Antes da marca pessoal, e da autenticidade, vem a identidade
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Antes da marca pessoal, e da autenticidade, vem a identidade

“Hoje, mais do que nunca, dizem em RH que você tem que ser original, que tem que ser uma pessoa fora da caixa. E o único defeito que você pode ter para o RH é o perfeccionismo. Você não pode ter um defeito de verdade.

A mesma pessoa que diz que você deve ser criativo, cheio de iniciativa, também diz que a roupa ideal para fazer essa entrevista é um terno escuro, com gravata vermelha e camiseta branca. E seria um cinza para a mulher, sem muita maquiagem e sem muito perfume. Ou seja, seja usual, mas seja original dentro do que é usual.”

Essa fala foi dita por Leandro Karnal, doutor em história social e escritor, quando um participante de uma entrevista perguntou se a submissão à massa entra em choque com a autenticidade. 

É um trecho que mexeu bastante comigo. Talvez, porque já estive dos dois lados. 

Estamos na era da autenticidade. Afinal, nunca se ensinou tanto às pessoas como elas devem ser e como devem se comportar como ultimamente. O mais incrível (para não dizer triste) é que, a maioria que ensina sobre autenticidade, também ensina que ser autêntico é aceitar as suas raízes. É se jogar no mundo. É falar o que pensa. 

No entanto, não conseguem perceber que estão colocando mais e mais pessoas dentro das suas caixas de autenticidade.

As minhas decisões sempre foram baseadas no outro. Até mesmo nas dicas que o outro me dava para eu ser autêntica.

Eu senti uma insatisfação por anos e anos sem entender o porquê. Foi um desconforto tão grande que me levou a trabalhá-lo num processo de autoconsciência que durou quase um ano. 

Queria entender porque eu só tomava decisões ruins na vida. E descobri que eu tinha o pensamento inconsciente de que, se eu fosse eu mesma, não seria aceita e ficaria sozinha. 

Ali eu descobri o que é a tal da autenticidade que está na moda. E, é essa reflexão que farei contigo a partir de agora.

Qual o sentido em ter uma marca pessoal atrás da originalidade dos outros?

O significado de marca no dicionário é o “sinal que serve para que se reconheça uma coisa; para distingui-la de outra; para identificar uma função.” Indo mais além, Juliana Saldanha, uma baita estrategista nessa área, define marca pessoal como:

É entender quem você é, como você se posiciona e o que você promete e entrega de valor ao outro.

Mas, o que fazemos quando não reconhecemos mais qual é a nossa verdade?

Quando me diziam para ser única, entendia que deveria olhar para as potencialidades que eu tinha de diferente das pessoas e usá-las a meu favor.

Quando me falavam para transmitir minha personalidade, achava que era o mesmo que emocionar as pessoas com meus talentos e minhas paixões.

Enfim, por muitos anos eu fiz marketing pessoal errado. Tinha uma fixação insana por ter uma marca pessoal (ou melhor, por não ter uma marca pessoal). Me sentia inadequada no trabalho, na faculdade, nos meus relacionamentos e até nas redes sociais. 

Era um círculo vicioso assim:

Eu tinha uma:

  • dor.

Por não realizar um desejo pessoal e profissional que queria muito.

Então, tentava copiar pessoas que eu me espelhava. Isso me trazia

  • conforto momentâneo.

Por sensação de pertencimento e reconhecimento.

Porém, não era o que eu queria, que levava a:

  • mais frustração e dor.

E tentava copiar outras pessoas que também gostava.

O que resultava em mais dor, mais dor, mais dor…

Foram anos assim. Quanto mais inadequada eu me sentia, mais eu procurava meios de me sentir livre fazendo o que gosto e me expressando livremente. Na tentativa de ser eu.

O único problema é que eu já tinha usado tantas formas para ser eu que eu já nem sabia mais quem eu era. 

Autenticidade é ser tal como se é. Quem você é?

Procurei no mesmo dicionário o significado de autenticidade e encontrei que é “a natureza daquilo que é real ou verdadeiro; que possui legitimidade; particularidade do que se pode confiar.”

Retirando as palavras rebuscadas, podemos entender que ser autêntico é ser original. Ser você. No entanto, o que tenho visto no mercado e na sociedade em geral é uma imposição por você se aceitar como eles acreditam que você seja.

Vou mostrar um exemplo.

No último BBB 21, aconteceu um fato entre o participante Rodolfo e João que trouxe uma repercussão enorme. Enquanto o João, gentilmente, ajudava o Rodolfo a colocar seu traje de monstro de homem das cavernas (um tipo de prenda do reality), Rodolfo fez um comentário de que a peruca do monstro era igualzinha ao cabelo do João.

Foi um fato que deixou o João bastante chateado. E levantou várias polêmicas aqui fora sobre racismo estrutural.

Alguns dias depois, a cantora Ludmilla apresentou um show no reality e fez outro comentário sobre o caso que deu o que falar: “Respeita nosso funk, respeita nossa cor, respeita nosso cabelo”.

Mais do que depressa, Nego Di, ex-BBB da mesma edição, deu a entender que a cantora exigiu a aceitação das suas raízes afro quando nem ela mesma se aceitava: 

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E Ludmilla rebateu:

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Fico me perguntando: o que será que as pessoas pensam que é ser autêntico? 

Apesar do Nego Di ter apagado o comentário do Twitter, a construção do seu pensamento reflete uma inversão do conceito de originalidade.

Será que o outro só é original quando ele é o que eu acredito que ele seja? Como eu quero que ele viva? Sobre o meu ponto de vista?

Sempre foi difícil ser autêntico. Quando lembramos de alguns fatos históricos, percebemos que muitos dos grandes mártires nada mais foram do que pessoas autênticas. Pessoas que, por quererem ser o que realmente eram, independente se aquilo cabia nas regras da época ou não, foram taxados de rebeldes. 

Uns enfrentaram a massa e foram enforcados, apedrejados ou queimados na fogueira.

Já outros, se entupiram de drogas na tentativa de “soltar” a originalidade que não tinham coragem.

E assim fomos construindo uma massa de pessoas diferentes que querem ser iguais, ou de pessoas iguais que querem ser diferentes.

E quem você é? Qual sua identidade?

Para sermos autênticos precisamos perceber quem somos. De acordo com a Psicologia Cognitiva, a percepção é a nossa interpretação das informações ao redor. Ela funciona como um filtro que seleciona o que é, ou não, captado. Portanto, sofre interferência de fatores internos e externos. 

Ou seja, se o meio que estou inserida e o que eu penso influencia na minha percepção, logo, também pode influenciar em como eu me percebo. Porém, é um risco, já que nossos pensamentos são influenciados desde criança.

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Pensa comigo: quem disse que as pessoas ricas são mais felizes? Ou que alguém é muito velho, ou muito novo, para conseguir tal coisa? Ou que existe um destino em que estamos predestinados a algo?

Você não nasceu da barriga da sua genitora pensando assim. Nem eu. Algum dia nós ouvimos coisas que, de tanto ouvir, passamos a acreditar. Mas nunca nos questionamos se é a nossa verdade também. 

Se as pessoas são capazes de acreditar numa crença coletiva, aparentemente tão inofensiva, que pode determinar em como se sentem e o que devem fazer, imaginam as sentenças e ideologias que aprendemos com pessoas muito queridas? Como nossos pais, avós, líderes religiosos e coisas do tipo?

Nascemos com nossa originalidade, que define a identidade que temos. Com o tempo, fomos formando conceitos ao longo dos anos sobre as pessoas, sobre quem somos e o mundo que nos cerca. Tudo isso são formas que definem a nossa personalidade. 

Para Ivan Pielke, professor de Psicologia e Filosofia, a personalidade é um efeito colateral da nossa máscara. Ele afirma que o termo “personalidade” vem de “personagem”, extraído de “persona”, usado na Grécia antiga para se referir às máscaras usadas nos dramas e teatros da época. E reforça, ainda, que um bom ator é aquele que sabe se diferenciar do seu personagem.

Identidade é tanto aquilo que nós somos como aquilo que nos identifica. Já a autenticidade é pensar, sentir, vibrar e se movimentar tal como se é.

Isso significa que você não é a sua profissão. Não é uma lista de adjetivos. Não é um teste psicológico. Não é um diagnóstico. Não é o feedback das pessoas. Não é uma personalidade.

Tudo isso são as formas que utilizamos para nos definir. Mas nossa identidade foi definida muito antes.

Pois é, ao contrário do que muitas pessoas pensam, nem sempre o que acreditamos reflete a nossa identidade.

Quer ver na prática?

...

Imagine que você tem a chance de dar um reset na sua vida. Finalmente, pode recomeçar com outra história, família, carreira.. tudo! Até seu nome, a cor da sua pele ou o seu gênero.

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Agora, escreva numa folha de papel o que você mais gostaria de ter de diferente da sua vida aqui, que vamos chamar de vida de verdade. Ou seja, o que mais te incomoda e que você gostaria muito de ter a chance de mudar?

Por exemplo: cor do cabelo, peso, gênero, carreira, conta bancária… qualquer coisa! 

Lembre-se que essa resposta é sua, é o seu desejo, ok? Nem eu e nem ninguém precisamos saber disso. Escolha apenas uma característica, aquela que mais te incomoda atualmente.

Depois que você detalhar o ponto central que gostaria que fosse diferente na sua vida, escreva logo abaixo por qual motivo você acredita que ter essa característica da sua “vida imaginária” não seja possível na sua vida de verdade. 

Por exemplo: “não posso ter outro cabelo porque não nasci assim” ou “não tenho essa carreira porque precisaria de muito investimento”

Reflita o que te impede de, hoje, na sua vida de verdade, não ter esse ponto central que sonhou na sua vida imaginária.

Depois de identificar isso, você vai criar uma sentença que justifique seu ponto de vista. Complete a seguinte frase:

Não posso ter/ser ... (coloque a característica que idealizou) porque … (coloque o motivo que te impede de ter isso)

No nosso exemplo, lá em cima, vou utilizar a idealização da carreira. Ficaria algo assim:

Não posso ter uma carreira milionária porque não tenho investimento pra isso.

Agora, experimente escrever uma sentença inversa à que você formulou completando a seguinte frase:

Posso ter … (desejo), mesmo sem … (impedimento). 

Seguindo nosso exemplo de carreira, ficaria:

Posso ter uma carreira milionária, mesmo sem investimento para isso.

O próximo passo é pegar essa sentença que você acabou de fazer e colocar num grande círculo. Depois, você vai pensar em exemplos que justifiquem essa inversão, como pessoas que comprovam esse fato, histórias que já ouviu e coisas do tipo.

À medida que você lembrar de algo, faça uma seta de dentro para fora do círculo e coloque o motivo. Você pode pensar em quantos exemplos quiser, mas, para nosso exercício aqui, seria interessante encontrar ao menos três.

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O que aconteceria se todo mundo que tem esse desejo que você pensou, como a carreira milionária, por exemplo, mas também tem aquele impedimento, pensasse como você?

E agora? Como você se sente com esse novo ponto de vista?

O exercício vai te ajudar a expandir seus horizontes e mostrar as possibilidades de muitos dos pensamentos que te limitam não serem uma verdade absoluta.

... 

O início de um processo para descobrir sua identidade não é começar por quem é. Muito pelo contrário. É entender quem não é. O que não te define. O que está sobrando em meio a esse monte de formas que você colocou em cima da sua identidade a vida toda.

Para mim, autenticidade é uma verdadeira autoaceitação e autoexpressão sobre quem nós somos. E quem nós somos não está em livros, guias e cursos. Nem nas respostas dos maiores psicoterapeutas do mundo.

Tudo isso ajuda, claro. São recursos valiosos. Mas, apenas nós temos essa resposta. Comece se perguntando e você descobrirá sua autenticidade.

Júlia Groppo

Jornalista & Redatora Freelancer | Gestão de projetos | Escritora

3 a

Nara, seu artigo me deixou mais ou menos assim 🤯, e eu te agradeço por isso! São justamente esses textos que eu mais amo ler, pois nos tiram do lugar e nos fazem refletir demais. Minha parte preferida: “Será que o outro só é original quando ele é o que eu acredito que ele seja?”. Até anotei no meu caderninho de referências!! Parabéns pelo conteúdo ✨

Adorei sua profissao: ESCRITOTERAPEUTA!

Lucila Karmaluk Pena

PhD em Gestão || Educação Financeira | Palestras - Formações - Mentorias - Gestão de Crédito | Ajudo mulheres a construir diariamente a Vida Rica dos seus sonhos. @lucilakarmalukpena

3 a

Uau Nara que reflexão!!! Parabéns por este excelente primeiro artigo! Nos faz realmente pensar até que ponto "achamos" que somos autênticos. Sucesso em sua nova fase, tenho certeza que vai decolar.

Dimitri Vieira

Escrita Criativa & Storytelling • Coordenador de Marketing • Copywriting • CRM • LinkedIn para Marcas Pessoais • Mentor • Palestrante • @dimivieira no Instagram

3 a

Que artigo maravilhoso para estrear essa nova fase, Nara! 👏👏 Gostei demais do conceito de Escritoterapeuta também e já tô ansioso pelos próximos textos, viu? :)

Eduardo Lopes

Autor do livro Tire o elefante da sala | Educador | Palestrante | Escritor

3 a

Excelente Nara, maravilhoso esse primeiro artigo e já na expectativa pelos próximos. Grande abraço! :)

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