AOS VELHOS ...
Refletindo sobre o envelhecimento e suas diversas matizes, me lembrei de um trecho de Rubem Alvez, que irei reproduzir aqui. Vale a pena ler e refletir!
AOS VELHOS... (De Rubem A. Alves – parte do livro: "As Cores do Crepúsculo – A estética do envelhecer")
“O tempo se mede com batidas. Pode ser medido com as batidas de um relógio ou pode ser medido com as batidas do coração. Os gregos, mais sensíveis do que nós, tinham duas palavras diferentes para indicar esses dois tempos. Ao tempo que se mede com as batidas do relógio - embora eles não tivessem relógios como os nossos - eles davam o nome de "chronos". Daí a palavra "cronômetro".
O tempo do relógio é indiferente às tristezas e alegrias. Há, entretanto, o tempo que se mede com as batidas do coração. Ao coração falta a precisão dos cronômetros. Suas batidas dançam ao ritmo da vida - e da morte. Por vezes tranqüilo, de repente se agita, tocado pelo medo ou pelo amor. Dá saltos. Tropeça. Trina. Retorna à rotina. A esse tempo de vida os gregos davam o nome de "kairós" - para o qual não temos correspondente: nossa civilização tem palavras para dizer o tempo dos relógios: a ciência.
Mas perdeu as palavras para dizer o tempo do coração. "Chronos" é um tempo sem surpresas: a próxima música do carrilhão do relógio de parede acontecerá no exato segundo previsto. "Kairós", ao contrário, vive de surpresas. Nunca se sabe quando sua música vai soar.
Foi o aniversário da Mariana, minha neta. O relógio me diz, com precisão, o número de segundos decorridos desde o seu nascimento. Mas o meu coração nada sabe sobre esses números. E, se souber, os números não me dirão nada. Quando eu me lembro, é como se tivesse acabado de acontecer. "A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem se misturam.
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Quem sabe somar e multiplicar tem a chave para entender as medições de "chronos". Além disso, há o espelho: na sua imagem refletida estão as marcas da passagem do tempo. Mas o coração não entende "chronos". Coração entende vida. Velhice não se mede pelos números do "chronos"; ela se mede por saudade. Saudade é o corpo brigando com o "chronos". "Kairós" mede a vida pelas pulsações do amor.
"Chronos" me diz que eu nada possuo. Nem mesmo o meu corpo. Se não possuo o meu próprio corpo - o espelho e a fotografia confirmam - como posso pretender possuir coisas com esse corpo que não possuo? Heráclito foi um filósofo grego que se deixou fascinar pelo tempo. Ele era fascinado pelo rio. Contemplava o rio e via que tudo é rio. Como Vaseduva, o barqueiro que ensinou Sidarta. Percebeu que não é possível entrar duas vezes no mesmo rio; na segunda vez as águas serão outras, o primeiro rio já não existirá. Tudo é água que flui: as montanhas, as casas, as pedras, as árvores, os animais, os filhos, o corpo... Assim é tudo, assim é a vida: tempo que flui sem parar.
Afinal de contas, a vida tem de ser uma namorada. O amor vale pelo momento. Não se mede pelo número das batidas do relógio. Não se mede pelo número de anos vividos. Cada momento de brinquedo é uma eternidade completa. Nesse 31 de dezembro, quando "Chronos", deus atroz, escancarar a sua bocarra para me devorar, dizendo que estou velho, eu me rirei dele: virarei criança, começarei a brincar e ele fugirá com o rabo no meio das pernas...”
E você, o que dirá a Chronos a cada aniversário que fizer? Está feliz com a vida que tem? Que tal medir as batidas do coração, prestando atenção àquilo que o faz bater mais forte, vibrar, ao invés de ficar calculando quanto tempo ainda tem para viver? Não perca tempo: viva! Viva plenamente o hoje!
Carmen Rodrigues - Diretora Executiva da Canguru - Desenvolvimento Humano I Formadora na área do Desenvolvimento Humano I Coach I Terapeuta Reikiana I Psicanalista
Farmacêutica Clínica, Homeopata, Hospitalar, Cursando Farm Oncologia
3 aViver vai muito além do tic tac 👏🏽
Fonoaudióloga Especialista em Motricidade Orofacial
3 aQue ótima lembrança. Obra fantástica de Rubens Alves!