Algumas ideias por trás da construção de uma obra em progresso
Autor de Música de Câmera – uma obra pálida e Giácomo Joyce (poesia), Dublinenses (contos), Retrato de um Artista Quando Jovem (uma biografia precoce em que emerge Stephen Hero, personagem autobiográfico em conflito com a ortodoxia da igreja, da pátria e da família, considerado um alter ego do escritor), além dos romances Ulisses e Finnegans Wake, duas obras experimentais e que revolucionaram a literatura universal, James Joyce nos legou uma obra em progresso e que continua sendo objeto de estudos e análise para os críticos.
Para Richard Ellmann, um dos principais biógrafos do escritor, em Ulisses, Joyce não usa apenas a lenda homérica e pós-homérica, mas toda uma variedade de identificações, assim Stephen Hero não é só Dédalus, mas Ícaro, Hamlet, Shakespeare e Lúcifer. Em essência, como metáfora, Ulisses pode ser compreendido e analisado como uma grande piada sobre o homem e a sua existência finita.
O próprio Joyce dizia que ao escrever virão as coisas boas. O escritor Irlandês também desenvolveu um método peculiar e sintético com a construção de personagens por detalhes e fragmentos. Vale lembrar, que ele observava abordagens do monólogo interior em Édouard Dujardin, autor de Os Loureiros estão Partidos (1888), um dos pioneiros do fluxo de consciência, de Geroge Moore, Tolstói e até mesmo do diário do seu irmão.
O método do monólogo interior foi criado por Dujardin, e depois sequenciado por Valery Larbaut em Amants, heureux amants” em 1921 e também pelo próprio Joyce. Para André Gide o processo foi desenvolvido anteriormente por Edgard Allan Poe, Elizabeth Browning e Dostóieviski precursores do método do fluxo de consciência.
Os críticos consideram de um modo geral que a versão joyceana da história épica é uma versão pacifista. Como um homem que viveu um período conturbado entre duas grandes guerras mundiais e de intensas modificações políticas e sociais com a emergência do comunismo, do fascismo e do nazismo como ideologias, Joyce considerava que “não há possibilidade de escrever mais versos (o que se manifesta na estrutura de Giácomo Joyce), a não ser que algo imprevisto aconteça com o meu cérebro”. Em síntese, ele achava que em tempos bicudos como aqueles ou os nossos, o melhor era o poeta ficar de boca fechada.
Joyce considerava que a literatura é silêncio, exilio e astúcia, mas, sem dúvida, o mais famoso recurso de Ulisses, uma das suas obras primas, foi o monólogo interior e que termina com uma palavra “sim”. Já Finnegans Wake, ainda mais complexo, termina com um “a”, que pode ser artigo definido, substantivo, preposição, pronome pessoal ou demonstrativo. Para Joyce, a última palavra de um livro é sempre fundamental.
Poliglota e conhecedor de várias línguas, Joyve também era conhecido como um preguiçoso contumaz, para quem todo aposento de uma casa deveria ter uma cama. Ele também considerava como sete pecados capitais das nações europeias a glutonaria (inglesa), a ira (espanhola), o orgulho (francês), a luxuria (alemã), a preguiça (eslava), a avareza (italiana) e a inveja (irlandesa)
Como pesquisador da linguagem e de forma literária, ele respondeu ao ser questionado se não havia palavras suficientes para ele em inglês, dizendo: “sim, há bastantes, mas não são certas.” O que ele gostaria mesmo era de uma língua acima de todas as línguas, “uma língua a qual eu sirva. Não posso me expressar em inglês sem me fechar numa tradição”, complementou.
Como autor experimental, ele começava os textos escrevendo uma série de frases, depois, quando o episódio tomava uma forma e ganhava a sua dimensão, riscava cada uma com um lápis de cor diferente para indicar onde ela poderia ir. O fato é que surpreendentemente, pouca coisa era omitida, mas ninguém olhando os esboços poderia predizer ou intuir como os fragmentos se uniriam e se integravam no todo para formar o conjunto da obra.
Com sua visão anárquica, Joyce dizia que “como artista sou contra todo Estado. Naturalmente, preciso reconhecê-lo, pois na verdade em todas as minhas ações entro em contato com as suas instituições. O estado é concêntrico e o homem é excêntrico. Assim nasce a eterna luta”. Ele também tinha horror as autoridades.
Separando o jornalismo da literatura, James Joyce acreditava que um escritor nunca deve escrever sobre o extraordinário, porque isso é uma tarefa para os jornalistas: “você tem de escrever sobre o que está no seu sangue e não no seu cérebro.” Na sua visão holística, o escritor também achava que o particular está contido no universal, uma das chaves para o mundo literário.
Richard Ellmann observa que ninguém, na verdade, era mais rápido em achar a vida tediosa ou mais ansioso para evitar o equilíbrio, seja bebendo, seja mudando-se: “Joyce florescia na agitação, e escrevia melhor quando tinha menos tempo”. O escritor irlandês comentava que nada o surpreendia, comovia, excita ou o aborrecia.
Para compreensão da obra joyceana, um escritor que nasceu em Dublin, viveu na França, na Itália e morreu na Suíça: “as palavras movem-se em palavras, pessoas em pessoas, incidentes em incidentes” com a ambiguidade de um trocadilho ou de um sonho. Assim, por essa ótica, o tempo e o rio e a montanha são os verdadeiros heróis de Finnegans Wake.”
Este conceito é natural para quem dizia também que no coração de um homem havia espaço apenas para um romance, pois os outros são os mesmos, artificialmente mascarados pela palavras, porque nada se cria e nada se perde. Joyce também sabia que “a vida é tão trágica... nascimento, morte, partida – separação - , doença e morte, que temos permissão de nos distrair e esquecer um pouco”.
Para compreensão da sua obra e da sua proposta liteterária, ele considerava que Finnegans Wake era pura música sem níveis de significado a serem explorados: “é feito para você rir (curtição). Eu, sou apenas um palhaço irlandês, um grande piadista do universo”, nada mais natural para quem sabia que ninguém sabe nada de si mesmo. (Kleber Torres)
Ex-assessor e secretario de comunicação de Prefeituras do Sul da Bahia
5 aMuitas verdades. Magistral.