A ameaça que vem do Frio
A Ameaça que vem do Frio
A recente chegada de aviões bombardeiros russos ao território venezuelano, na esteira de um hipotético acordo estratégico, firmado entre o megalomaníaco Maduro e o gélido Putin, gera – ou pelo menos deveria gerar – um sentimento de preocupação e dúvidas sérias sobre a estabilidade geopolítica e militar na região.
O movimento que ora acontece redunda clara e inequivocamente das movimentações políticas do Brasil, com a vitória do Capitão e a crescente influência castrense no recém-formado governo. Algo com que Maduro quiçá não contasse até há alguns meses, habituado que estava à inerte e insidiosa camaradagem petista, porque não dizê-lo, criminosa cumplicidade, jacente no jogo oculto do narcotráfico diplomático que tem como palco as imensas e desérticas áreas da Amazônia, onde se desenrolam os crimes, sob o manto verde do desconhecimento. A emergência de um governo de inspiração militar invoca, ainda que sub-repticiamente no ditador venezuelano, a possibilidade de uma maior presença e intervenção dos militares brasileiros na fronteira, com uma visível e crescente militarização da defesa do território, a exemplo do que já vem acontecendo em Rondônia com a crise dos refugiados.
Preliminarmente, impõe-se reiterar que aquilo que a Venezuela sofre atualmente não é deveras uma crise econômica ou uma crise de refugiados fugidos de um conflito militar; o que a Venezuela sofre é uma ditadura comunista e todas as consequências nefastas que daí advêm.
Essencialmente, Maduro pretende proteger a todo o custo o seu regime sanguinolento que tantas vítimas tem feito entre a oposição e aqueles que se opõem ao regime de exceção que trouxe a fome e a penúria, até entre as classes mais abastadas. Mas não é só isto; o regime ditatorial se sustenta graças ao narcotráfico e às relações promíscuas com o mercado norte-americano, grande consumidor de droga, através das vias diplomáticas que escapam ao controle e à fiscalização das autoridades. Com esta ação, Maduro dá mostras de que não vai largar o poder de nenhuma forma e que pretende, de maneira violenta e retrucante, atropelar os mais elementares direitos humanos para garantir a sua sobrevivência política, cada vez mais isolado diplomaticamente na América Latina. Face à vitória de Bolsonaro no Brasil, perdido irremediavelmente que está o apoio de Lula e do PT, face igualmente às mudanças no eixo político da região em países como a Argentina, Colômbia e Chile, entre outros e além do próprio Brasil, na iminência de ser ver confrontado com ações belicosas movidas ou promovidas pelos EUA de Trump com o aval da OEA – Organização dos Estados Americanos, osso mais duro de roer, Maduro vê perigar a sua posição e a sua hegemonia com uma possível insurgência armada promovida por países adversários do atual regime venezuelano e que poderiam, e estariam efetivamente dispostos a fazê-lo, patrocinar e armar grupos rebeldes venezuelanos para derrubar o poder do ditador. Com o apoio mais ou menos explícito que vem dos frios ares da Sibéria, o calor caribenho da ditadura ganha um novo alento e um perigoso movimento militarista. Na mesa das negociações, está o farto petróleo venezuelano como moeda de troca para a aquisição de armamentos e a presença militar russa. A Venezuela seria, assim, uma nova Cuba.
Por seu turno, Putin aposta a longo prazo num eventual impeachment de Trump e num possível descontrole dos EUA a nível regional, preocupados mais com políticas internas sobre uma eventual sucessão.
A invasão da Crimeia pelos russos em 2014 impactou em graves sanções econômicas para a Rússia que vem tentando, desde então, buscar acordos e parcerias com países bem situados estrategicamente no mundo inteiro. Ao querer firmar uma parceria estratégica com uma debilitada Venezuela, Putin quer marcar a sua presença no cenário internacional, desafiando os Estados-Unidos no seu próprio quintal latino-americano, como eles fizeram no quintal russo da Crimeia, enviando armamento para os rebeldes ucranianos. Mas também é uma jogada feita para consumo interno, para mostrar aos russos e às enfraquecidas e afônicas vozes da oposição que o governo dele não está isolado do ponto de vista internacional, mas que pode sim, celebrar novas parcerias e conquistar novas áreas estratégicas. Ameaça comum às antigas superpotências da Guerra Fria, a crescente influência militarista e armamentista da China também preocupa Putin, mas não a ponto de tirar o sono dele.
Para o Brasil, esta ação russa e venezuelana não deve passar batida nem barata; Bolsonaro, com toda a influência castrense que granjeia entre os militares e com o apoio da população saído do pleito eleitoral, deve ser duro, levantar a voz em discursos de caráter militar, reafirmando de forma bem eloquente e com pulso firme a soberania brasileira na região amazônica, deslocando homens e armamento bélico pesado para aquela região, sobretudo nas áreas fronteiriças com a Venezuela, demarcando assim de forma bem inequívoca que não vai permitir manobras militares de viés belicoso com nenhum vizinho do Brasil, ainda para mais com aqueles que exercem o seu poder autocrático ao arrepio das mais elementares normas internacionais em matéria de direitos humanos. A ameaça que vem do frio siberiano ameaça desestabilizar a região da América Latina, desprovida do seu habitual guarda-chuva norte-americano, sob a vista complacente dos órgãos internacionais. Para citar César, se amamos a paz, é necessário que nos preparemos para a guerra.
Paulo Mariano Lopes