Ambiente de trabalho saudável é… privilégio?

Produzir com fluidez, espaços de respiro, organização e sob uma gestão psicologicamente saudável, parece que tem sido – quase – um "artigo de luxo" no mercado de trabalho. Dizer que você trabalha em uma empresa que tem seus processos organizados e que você não está submetido a uma pressão desenfreada de produção em massa, é como ter um privilégio. 

Talvez, eu tenha 1 ou 2 amigos que possam, junto comigo, falar sobre um ambiente de trabalho com esse perfil. A reação é unânime: "nossa! Que sonho! queria eu!", já cheguei a ouvir, exatamente, a palavra "privilégio" na reação de quem ouviu sobre a "lenda". Acho que falar de como essa realidade é sintomática já esbarra na obviedade. Uma rápida pesquisa no Google te mostra que a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) precisaram fazer um chamado à ações concretas para atender às preocupações sobre a saúde mental dos trabalhadores.

"As diretrizes globais da OMS sobre saúde mental no trabalho recomendam ações para enfrentar os riscos à saúde mental, como cargas pesadas de trabalho, comportamentos negativos e outros fatores que geram sofrimento  no trabalho. Pela primeira vez, a OMS recomenda o treinamento de gestores para desenvolverem capacidades para prevenir ambientes de trabalho estressantes e responder aos trabalhadores em sofrimento." Fonte: Pan American Health Organization

Estamos trabalhando sob uma lógica que: "se você está sem pauta, algo está errado!", o espaço de respiro é considerado "algo errado". Estar em um sistema em que as demandas cheguem com antecedência, sejam produzidas com calma, tempo de qualidade, entregues com antecedência e, como consequência, você ter um dia ou dois de espaço de respiro, é "algo estar errado". O normal mesmo é você estar, diariamente, sob um processo de produção em massa, esgotado mentalmente, com um burnout se anunciando, demandas atrasadas e/ou com o prazo apertado e, claro, com um choro engasgado por sentir que não está sendo bom o suficiente. Até na nossa autoestima e autoconfiança os empregadores estão interferindo.

Enquanto redatora, integrante de times de criação e, também, pessoa com TDAH, digo que esse problema se torna ainda pior. As singularidades do trabalho criativo e as limitações da pessoa neurodivergente estão longe de serem levadas em consideração. O processo criativo não é linear, como sentar e criar uma pauta de 30 dias de uma vez só mas, ao contrário, é cheio de contratempos, sobretudo para alguém neurodivergente. Você abre a pauta e inicia a tarefa; pausa para buscar uma água; volta e precisa pegar em outra tarefa que está no limite ou atrasada; volta para a pauta e continua; para porque se desconectou, lembrou de algo que precisa fazer no celular; tenta voltar ao desenvolvimento da pauta depois de tantas interrupções e não consegue: a fonte esgotou, bloqueio criativo. Este é só um exemplo do que pode ser um processo de criação. Produção fragmentada é o que acontece na maioria das vezes que precisamos pegar uma longa demanda, e ele é comum para muitas pessoas.

Gostaria de poder dizer que tenho esperança em uma transformação desses espaços, sobretudo, em agências e departamentos de marketing – por onde já passei tantas vezes – mas não tenho. Os esforços ainda são muito rasos e superficiais para que a realidade seja, de fato, transformada. A prioridade é o desejo do cliente, mas não é a saúde mental do colaborador que vai realizar o desejo deste cliente. Já me deparei com vagas que questionam, logo no início do processo, se o profissional sabe trabalhar sob pressão. O modelo insalubre já entrou para a normalidade, por isso, um ambiente de trabalho saudável é visto quase como um privilégio.

Competência não deve ser medida pela quantidade de demandas que o profissional consegue lidar ou pelo tamanho da pressão que consegue administrar. Competência está na qualidade do trabalho que consegue entregar, nas suas habilidades técnicas, no conhecimento e capacidade para propor inovações, resultados criativos, mas, claro, isso tudo só é possível sob a lógica de um ambiente que proporcione condições e ferramentas para desenvolvê-los.