Alfabetização, uma questão de desenvolvimento e aprendizagem

Alfabetização, uma questão de desenvolvimento e aprendizagem

A presente discussão acerca processo de alfabetização vem ao encontro à crescente dúvida de pais, professores e comunidade escolar quanto a melhor metodologia de ensino e os melhores resultados alcançados. 

Sabemos que a alfabetização é a chave que vai “abrir as portas” do conhecimento e aprendizagem, um passo fundamental de inserção social e emocional. A criança ou o indivíduo que não se alfabetiza bem fica em situação de exclusão social e escolar, pois terá dificuldades em ter acesso adequado e eficaz nas disciplinas escolares e fatos da sociedade e ainda, não se apropria da sua língua materna. 

Hoje, no Brasil, se discute muito a respeito das metodologias de ensino aqui empregadas no processo de alfabetização e a sua eficácia, principalmente quando os resultados não satisfatórios, são comparados aos de países como Inglaterra, França e Estados Unidos. A diferença é que nestes países são realizadas pesquisas com evidência científica acerca do resultado do método usado o que contribui com as práticas existentes e, quando o resultado não é favorável para melhorar o êxito da criança no processo de alfabetização, a atualização das práticas se faz necessária e imediata.  

No Brasil, o processo de atualização da metodologia de ensino está atrasado e não há perspectivas de mudanças num futuro próximo. Este atraso gera então, a aplicação de diferentes métodos de alfabetização, pois quando um método não atinge os objetivos propostos, logo é substituído por outro, apresentam diferentes resultados, uns satisfatórios e outros não.

Isto ocorre porque a alfabetização não é um processo natural ou pacífico, que “acontece” quando a criança adquire certa maturidade para compreender os símbolos gráficos ou algo que ela faça sozinha, de forma autônoma, ao contrário, é um processo ativo que trabalha com diversas partes muito específicas do cérebro e que solicita habilidades necessárias de estimulação e funcionamento cerebral, pois ler requer técnica, mediação, método e sistematização. A forma como o cérebro reage, como funciona e responde aos estímulos é que vai determinar o caminho para a criança se alfabetizar.

Com o objetivo de compreender melhor o que é o processo de alfabetização e a sua importância no desenvolvimento e aprendizagem da criança, este texto destaca as práticas necessárias ao processo, que são pré-requisitos fundamentais para o êxito na leitura. 

Alfabetização é um processo ativo de introdução paulatina de habilidades que capacitam o indivíduo a extrair a pronúncia e o significado de uma palavra a partir de sinais gráficos (ler e escrever). Leva, assim, a aquisição de uma das formas de adquirir conhecimento e de compreender determinadas aprendizagens.

  Clay Brites (Capovilla, 2006; Morais,2000;Adams, 1990)

 Assim, a introdução progressiva destas habilidades, são práticas fundamentais, pré-requisitos para o êxito na leitura e escrita.

        A primeira delas é o domínio do código alfabético que nada mais é do que o domínio do símbolo gráfico (desenho da letra) e o som respectivo. Para esta habilidade a criança precisa ser treinada a reconhecer este símbolo, que é um código social e associá-lo a um som.

        A segunda prática é o desenvolvimento da consciência fonológica, que é entendida como um conjunto de habilidades que a criança adquire durante os primeiros anos de vida e aperfeiçoa no ingresso na escola. Estas habilidades vão desde a simples percepção global do tamanho da palavra, de semelhanças fonológicas entre as palavras até a segmentação e manipulação de sílabas e fonemas. Conduzindo para o processo de leitura e escrita, a criança tem que aprender a trabalhar com estes sons numa ordem, com ou sem omissões, acréscimos ou modificações do som de acordo com o contexto.

        A decodificação grafofonêmica é a terceira prática, processo que define as relações de correspondência entre a letra e o som. As correspondências letra e som são diversas, algumas correspondem a um único som como, por exemplo, a letra ‘p’, sempre pronunciada como ‘p’, ou as letras ‘ss’ que correspondem sempre ao som ‘s’. Há casos em que uma letra corresponde a mais de um som como, por exemplo, a letra ‘c’ que tem o som de ‘s’ na palavra cereja e o som de ‘k’ na palavra casa. Nestes casos, a criança precisa ser treinada para identificar os diferentes tipos de decodificação, por exemplo, a letra ‘c’ corresponderá ao som da letra ‘s’ quando seguida de uma das vogais ‘e, i’ e corresponderá ao som do ‘k’ nos demais casos. A decodificação grafofonêmica é um processo lento que aos poucos, por meio de exercícios de sistematização, a criança vai automatizando e dominando melhor a leitura.

        Outra prática é a manipulação fonêmica, aqui a criança consegue reconhecer palavras diferentes modificando apenas o som de acordo com as letras inseridas em uma palavra, como por exemplo, pote/poste ou folha/folia.

        São práticas de extrema importância para uma alfabetização eficiente, pois ativam áreas importantes do cérebro. E, neste processo o cérebro é muito exigido, são ativadas aproximadamente quarenta áreas cerebrais.

        A eficácia das práticas acima citadas se dá na junção do processamento fonológico (som) e processamento ortográfico (regra ortográfica – caza/casa), os dois caminhos básicos que atuam em paralelo e vão fazer com que a criança desenvolva a fluência na leitura.

        Assim, a criança vai dominar a leitura quando conseguir: compreender o princípio alfabético, unir o som à letra; quando aprender a correspondência grafema e fonema, a grafia das letras relacionadas ao som, a criança memoriza e transforma num processo progressivo de automatização; segmentar sequências fonológicas de palavras faladas em fonemas, ou seja, todos os sons existentes em uma palavra e aplicar as regras de correspondência grafema/fonema para decodificar a informação.

        Alfabetização é um processo gradativo que ensina a criança a ler. Quando ela aprende a ler, adquire competência para ter acesso aos demais conhecimentos.


        E quando a criança não lê?

        Quando a criança não tem uma evolução satisfatória no processo de alfabetização, não consegue se apropriar do código alfabético, não adquiriu consciência fonêmica e dificuldades na decodificação, pode ser indício de alguns fatores que necessitam uma investigação criteriosa. Neste caso, pode haver um problema neurobiológico com alto risco para a dislexia, TDA, TEA, atrasos no desenvolvimento global e no desenvolvimento da linguagem, distúrbios neurológicos, sensoriais, problemas nutricionais, entre outros. Também pode ser resultado do uso de um método de alfabetização  inadequado ou um processo trabalhado com deficiências, no qual as práticas fundamentais e habilidades necessárias foram negligenciadas.

        Neste caso, o mais importante é detectar as origens do problema. Os profissionais que estão atuando no processo de alfabetização e estão acompanhando o desenvolvimento da criança podem ajudar, ficar atentos e procurar entender as possíveis causas, porém sem qualquer pretensão em definir diagnósticos. Compreendendo as dificuldades, o professor e equipe pedagógica podem encaminhar a criança para profissionais especializados e, estes, em posse das informações, das queixas escolares, realizar uma avaliação criteriosa e diagnosticar de forma pontual a dificuldade da criança e assim elaborar um plano de ação que deverá ser estendido para a escola e família. 

Alguns fatores, já diagnosticados também podem interferir na dificuldade do aprendizado, como: as Das (distúrbios de aprendizagem), superdotação, TDA (Transtorno do Déficit de Atenção) e TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), alteração no DPAC (Déficit do Processamento Auditivo Central), sobrecarga emocional, deficiência alimentar entre outros. Quando já diagnosticados, devem ser informados na escola para que, desta forma, a criança possa ser assistida nas suas necessidades e ter êxito no processo de alfabetização.


        E qual é o melhor método de alfabetização?

       Ao contrário de muitos países do mundo como França, Inglaterra e Estados Unidos, por exemplo, que adotam um único método, o fônico, encontramos no Brasil uma grande diversidade em métodos de alfabetização. Cada um destes métodos parte de uma base e destaca um aspecto no aprendizado, bem trabalhados, todos eles contribuem para o processo de alfabetização.

        Retomando o início deste texto acerca da eficácia das metodologias de ensino, atualmente o método fônico, com base em estudos e comprovação científica (Universidade Stanford – EUA) é o que tem apresentado os melhores resultados e vantagem sobre os demais métodos. Por meio do método fônico, a criança aprende a relação entre letra e som o que favorece um melhor avanço na leitura comparando com métodos nos quais tentam aprender a identificar palavras inteiras.

        Estes estudos com base na neurociência cognitiva fornecem evidências de que as práticas e estratégias utilizadas pelo método fônico  tem impacto direto no cérebro e ativam diversas áreas de estimulação como, por exemplo, ensinar o som das letras que formam a palavra PATO produz mais conexões cerebrais do que quando a palavra é apenas memorizada pela criança.

        São evidências científicas que vão ao encontro das habilidades e práticas necessárias ao êxito da criança no processo de alfabetização: domínio do código alfabético, desenvolvimento da consciência fonológica, decodificação grafofonêmica e manipulação fonêmica.

        Alfabetização não é um processo natural, é uma questão de desenvolvimento e aprendizagem!!


Patrícia Maria de Oliveira

Psicopedagoga Clínica e Institucional


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