hardware, software, dados e serviços de TI, edifícios inteligentes e gestão automatizada de desempenho de equipamentos e de cadeias de suprimentos. A segunda categoria (Uso Digital) avaliou a digitalização das transações, interações com clientes e fornecedores e processos operacionais diversos. Por exemplo, empresas dos setores mais avançados em digitalização fazem uso mais extensivo de pagamentos digitais, marketing digital e desenvolvimento de produtos liderado por áreas de design. Por fim, a terceira categoria (Trabalhadores Digitais) analisou o nível de capacitação digital da força de trabalho: ferramentas digitais em escala nas mãos dos trabalhadores com foco em expansão exponencial da produtividade.
Mais uma vez, os achados são assustadores para o nosso setor. O estudo encontrou uma grande e crescente lacuna entre os setores, sendo que as empresas mais avançadas no processo de digitalização já observam crescimento significativamente maior da produtividade e das margens de lucro.
Agora pasmem: quando se avaliou o uso de ferramentas digitais pela força de trabalho os autores identificaram que empresas dos setores mais digitalizados possuem engajamento 13 vezes maior que empresas de setores menos digitalizados, como o setor da Saúde. Os pagamentos a prestadores de cuidados de saúde e seus fornecedores são feitos digitalmente em menos de 20% das oportunidades, apenas para citar mais um achado referente ao atraso do nosso setor.
Em recente reflexão sobre os desafios da digitalização do setor da saúde no Brasil, o Luis Gustavo Kiatake , Presidente da SBIS - Sociedade Brasileira de Informática em Saúde, citou a teia de conexões entre os players do setor e a complexidade inerente de suas operações como causas do atraso não apenas aqui em nosso país, mas mundialmente. “Temos exemplos de sistemas integrados que absorvem a tecnologia com resultados amplos, como o sistema financeiro. Aí que entra a complexidade. Como engenheiro, diria que trabalhamos (no setor de Saúde) com muito mais variáveis, graus de liberdade, dimensões. Seria como comparar um terrário a uma floresta, um livro a uma biblioteca, um queijo quente a um banquete. Sem deméritos, mas é mais complexo. Inovações digitais isoladas podem trazer benefícios, mas seus impactos não repercutem como desejado, ou esperado”. Vale a leitura do post completo (2).
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O que fica de prático para todos nós, líderes do setor de Saúde? Algumas lições estão escancaradas e merecem atitudes imediatas.
Até quando vamos ter departamentos incumbidos de inovar e implantar ações digitais? Inovação não é função de alguém, mas sim de todos. E habilitar a cultura que dá escala para a criatividade coletiva e os ganhos em eficiência não se faz delegando as ações digitais a uma área de inovação. As empresas precisam de profissionais com maiores habilidades digitais para suportar todas as suas atividades, no dia a dia.
Um elemento importante para se abordar é que boa parte da execução do processo de digitalização do seu core business deverá ser executado com parceiros estratégicos, muitas vezes startups. As soluções para problemas mapeados sistemicamente no setor podem já existir em prateleiras de venda, necessitando apenas de algum nível de customização. Essa percepção acelera a construção da cultura digital, ao mesmo tempo que fomenta a criação de um ecossistema verdadeiramente integrado, incluindo fornecedores de soluções digitais nos seus planejamentos.
“Inovações digitais isoladas podem trazer benefícios, mas seus impactos não repercutem como desejado, ou esperado”
O estudo referido (da MGI) cita em sua conclusão que, para os executivos, o primeiro passo é identificar prioridades digitais. Isso inclui realizar uma leitura atenta dos movimentos do mercado e dos principais concorrentes, além de monitorar as mudanças nas expectativas dos clientes. Esse primeiro passo conecta com uma construção importante: existem sim múltiplas oportunidades disponíveis de digitalização, porém, isso não é o mesmo que criar uma Saúde Digital. Digitalizar o core não é o mesmo que criar Digital. Para inovar e gerar o novo mundo digital que tanto falamos, é preciso iniciar por um planejamento estratégico voltado para a visão desse futuro digital. Como ele é? Só então estaremos aptos a criar os marcos que nos levam até lá e criar os planos de ação que entregam cada um desses marcos temporais.
Por fim, fica claro que não serão ações isoladas que construirão a passagem para experiências verdadeiramente digitais. O Valor não pode ser gerado com construções incrementais, mas sim a partir de uma construção planejada do futuro desejável, onde o crescimento é exponencial e derivado de um exercício estratégico elaborado e arquitetado coletivamente. Sempre apoiado por uma cultura de inovação contemporânea, para esse mundo frágil, ansioso, não-linear e incompreensível que vivemos (falaremos sobre esse conceito em publicação futura).
Por favor, divulgue esse conteúdo com suas redes. Sejamos a transformação que a saúde precisa, todos os dias. Se eu Valor, todos Valores.
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(1) Gandhi P, Khanna S, Ramaswamy S. Which Industries Are the Most Digital (and Why)? Data analysis and expert interviews by the McKinsey Global Institute. Harvard Business Review, April 2016.
Administrador de Sistemas e Redes de Saúde
2 aMuito pertinente sua reflexão e as boas referências citadas. Um fator a ser considerado é o tempo decorrido entre a emergência de soluções de TICs e sua aceitação pelos profissionais médicos . Demoramos 20 anos e precisamos viver um drama humano gigantesco em nosso país para que instrumentos de Telessaude e telemedicina pudessem ser utilizados em modo mais extensivo e possibilitando a ampliação do acesso em nossos sistemas de saude
Relações Públicas - Responsabilidade social - Gestão de projetos - Expertise em Comunicação em Saúde
2 aMuito boa reflexão...Ok, esse estudo de 2016 deve ter uma defasagem grande, por tudo o que mudou nos útlimos anos. Mas o que chamam de "inovações digitais" no caso da área de saúde, na verdade é "tirar o atraso" e isso deveria ter foco no centro de tudo: O paciente. Como em plenos 22 ainda não temos prontuário e histórico de paciente unificado e de propriedade dele, agregando informações continuas? Penso que só a partir disso, tudo poderá evoluir, em prol da saúde das pessoas, realmente.
Médica patologista clínica | Qualidade e segurança do paciente em medicina diagnóstica
2 aExcelente e "assustadora" reflexão. Assustadora porque realmente estamos ainda na era dos nossos pais. Ações individualizadas e não interconectadas são de longe a solução deste problema na saúde. Assustadora, pq é tao complexo que me dá a impressão que nem sabemos como começar. Achar o "início do fio de lã" e iniciar efetivamente a construção da interconexão. Por onde começar?
Corporate Affairs e LegalCorporate Affairs e Legal Farmandala Comercio Ltda. · Tempo integral
2 asaudades de poder compartilhar ideias e trabalhar ao lado de pessoas inteligentes com vc querido Sérgio. Fantástico artigo e muito apropriada a sua provocação
Oi Sérgio, parabéns pelo artigo. Compartilhei minha visão no último Congresso da Abramge (Renato Casarotti, Luiz Celso Dias Lopes) onde acredito que dependemos de uma ação do Governo Federal, mais especificamente do Ministério da Saúde para o desenvolvimento de um prontuário nacional e/ou uma interoperabilidade a ser adotado por todos os players. Hoje existe uma guerra de braço entre todos e o compartilhamento é mínimo. Deveria ajudar a reduzir o custo total do sistema ao passar para o usuário (beneficiário/paciente) todos os seus dados de saúde. Sugestão: artigo do Roberto Tadao Magami Junior no OESP--O futuro dos dados sobre saúde no Brasil. Tudo obviamente respeitando LGPD. Grande abraço!!