APEGO E PERDA EM PROCESSOS DE MUDANÇAS ORGANIZACIONAIS
Lourdes Sgarabotto
Nas duas últimas décadas do século XX o mundo estava vivendo mudanças significativas e, para sintetizá-las, surgiu o acrônimo VUCA. Com a entrada no século XXI, estas características tornaram-se ainda mais intensas e aceleradas e, para explicar o novo momento, o antropólogo e futurologista norte-americano Jamais Cascio, em 2018 o referiu como BANI (Brittle, Anxious, Nonlinear e Incomprehensible). O que costumava ser volátil se tornou muito frágil; o incerto levou a ser ansioso; a complexidade continua a existir, mas tornou os sistemas não lineares, ou seja, não existe necessariamente uma correlação linear entre as decisões e/ou ações realizadas com os resultados, consequências, esforços e temporalidade; o que costumava ser ambíguo agora parece ser incompreensível.
Este é o quadro de referência em que convivem indivíduos e organizações. Estas, para sobreviverem e prosperarem, precisam se ajustar às mudanças. Entretanto, qualquer mudança organizacional ou grupal, inevitavelmente, impactará a nível individual. Como refere Kurt Lewin, o indivíduo e os sistemas humanos buscam manter a tensão e o equilíbrio estáveis. A mudança, mesmo sendo percebida como necessária, perturba o equilíbrio e surge sensação de ameaça, crise ou insatisfação. Por isso é importante compreender que a mudança não ocorre rapidamente, que é um processo, e que, segundo o autor, ocorre em 3 etapas básicas:
A 1ª. é denominada de Descongelamento da situação presente: clarificação do que está acontecendo e os impactos que poderão ocorrer (se houver ou não a mudança), bem como o reconhecimento da necessidade de mudar, porque as coisas já não funcionam adequadamente ou logo não mais alcançarão os objetivos necessários. A 2ª. etapa - Deslocamento – ocorre quando a percepção da necessidade da mudança impõe abandonar formas de pensar e hábitos antigos, desaprender as velhas crenças, atitudes, certezas, para aprender novas formas. Isso poderá elevar a ansiedade no aprendizado, levando a esquecimentos, colocação da culpa/responsabilidade nas outras pessoas do grupo; no líder ou no ambiente externo, desvio ou descontinuidade das ações discutidas e/ou decididas, entre outros comportamentos. Quando há exploração dos aspectos envolvidos, favorecimento do engajamento dos envolvidos na construção dos caminhos da mudança e estes foram percorridos, ocorre a 3ª. etapa, que é o Congelamento da nova situação. Esta, se concretiza com a estabilidade da mudança, a internalização e consolidação da prática contínua dos aspectos modificados, quer sejam as novas normas, papeis, atividades, relações, serviços ou produtos, entre outros.
Nas 3 etapas poderão haver maior ou menor grau de resistência à mudança, ansiedade, irritabilidade, agressividade, bem como insegurança, dependência e medos diversos (da incompetência temporária; de punição pela incompetência; da perda da identidade pessoal; perda da posição ou identidade profissional; de deixar de ser membro do grupo). Visando tentar diminuir esta ansiedade, segundo Schein, podem surgir, entre outras aspectos: 1. negação (como por exemplo: “os dados não são válidos; a situação é temporária; é alarmismo”); 2. apontar um bode expiatório (como por exemplo: “os dados não se aplicam a nós; a causa são os outros; antes de nós a mudança precisa começar em...”); 3. manobras ou barganhas (compensação pelo esforço em mudar ou ser convencido que a mudança trará benefícios para si mesmo).
Como atualmente a única opção é mudar (e rapidamente) é esperado que as pessoas estejam preparadas para enfrentar esta volatilidade e rapidez das mudanças. Porém, as pessoas vão vivenciando perdas de status, do conhecimento, da informação, dos laços afetivos, e as mudanças podem ser percebidas somente como uma experiência de perda. Assim, para quem está envolvido com mudanças, é importante conhecer sobre vínculos, apego e perdas, para que possa fazer uma intervenção no processo que viabilize e torne a mudança eficaz.
Teoria do Apego e as Perdas
É possível compreender a experiência de perda, a partir da Teoria do Apego de Bowlby. Com relação aos vínculos, este autor, refere: * o comportamento de vínculo é dirigido para um ou mais sujeitos específicos; * há diferentes emoções durante o processo de formação, manutenção e rompimento de vínculos, sendo que a manutenção inalterada de um vínculo é sentida como fonte de segurança para o sujeito; * o objetivo do comportamento do apego é manter os laços afetivos, pois estes geram proteção.
O estabelecimento de laços de afeição com pessoas e situações específicas na vida profissional, acabam por identificar sua própria vida com a da organização. Na medida em que as mudanças acontecem e que se alteram os padrões que propiciam a identificação das pessoas com seus pares e com seus locais de socialização, perde-se o senso de coletividade. A perda deste referencial, trazida pelas situações de mudança, são vivenciadas como “pequenas mortes” simbólicas ou Transições Psicossociais. Em vista disso, qualquer situação que possa ameaçar esses laços, provoca uma reação contrária. Quando a ruptura dos laços se concretiza, podem surgir ansiedade, tristeza, raiva, letargia, apatia, insônia, perda de apetite, estresse, depressão, desapego emocional e perda de autoestima, entre outros sintomas. Porém, estes sentimentos são incompatíveis com o comprometimento e engajamento exigido pelas organizações modernas. Isso criam grandes conflitos.
Para Parkes, “sempre que ocorre um grande processo de mudança, surge a necessidade do indivíduo reestruturar sua maneira de ver o mundo e seus planos para viver nele. Quer interpretemos a mudança como um ganho ou uma perda, é provável que exija esforço. Os velhos padrões de pensamento e atividades devem ser abandonados e novos desenvolvidos.” Isso não acontece de forma linear. É um processo de “idas e vindas”.
O processo é uma forma de incorporar as perdas e adaptações, que se movimenta como um pêndulo que às vezes vai para as questões do passado - Enfrentamento orientado para a perda - onde enfoca o falar sobre a situação anterior, sobre os laços afetivos, há resistência e evitação da realidade atual. Enquanto que, outras vezes, o pêndulo vai para o outro lado - Enfrentamento orientado para a restauração, onde a pessoa se volta para as questões de restauração e mudança.
Devido a esse funcionamento interno do indivíduo, não se pode só cuidar do presente nas mudanças, mas de todas as emoções e sensações relacionadas ao que foi abandonado e também estimular os movimentos ligados à adaptação à nova realidade. Cuidar para que esse pêndulo aconteça e que, gradativamente, se fixe na nova realidade, é a “receita” de intervenção de uma boa adaptação à mudança.
Não são apenas as perdas, que comumente se acredita, que trazem um risco de desajuste, os ganhos também podem ser percebidos como difíceis. Promoções ou alterações de cargo, departamentos, unidades, vistas como positivas, também necessitam ajustes. Quer a situação seja vista como ganho ou perda, o fator crucial pode ser a maneira como o indivíduo lida com o processo de mudança. Porém, quando as empresas introduzem programas de mudança organizacional. Normalmente as pessoas são comunicadas que os processos e comportamentos atuais se extinguirão e que as mudanças estão por vir e que serão inevitáveis. Dificilmente há elaboração das perdas. Pelo contrário, elas são negadas, pois demonstrar estes sentimentos ou medo é interpretado como sinal de fragilidade. Esta atitude é que leva a tantas dificuldades nos processos de mudanças organizacionais.
As reações e sintomas decorrentes, podem ser amenizados se for dispensada adequada atenção para que os sentimentos sejam elaborados e ocorra a despedida dos estados anteriores à mudança, bem como a preparação para o novo momento. Com isto, o passado terá sido devidamente honrado e enterrado, e o futuro poderá se apresentar como uma perspectiva senão mais atraente, talvez menos temida.
Sugestão de Intervenção para mudanças organizacionais
Considerando o contexto exposto, este artigo apresenta uma sugestão para implementação de mudanças organizacionais tendo em vista o indivíduo como foco central impactado e impactante, bem como impulsionador das modificações necessárias para as empresas.
A sugestão do processo de implementação compõe-se de 4 estágios e visto em forma de uma espiral sistêmica, onde cada ação influencia e é influenciada pelas demais e considera que as mudanças são constantes. Estes estágios são desenvolvidos em pequenos grupos.
1º. Conhecendo a mudança: abrir espaço para a clarificação do contexto interno e externo e a necessidade das mudanças, quais são estas, ganhos para a organização e para as pessoas que fazem parte dela, bem como, oportunidades e/ou possibilidades de participação nas construção das mesmas.
2º. Contextualização e percepção das perdas: além de identificar a percepção das perdas, o compartilhar dos seus impactos, ocorre também a expressão das dores e sentimentos associados às rupturas vivenciadas no processo de mudança. Trata-se de um momento voltado para honrar o passado, enquanto alicerce para o presente, mas também momento de resgate da esperança por dias melhores no futuro.
O propósito deste estágio é que, com identificação das perdas, esvaziamento da dor e a presença da esperança, ocorra a elevação do estado de ânimo e clima de bem estar nas equipes de trabalho.
3º. Desenvolvimento da Equipe: contemplar alguns grandes objetivos, como por exemplo: ampliar e aprofundar o relacionamento interpessoal; construção da equipe e resgate do espírito de “corpo único”; compreender o funcionamento intraequipe e otimizá-lo; redefinir seus propósitos, objetivos e papéis interpessoais. Como uma equipe tem um propósito compartilhado, possui responsabilidade coletiva e comprometimento pelos resultados a interdependência entre os membros é fundamental e é expressa pelo espírito de corpo. Por isso, construir e fortalecer a confiança, deve estar presente em todas as etapas do processo.
4º. Restituição psicológica e novo contrato psicológico: os imputs, identificados no estágio anterior, tornam-se o alvo das ações deste momento e devem estar voltadas para o desenvolvimento da profissionalização, que tem efeitos sobre o desenvolvimento dos indivíduos, da equipe e também é forte mobilizador para identificação e engajamento com a empresa. As atividades deste estágio devem estar na busca do desenvolvimento de competências pessoais essenciais à organização (ou ao negócio), bem como ao novo contexto empresarial. Estas, devem capacitar para a atuação em múltiplas funções, o que impacta positivamente a equipe e diminui ou adia o risco do processo de ruptura do papel profissional face às inovações. Esta, por sua vez, pode proporcionar um novo esquema referencial, no qual as pessoas possam se ancorar e estabelecer novos significados (fortalecimento da cultura organizacional).
Lourdes Sgarabotto é psicóloga, mestre em Psicologia. Especialista em Psicologia Organizacional. Didata em Dinâmica dos Grupos. Trabalha com mudanças e cultura organizacional, bem como desenvolvimento de gestores e equipes, em pequenas, médias e grandes empresas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOLWBY, J. Formação e rompimento dos laços afetivos. São Paulo: Martins Fontes. 1997.
LEWIN, K. Problemas de dinâmica de grupo. São Paulo: Cultrix, 1970.
LLOP, R.; GRASAS, Á.; PAASSEN, J.; ROSÉS, L.; ARAÚJO, M. O Papel dos Gestores Atuais para Sobreviver num Ambiente VUCA. Porto. Portugal: RCEJ/Rebules, n. 29, p. 07-33, 2017.
PARKES, Colin. Psycho-social Transitions: A Field for Study. Journal of Social. Issues. n. 44, 53 – 65. Abril de 2010.
SCHEIN, Edgar H. Guia de Sobrevivência da Cultura Corporativa. RJ: José Olym
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3 aQue bom saber que contribuiu. Obrigada.
Fortaleço o ecossistema da reabilitação, potencializando pessoas e empresas.
3 aParabéns Lourdes pela escrita do texto. Fez muito sentido pra mim! Um abraço,