A Amazônia Inserida no Mundo

 A Região Amazônica tem um espaço considerável na mídia mundial, principalmente quando o tema meio ambiente está em pauta. Entretanto, a mim parece que todos os discursos, documentários e trabalhos desenvolvidos, com raríssimas exceções, possuem um viés ideológico, colocando uma estratégia de defesa ou ataque através de determinado ponto de vista. Acredito que tais esforços acabam por produzir uma resultante nula que impede uma discussão profícua que aborde o tema de forma desapaixonada e objetiva, propondo soluções de desenvolvimento e sustentabilidade. Os desafios logísticos e suas potencialidades, como tudo nesta região, são enormes, mas antes de abordar o assunto, é preciso visualizar os componentes fisionômicos predominantes da região, os diversos atores envolvidos e as iniciativas governamentais e privadas tomadas até a presente data.

 A Floresta Amazônica, a Bacia do rio Amazonas e o clima equatorial são aspectos naturais que revelam a importância ambiental dessa região, cuja preservação se faz necessária uma vez que muitos acreditam que os rios, as florestas e o clima vivem em uma constante relação de interdependência. A Amazônia Legal é parte deste grande território, uma das três regiões geoeconômicas do Brasil, com uma área de aproximadamente 4,9 milhões de km², tomando mais da metade do território nacional e abrangendo, integral ou parcialmente, nove estados: Amazonas, Acre, Amapá, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, além de acolher uma população de 20 milhões de habitantes que anseia ter a qualidade de vida como a de qualquer outro cidadão brasileiro.

 O seu desenvolvimento tem sido marcado por ciclos econômicos, planos governamentais e investimentos da iniciativa privada sem uma interação adequada. O avanço da fronteira agrícola provoca contestações acaloradas de representantes governamentais das grandes nações, “pops stars” e ONGs em defesa do meio ambiente. Este quadro pressiona o governo em suas diferentes esferas a prover soluções políticas que atendam as demandas dos diversos grupos de interesses difusos ora pendendo para um lado, ora para o outro. O que este artigo pretende ressaltar é a necessidade da existência de uma política de Estado que promova um desenvolvimento sustentável e aglutinador, por meio de um consenso, de forma a garantir a sinergia necessária para o desenvolvimento da região em tela.

 A primeira consideração a ser feita é com relação à sua localização. A região é a parte do Brasil que se encontra mais eixada com os grandes mercados internacionais: EUA, UE e Ásia. É interessante ouvir as pessoas afirmarem que o problema da Amazônia é que tudo é muito distante... Distante de onde? O que na verdade ocorre é a falta de uma infraestrutura adequada que permita a mobilidade de pessoas e produtos. Uma infraestrutura que seja capaz de garantir a redução dos custos logísticos não só da região como também de todo o Centro-Oeste brasileiro.

Outro importante aspecto a ser considerado é o clima equatorial, predominante em quase toda área. Caracterizado por altas temperaturas e chuvas torrenciais, este clima exerce forte influência no regime dos rios, nas terras agricultáveis e na resistência do solo. O período das cheias alaga a terra produtiva, deteriora as estradas com o trânsito de veículos pesados, além de provocar o desmoronamento das margens dos rios e, consequentemente, o assoreamento de seus leitos.

 A Floresta Amazônica é uma floresta tropical fechada, formada em boa parte por árvores enormes. O solo desta floresta é pobre de nutrientes, formados pela decomposição de folhas, frutos e animais mortos. Este húmus é vital para milhares de espécies de plantas e árvores que se desenvolvem nesta região. Outra característica importante da floresta amazônica é o perfeito equilíbrio do ecossistema. Um animal come o fruto de uma árvore que é depositado em forma de fezes no solo, um besouro se aproveita dos nutrientes restante e enterra as sobras para as refeições futuras e muitas destas sobras geminarão se transformando em novas árvores.... Tudo o que a floresta produz é aproveitado com uma eficiência assombrosa. A compactação das árvores gigantescas não permite a chegada dos raios solares ao solo, o que dificulta a proliferação de uma vegetação rasteira na floresta. O mesmo vale para sua fauna. A grande maioria das espécies desta floresta vive nas árvores e são de pequeno e médio porte. Podemos citar como exemplos de animais típicos da floresta amazônica: macacos, cobras, marsupiais, tucanos, pica-paus, roedores, morcegos entre outros. Além disso, a calha do rio Amazonas está repleta de inúmeras espécies de peixes. Este elevado grau de complexidade nos alerta para a necessidade de uma intervenção humana muito bem mensurada no que diz respeito ao impacto ambiental.

 O rio Amazonas tem uma extensão aproximada de 6.500 km e rivaliza com o rio Nilo o título de mais extenso no planeta. Entretanto, em todos demais aspectos é, disparado, o maior. Sua calha com 5,8 milhões de km², dos quais 3,9 milhões pertencentes ao Brasil, representa a maior bacia hidrográfica do mundo. Sua área restante divide-se entre o Peru, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Suriname e Venezuela. O rio Amazonas possui mais de 1000 afluentes e é extremamente volumoso, descarregando no oceano Atlântico quase 20% do total de água doce que chega aos oceanos em todo o planeta. Sua vazão anual média é superior a 180.000 m³/s. Na Amazônia, os rios são utilizados tradicionalmente como hidrovias. Navios oceânicos podem navegar até Manaus, capital do estado do Amazonas, e embarcações menores, de até 6 metros de calado, podem alcançar a cidade de Iquitos, no Peru. O rio Amazonas tem largura média de 4 a 5 km, chegando em alguns trechos a mais de 50 km. Por ser atravessado pela linha do Equador, esse rio apresenta afluentes nos dois hemisférios do planeta, originários dos planaltos das Guianas e Brasileiro. Entre seus principais afluentes destacam-se os rios Iça, Japurá, Negro e Trombetas, na margem esquerda, e os rios Juruá, Purus, Madeira, Tapajós e Xingu, na margem direita. Toda essa pujança hidrográfica nos indica um enorme potencial energético e sua natural inclinação para o modal hidroviário.

 A evolução dos meios logísticos na região tem se dado por meio das diferentes linhas de pensamento dos atores envolvidos. Os militares foram herdeiros do pensamento lusitano, do sentimento de necessidade de integração da região ao restante do território nacional e vivificação de suas fronteiras para garantir a soberania brasileira. Baseados nestes princípios, entre outras resoluções, iniciaram na década de 60 do século passado a construção de uma malha rodoviária cujo eixo principal se materializou com a construção da BR- 230, a Transamazônica. Esta rodovia é, na verdade, uma marginal do rio Amazonas e as demais, de um modo geral, são marginais de seus afluentes, ou seja, elas são uma alternativa para as hidrovias, frutos do pensamento estratégico militar para garantir o acesso à região por vias terrestres.

 No entanto, as crises econômicas vividas nas décadas subsequentes impediram um avanço com a celeridade necessária. Muitos projetos estratégicos ficaram engavetados à espera de um momento econômico favorável. A retomada dos investimentos para as soluções logísticas se deu a partir dos primeiros anos do século vigente, porém, muitos fenômenos sociais e culturais surgiram e ganharam força neste interregno. Ideias como as de Aldeia Global, valorização do meio ambiente, Sustentabilidade, Soberania Limitada, Governança Mundial e Organização não governamental estão presentes nos dias atuais e exercem grande influência no desenvolvimento das políticas públicas, nas governanças empresariais e nos investidores. Todos estes fatos nos força à busca de uma solução efetiva que leve em consideração tal realidade.

 Atualmente, as universidades da região ou mesmo outras espalhadas pelo território nacional propõem alternativas de um desenvolvimento econômico-social mais alinhado aos novos conceitos. Fruto desta nova vertente, a cidade de Manaus, por exemplo, possui legislação específica para normatizar o uso e ocupação do seu solo, detalhando os cuidados a serem tomados com áreas de preservação e de fragilidades ambientais, prevendo até mesmo o crescimento urbano vertical, sinalizando um comprometimento com o desenvolvimento sustentável e mostrando alto grau de conscientização ambiental do povo manauara.

 Entre teorias desenvolvimentistas, ambientalistas e propostas efetivas para o desenvolvimento da região, existe duas dezenas de milhões de cidadãos brasileiros que geram uma demanda constante para manter suas famílias e lares. A demanda criada por esta população deve ser atendida por uma logística eficiente que promova desenvolvimento econômico-social e a preservação do meio ambiente. Importante ressaltar que toda intervenção do homem na natureza produz um impacto ambiental, portanto, a melhor resposta é aquela que irá provocar o menor dano ao meio ambiente.

 Os avanços tecnológicos capazes de superar obstáculos na construção e manutenção das hidrovias são impressionantes. Países como Holanda, Alemanha e Bélgica, que contam com redes hidrográficas muito mais pobres que a região em estudo, possuem inúmeros canais de ligação entre seus rios, chegando até mesmo a ter pontes com lâminas d’água que permitem a passagem de uma embarcação de um canal para outro, dando a dimensão do que pode ser feito no modal hidroviário numa área com tais potencialidades. Por todos os fatores descritos e antes mesmo de colocar os aspectos de custos logísticos em questão, já se consegue vislumbrar a melhor solução para a região. Se não fosse o bastante, existe ainda o aspecto cultural ilustrado pelo uso de canoas por homens, mulheres e crianças desde a Era pré-colombiana.

 O modal hidroviário tem um desempenho superior aos demais modais em muitos aspectos que vão ao encontro das potencialidades da região em estudo: possui maior capacidade de carga, o que o torna apropriado para o escoamento da produção de grãos da região Centro-Oeste; carrega qualquer tipo de carga, o que permite atender à demanda da região Norte; tem o menor custo de transporte, aumentando a competitividade dos produtos das regiões (Norte e Centro-Oeste); possui o menor custo de construção/manutenção e menor consumo de combustível. No que diz respeito ao impacto ao meio ambiente, é o modal que ocupa o menor espaço para transportar a mesma carga em comparação aos demais, menor emissão de CO² e menor intervenção no espaço fisiográfico (sinalização, eclusas, construção de portos flutuantes, aprofundamento de leito e retificação de cursos d’água nos encontros com seus afluentes). Por último, vale ressaltar que, ao chegar à foz do rio Amazonas, as distâncias a serem percorridas para alcançar os principais mercados internacionais serão drasticamente reduzidas e os custos envolvidos mitigados, favorecendo, novamente a competitividade dos produtos transportados.

 Além disso, as sociedades desenvolvidas demandam cada vez mais por energia. É preciso garantir o funcionamento dos diversos aparelhos domésticos e industriais utilizados diariamente. O aproveitamento das escarpas dos planaltos Brasileiro e Das Guianas fornecerá, por meio de construção de hidrelétricas/eclusas, a energia limpa necessária para o desenvolvimento da região; controlará os níveis dos rios, garantindo juntamente com outras melhorias a segurança de suas navegabilidades e evitará os alagamentos das terras agricultáveis e das áreas urbanas.

 As hidrelétricas são muito criticadas por promoverem alagamentos a seus montantes ou, ainda, por suas reduzidas produtividades nos períodos de baixos índices pluviométricos, entretanto, uma visão holística sobre o conjunto de hidrelétricas a serem construídas como um sistema fornecedor de energia, fica fácil entender que podem, sim, suprir a demanda energética da região. O período das cheias ocorre no verão e, como esta bacia possui rios de planaltos nos dois hemisférios do planeta, há uma alternância de produtividade nas duas vertentes, garantindo um fornecimento de energia perene.

 Quando comecei a escrever este artigo, uma questão me sobreveio várias vezes: trata- se da logística das hortaliças e frutas. As frutas, legumes e verduras (FLV) são produtos que demandam uma logística muito eficiente, sem margem de erros. Os fatores tempo e espaço são cruciais por causa de suas perecibilidades e sensibilidades ao transporte, constituindo grande desafio. O modal Hidroviário tem a menor velocidade comparado aos demais e, mesmo em embarcações climatizadas, tais produtos poderiam ter suas características e propriedades naturais alteradas. O modal aeroviário não é adequado aos produtos com baixo valor agregado e encareceria sobremaneira os custos. Por outro lado, mesmo nos estados do Sul do Brasil, este tipo de agricultura é praticado no entorno das grandes metrópoles de forma a encurtar o deslocamento de seus produtos e reduzir seus “lead times”. Assim, crescem de importância os microclimas presentes na Região Amazônica para a solução da questão. O avanço da agricultura nos moldes atuais não atende à demanda local e nem promove consenso entre os diversos atores envolvidos. É necessário que ocorra uma mudança de paradigma, baseado no tripé (agricultura familiar, produtos orgânicos e tecnologia). A agricultura familiar amparada por uma tecnologia eficiente poderá produzir FLVs orgânicos para o sustento da população rural e abastecimento dos grandes centros urbanos regionais de forma adequada. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) tem demonstrado sua expertise no desenvolvimento de tecnologias capazes de superar os aspectos fisiográficos locais.

 O bom, porém não irretocável exemplo da Zona Franca de Manaus (ZFM) pode servir de inspiração. A ZFM foi idealizada para promover o desenvolvimento socioeconômico em Manaus e na Amazônia Ocidental, ocorre que fora concebida em meados do século passado e erigida sob o pensamento de ocupação territorial e desenvolvimento. Nos dias atuais, qualquer projeto necessita ser ecologicamente correto, socialmente justo e economicamente viável. A observância destes princípios nos colocará ao par das grandes sociedades evoluídas e nos poupará dos desgastes políticos externos, além de agregar valor aos projetos concebidos. Só para ilustrar, se a ZFM fosse concebida nos dias de hoje, seguindo a linha de pensamento deste artigo, seriam dados fomentos aos fabricantes de lanchas, “Jet Skis”, pequenas embarcações e equipamentos para promoverem a mobilidade daquela população e a otimização do transbordo de cargas rio acima.   

 Na verdade, muito do que foi citado neste texto pode ser encontrado in loco mas são casos isolados que não constituem segmentos de um grande plano. Somente a elaboração de um plano diretor embasado num pensamento estratégico de Estado irá alinhavar todos os projetos exitosos. Tal iniciativa permitirá a sinergia necessária para o desenvolvimento regional, a começar pelo governo em suas diferentes esferas. Assim, como os afluentes do Amazonas engrossam suas águas, os projetos municipais e estaduais deverão reforçar os projetos do Governo Federal. Dessa forma, os “stakeholders” perceberão um ambiente jurídico seguro e a estabilidade política necessária para os investimentos de longo prazo. Sem consenso e soma de esforços não será possível avançar. Por fim, acredito que o respeito ao meio ambiente e o direito ao desenvolvimento socioeconômico podem e devem caminhar juntos.

 

 

 

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