Após pesquisar sobre fungos no laboratório, ele criou uma holding de startups com foco na produção de insumos sustentáveis
por Italo Rufino
Acredita-se que existam entre 1 milhão e 5 milhões de espécies de fungos; no entanto, apenas 150 mil são catalogadas. Dentre essas, cerca de 20 mil são conhecidas popularmente como cogumelos.
Com reprodução sexuada, que se dá via conexões de suas hifas — filamentos que lembram raízes, o micélio —, apenas 25 espécies comestíveis são comercialmente cultivadas em todo mundo. No Brasil, as mais consumidas são champignon, shimeji e shiitake.
Quem sabe disso e muito mais sobre os cogumelos é o paranaense Eduardo Bittencourt Sydney, 42, cofundador da Fungi Biotecnologia. Com origem nos laboratórios da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e lançada em 2019, a holding mantém três startups: a Mush, a Muush e a Typical.
"Os três negócios utilizam fungos para transformar resíduos agroindustriais em soluções sustentáveis para as indústrias de embalagens e construção civil (Mush), moda e estofamentos (Muush) e alimentícia (Typical)", afirma Eduardo.
DE KITS DE COGUMELOS À DESCOBERTA DE NOVOS MATERIAIS
A relação de Eduardo com fungos começou na universidade. Embora seja de uma família de dentistas, ele cursou engenharia e obteve duplo doutorado, um em processos (Universidade Federal do Paraná) e outro em bioprocessos e biotecnologia (Université Blaise Pascal – Clermont-Ferrand).
Na fase final dos estudos, Eduardo conheceu um pesquisador que cultivava cogumelos em laboratório. A prática, que era uma sensação entre alunos e professores, o motivou a criar sua primeira startup, que vendia kits para cultivar cogumelos comestíveis e ornamentais em casa.
Na mesma época, ele montou outra startup, de ativos biotecnológicos para cosméticos, junto com a sua esposa. Porém, dois anos depois, passou em primeiro lugar num concurso público para ser professor da UTFPR; a sua esposa foi a segunda colocada. Por um tempo, ele deixou de lado o empreendedorismo para se dedicar à docência e à pesquisa.
“Sempre gostei de saber como as coisas funcionam. Trabalhar na universidade dá margem para testar e arriscar. Então, foquei em inovações com aplicações práticas e transferência de tecnologia para resolver problemas das indústrias”
Em 2018, Eduardo passou a orientar o estudante de engenharia química Leandro Oshiro, numa pesquisa de desenvolvimento de materiais à base de fungos. Em conjunto, eles usavam serragem, cascas de arroz e trigo, entre outros resíduos agroindustriais, para alimentar fungos geneticamente modificados.
Num processo inovador, os fungos começaram a digerir e absorver os resíduos. Como não desenvolvia o caule e outras parte típicas de cogumelos, o processo gerava apenas micélio, o emaranhado de filamentos que lembram raízes. Assim, o resultado era uma massa maleável, que, quando seca, se tornava rígida como um tijolo.
Era o início da Fungi Biotecnologia. Para completar o time, eles convidaram o especialista em sustentabilidade Antonio Carlos de Francisco, doutor em engenharia de produção que também era professor da UTFPR.
Uma vez que o material descoberto tinha grande resistência mecânica, não pegava fogo e era isolante térmico e acústico, além de ser 100% biodegradável, eles o vislumbraram como substituto do plástico.
Com o objetivo de produzir o biomaterial para abastecer as indústrias de embalagens e construção civil seca, aquela que usa materiais pré-moldados em vez de concreto preparado no local, foi criada a primeira startup, a Mush, no final de 2020.
UNIÃO DE PESQUISA CIENTÍFICA E MERCADO PARA RESOLVER PROBLEMAS PRÁTICOS
Questionado sobre os desafios para transformar uma inovação que nasce na academia num negócio escalável, Eduardo cita, primeiramente, o baixo conhecimento sobre o mercado. Ele conta que superou esse gargalo (comum entre pesquisadores) com apoio de programas de aceleração.
O primeiro aconteceu em 2020, realizado pela Emerge Labs com patrocínio da BRF. Serviu para a Mush desenvolver embalagens para produtos alimentícios e aprender sobre volume e escala, entre outras necessidades de grandes clientes.
Um ano depois, a startup participou do Braskem Labs. Com mentoria e apoio de especialistas da petroquímica, a empresa desenvolveu um novo produto: biotecidos. Também produzido via tecnologia de micélio, o processo é uma adaptação da criação de embalagens. Nesse caso, o fungo cresce sobre os resíduos agroindustriais, formando uma película.
Em salas climatizadas, em menos de 30 dias é possível desenvolver um material que lembra couro bovino. A descoberta deu origem à segunda startup do grupo. Lançada em 2020, a Muush (sim, com nome quase idêntico à anterior) produz biotecidos para atender a indústria moveleira, calçadista e de estofamento automobilístico.
A terceira aceleração aconteceu em 2024, num programa da Ambev. Dessa vez, quem participou foi a Typical, startup que usa micélio para produzir um ingrediente rico em proteína. Criada em 2021, a empresa tem como cofundador e CEO Paulo Ibri, executivo de marketing com experiência no mercado alimentício e ex-head de vendas na RedBull.
Ao longo do programa, Paulo e Eduardo provaram o conceito da Typical, que obtém micélio de um jeito diferente das outras startups. Ela utiliza leveduras, fungos responsáveis por fermentação, que após o processo de produção da cerveja gera um líquido subaproveitado na indústria. A Typical utiliza esse líquido para alimentar os seus próprios fungos, que geram dois produtos de micélio, um em massa e outro em pó. Fonte de proteína e fibras, os produtos são utilizados por diferentes indústrias de alimentos, como de panificação, snacks e carne. Um diferencial dos produtos de micélio frente os substitutos, como soja, é não possuir cheiro nem sabor.
Atualmente, a Typical possui uma fábrica própria em Curitiba. Além de receber levedura da unidade de Ponta Grossa da Ambev, a planta tem produzido micélio de outros subprodutos da indústria alimentícia, como resíduos de produção de leite, também rico em proteína. Em 2025, diz Paulo, a Typical entrará em fase de escala e terá reatores verticais com capacidade de mais de 80 litros por mês, bem maiores do que os atuais 2 mil litros. Ele afirma, ainda:
“Em alguns clientes, vamos fechar a circularidade. Os resíduos se tornam micélio, que vira ingredientes para a própria indústria criar mais produtos. O que antes era um custo, com potencial de poluir o meio ambiente, vai se transformar numa linha de lucro para as empresas”
Após participar recentemente, na Suíça, de uma aceleração exclusiva para foodtechs, a Typical deve inaugurar, em 2025, uma unidade de produção na Holanda. As perspectivas estão alegrando os investidores — entre eles, dois ídolos do vôlei, Bernardinho e seu filho, Bruninho. Em 2022, segundo os sócios da Fungi, o técnico e o levantador participaram de uma rodada de investimento de 4 milhões de reais na startup.
EXPERIÊNCIA EM GESTÃO E SUSTENTABILIDADE PARA GUIAR OS NEGÓCIOS
Hoje, o dia a dia de Eduardo é na Typical, como diretor de tecnologia. Nas outras startups, ele atua como conselheiro. A Muush, de biotecidos, é liderada pelo professor Antonio Carlos. Já a Mush, de embalagens, é comandada por Ubiratan Sá.
Engenheiro químico pós-graduado em administração, Ubiratan trabalhou por mais de 35 anos em indústrias químicas e petroquímicas multinacionais, entre elas Dow e Basf. Como executivo, viveu em mais de sete países, incluindo Holanda e Singapura.
Nos primórdios da Fungi Biotecologia, ele foi mentor dos fundadores. A boa relação o motivou a se tornar investidor. Posteriormente, deixou a vida de aposentado para se tornar CEO da unidade de embalagens.
Ubiratan diz que o maior desafio do negócio tem sido popularizar os biomateriais — e as suas vantagens e benefícios — entre clientes, investidores e beneficiários. Para isso, a Mush tem feito parcerias.
Uma delas foi com o estúdio de design Furf, de Curitiba, que desenvolveu uma urna cinerária com o biomaterial. Em formato de barco, a urna de matéria orgânica e biodegradável foi feita para levar as cinzas de entes queridos para o fundo do mar. O produto ganhou o iF Design Award de 2024, premiação chamada de o “Oscar do Design.” Ubiratan afirma:
“Por serem 100% biodegradáveis, atóxicos e de fontes renováveis, os produtos à base de micélio imitam o ciclo da natureza. Há harmonia entre ciência, pessoas e meio ambiente”
Responsável pelos indicadores de sustentabilidade de todo o grupo Fungi, o professor Antonio Carlos diz que, para produzir um metro quadrado de biotecido, a Muush utiliza somente 35 litros de água. Para efeito de comparação, segundo ele, a mesma quantidade de couro bovino demanda 15 mil litros de água; e uma camiseta de algodão exige mais de 2 700 litros, mais dois quilos de combustível fóssil.
"O negócio de biotecido não gera resíduos, pois as sobras dos nossos materiais são usadas para alimentar os fungos da unidade de embalagens", afirma Antonio.
Já na Typical, a produtividade proteica também é limpa. Em termos de emissão de CO², a startup gera 98% menos do que o segmento bovino; 88% menos do que o de frango; e 45% menos que a soja.
BOAS PERSPECTIVAS PARA O RETORNO SOBRE OS INVESTIMENTOS
Inovação à parte, até o fim de 2024 nenhuma das três startups havia gerado receitas recorrentes e nem conseguido cobrir os próprios custos por meio vendas.
Porém, uma vez que o ciclo de pesquisa e desenvolvimento em negócios B2B é de até cinco anos, pode-se considerar que o amadurecimento das empresas da Fungi Biotecnologia está dentro da média de mercado. Eduardo reforça o fato de possuir patentes e diz que todos os produtos e processos estão validados, tanto pela academia quanto pelo mercado.
Há três anos, ele pediu exoneração da UTFPR para se dedicar aos negócios da Fungi. Levemente emocionado, recorda agora os incentivos que obteve devido a carreira de docente, como editais para pesquisa e remuneração de mão de obra do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e de entidades como CNPq, Finep e Inova Paraná:
"Vindo da universidade pública, tenho um compromisso genuíno de usar o conhecimento adquirido para beneficiar a sociedade brasileira."