"A América de Trump e Sanders," Expresso, 6 Fevereiro 2016

Donald Trump foi durante muitos anos uma figura incontornável do sector imobiliário em Nova Iorque. Agora é um símbolo da América para os europeus. Basta olhar para os jornais, as televisões e as redes sociais. A quantidade de papel gasto a escrever artigos sobre Trump desde Junho do ano passado já deve equivaler a uma pequena floresta. Por que é que temos prestado tanta atenção a este populista demagogo?

Sobretudo por três razões. A primeira é o papel que os EUA continuam a desempenhar no sistema internacional. Apesar de todos os livros sobre o iminente declínio do poder e influência de Washington, as capitais e as sociedades europeias sabem muito bem ou pressentem que o Velho Continente continua a depender muito das opções norte-americanas ao nível político, económico e militar. Uma América liderada por Trump seria um enorme salto no desconhecido para este lado do Atlântico. A segunda razão é transformação da política em espectáculo e diversão televisiva onde reina a boçalidade, a má-criação e a agressividade. Por último, temos a ideia europeia de que Trump representa a implosão do partido republicano. Os democratas são agora o partido natural da maioria dos europeus.

O problema é que esta avaliação omite coisas cruciais. Para compreendermos o momento político dos EUA temos de olhar para Trump e para Bernie Sanders, o veterano político socialista que para surpresa geral tem feito uma campanha extremamente competitiva contra Hillary Clinton. Quem são então os apoiantes destes dois candidatos? Se olharmos para os números, vemos que são sobretudo pessoas da classe média branca. Nos países europeus podemos continuar a falar da transformação demográfica dos EUA mas o grupo eleitoral mais importante continua a ser esta classe.

As sondagens do Pew Research Center ou da CNN-ORC mostram que entre 69-79 por cento dos norte-americanos estão “algo zangados,” “muito zangados” ou “frustrados” com o rumo do seu país. Uma parte desta fúria vem da classe média branca que sente que está a ficar para trás em termos de oportunidades políticas e económicas, empregos bem pagos e acesso a educação e saúde com qualidade. A ponte que sempre existiu entre este grupo e as elites está em perigo. Segundo os dados do US Census Bureau para o ano de 2014, o nível da pobreza dos EUA continuava nos 14,8 por cento. Isto representa 46,7 milhões de pessoas numa população de 320 milhões. Comparado com os outros países da OCDE (dados de 2012), a taxa de pobreza norte-americana é superior à de Portugal ou da Grécia.

Trump e Sanders estão a canalizar este sentimento de insatisfação geral de uma parte do eleitorado branco com as suas campanhas de insurreição contra as dinastias Clinton e Bush e as regras do sistema político. É duvidoso que ambos tenham a organização e a logística necessária para levar a cabo uma campanha eleitoral num país que tem uma dimensão continental. Independentemente do que venha a acontecer nas próximas semanas ou meses, Trump e Sanders representam a fúria ou a desconfiança que muitos norte-americanos sentem em relação às suas instituições políticas. Temos de prestar mais atenção atenção aos dois.

http://leitor.expresso.pt/#library/expresso/semanario2258/expresso-2258/opiniao/miguel-monjardino

Lawrence Serewicz

Information and Records Manager at Durham County Council

8 a

Great article. Enjoyed the analysis. The issue, though, for many middle class Americans is that they are now falling behind. It is not so much race, ie *White* middle class, it is simply the middle class is being squeezed. The polarity of wealth is being matched by the polarity of political opinion. In the past, the white middle class may have believed that the poor (white or ethnic) only had to "get a job", "get educated" "play by the rules" to join the middle class and enjoy the American dream. Even if they never fully succeeded with the ideal the simple fact of the journey or the attempted journey would improve their lives. For many, it was the internal migrants dream. If I could not achieve university, the job, the status, at least my children will get there, the promised land of milk and honey, where they would not have to know the poverty, the pain, and the burden. Today, that dream is gone. The middle class is squeezed so that even a job and education is no guarantee (not that it was in reality) of achieving or maintaining their middle class existence. It is not so much that there is a relative decline, ie the rich get richer, it is that the poor have become poorer relatively and absolutely. For many, this was not seen because they could point to decent infrastructure, like clean water, hospitals, schools, and roads that made up for the relative absolute wealth disadvantage. Now, in the US we do not have clean water (Flint) we do not have good roads (transport infrastructure is crumbling) and schools are a battle ground (see Chicago). When i say relatively absolute I mean the situation where a couple earning £150k in London cannot afford a home but someone working at above minimum wage in the US can afford to own two homes in Mexico. In absolute terms the couple in London earn more money. In relative terms they are worse off. What Trump has been able to do is harness the idea that America is no longer great, tap into the malaise but couch it as resentment, and sell himself as renewing it great again. The problem for voters, what they have not realized yet, is that he cannot do that without significant change to the way the country operates. Are they willing to sacrifice some absolute wealth for relative prosperity. The public do not yet know the cost. They assume that someone else will pay the price (the rich, the establishment, the ones not playing by the rules) but the price will have to be paid by anyone who wants to enjoy 0% finance, certain gains with no risk, everyone better off with no one disadvantaged ie diet cola politics. We shall see whether Trump can overcome the Republican establishment and whether Sanders can enjoy success when Hilary is no longer providing cover from the Republicans.

Ricardo Jorge Pereira

Assistente operacional - Câmara Municipal de Almada

8 a

Seria também interessante, Miguel, perceber qual a repartição étnica, se quiser, que pode ser feita desses 46,7 milhões de pobres. Concordo consigo sobre o facto de termos que tomar atenção a Trump e a Sanders. Serão apenas e só meros ‘fenómenos’ passageiros?

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