Aprendizados e tendências no campo da responsabilidade social corporativa no Brasil
Desmatamento na Amazônia. Região devastada atingiu recordes em 2020. Foto: Gabriel Monteiro (@gabrielvisu)

Aprendizados e tendências no campo da responsabilidade social corporativa no Brasil

Em meio ao drama da pandemia, uma boa nova: em 2020, as empresas tiveram um engajamento social sem precedentes, estimulado pelas ações de resposta à Covid-19. O movimento de filantropia corporativa no Brasil alcançou o recorde de mais de R$ 6,5 bilhões em doações para conter os efeitos do novo coronavírus, segundo o Monitor de Doações da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR). Outra notícia alvissareira: a pandemia vai passar, mas a nova consciência acerca do papel social das empresas, não.  

O principal aprendizado das empresas foi a noção de urgência e atuação coordenada com as organizações da sociedade civil (OSCs), na visão de Paula Fabiani, presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS).

“A pandemia trouxe a lição de que, quando lidamos com um tema urgente, para fazer rápido, é necessário um bom parceiro. As empresas no Brasil costumam operar seus próprios programas e projetos, e a crise sanitária mudou um pouco esse cenário. Antes, uma ação social corporativa poderia ser discutida ao longo de um ano inteiro. Com a parceria das empresas com as OSCs foi possível executar soluções de maneira rápida e efetiva".

Em resposta à pressão internacional, os maiores bancos privados do Brasil — Bradesco, Itaú e Santander — se reuniram com o vice-presidente Hamilton Mourão para apresentar uma proposta de proteção ambiental. O plano compreende 10 medidas, construídas a partir de três frentes de atuação identificadas como prioritárias para a região: conservação ambiental e desenvolvimento da bioeconomia; investimento em infraestrutura sustentável; e garantia dos direitos básicos da população da região amazônica.   

Para Cristóvão Alves, gerente de Finanças Sustentáveis da SITAWI, a recuperação econômica será “verde”. Os abalos econômicos em escala global gerados pelo surto de Covid-19, deixa mais clara para investidores e tomadores de decisão a ideia de que o desenvolvimento sustentável é o caminho viável. 

“Uma agenda forte que está sendo retomada do ponto de vista da recuperação verde. O mercado está observando como esse estímulo fiscal europeu muda o preço relativo do que é verde e sustentável daquilo que não é, o que acaba abrindo o olho para que as empresas aqui no Brasil enxerguem isso como uma oportunidade”, afirma Cristóvão.

Reação em bloco 

O Itaú Unibanco foi responsável por doar R$ 1,2 bilhão, e isso gerou uma pressão nas outras empresas, ocasionando um efeito manada, explica Fabiani. Outros grandes nomes do mercado como Vale, JBS, Cogna, Claro, Votorantim e Rede D’Or também estão no topo da lista de mais de meio milhão de doadores monitorados pela iniciativa da ABCR. O volume foi direcionado principalmente para ações em saúde — como infraestrutura para pesquisa, abastecimento de hospitais, compra de equipamentos e suporte para profissionais — e assistência social, seguidos por educação e geração de renda.

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Entretanto, a mobilização das empresas também está associada a uma preocupação reputacional frente ao desafio e aos impactos da pandemia para o país. 

“Vimos um apoio sem precedentes das empresas durante a pandemia. Não tem como voltar atrás. Elas serão cobradas pelos stakeholders, sejam eles consumidores, investidores ou funcionários“, avalia Paula. 

Além da crise sanitária, temas como racismo e a diversidade no mercado de trabalho entraram para o centro do debate no mundo corporativo. As empresas começam a se dar conta de que há trabalho para fazer “dentro de casa”. Se, por um lado, lançam programas de estágio e trainee só para jovens negros, como na Ambev e Magalu, e buscam por equidade de gênero entre as equipes, por outro, o assassinato de um homem negro no Carrefour é uma evidência cruel do quanto ainda é preciso avançar nesse tema. 

Segundo Cristóvão Alves, os temas sociais passaram a ser abordados de forma mais explícita pelas empresas em seus relatórios de sustentabilidade, mas os resultados efetivos ainda são mínimos. 

O ano também registrou recordes no desmatamento da Amazônia Legal. A área devastada já compreende 11.088 km² — cerca de nove vezes o território do município do Rio —, um avanço de 9,5% em relação ao ano passado. Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que esse é o maior patamar em 12 anos.

O descuido com a biodiversidade chamou a atenção dos investidores estrangeiros e pressionou as empresas e o governo. 

Tendências para 2021 

O comprometimento público da Vale de reduzir as emissões de carbono nos próximos anos representa um marco. Após as tragédias de Mariana e Brumadinho, a mineradora apresentou metas para reduzir as emissões de CO2 até 2030 e as emissões na cadeia de valor até 2035, com objetivo de “promover uma indústria mais segura e sustentável e impactar positivamente a sociedade” e se tornar uma empresa carbono neutro até 2050. 

“No Brasil o carbono já é um inimigo conhecido e aceito. Este ano vimos várias empresas assumindo compromissos robustos do ponto de vista de carbono, como a Vale, que pretende mitigar os impactos de Escopo 3 [emissões indiretas de gases de efeito estufa — GEE]. Isso significa mexer na cadeia de valor, o que incluiu o aço que é forjado na China e Indonésia. É muito representativo”, explica Cristóvão. 

A aposta na energia renovável, em particular eólica e solar, aponta para oportunidades de negócios, transição energética e os objetivos de atingir emissões zero até 2050 — preconizadas no Acordo de Paris. Os eventos deste ano trazem reflexões sobre o sistema produtivo; a forma como fabricamos e consumimos produtos, materiais e alimentos apontando caminhos para uma economia circular. 

Apesar das boas novas, não é possível, nunca, subestimar a capacidade de uma empresa grande errar, destaca o especialista. O caso emblemático do desabastecimento de energia no estado do Amapá durante 21 dias reforça a necessidade de uma maior eficiência e responsabilidade das empresas e governos para os seus públicos. Estamos falando sobre vidas e sobre a ética das instâncias de poder para com a população. 

É sabido que o poder público não dará conta de todos os problemas sociais. Com isso, a responsabilidade social corporativa também se justifica e o engajamento de pessoas físicas se torna tão importante. Uma tendência é que a sociedade se envolva cada vez mais com causas e soluções para as dificuldades do país. 

Engajamento de pessoas físicas

Pesquisa do Datafolha mostrou que 96% dos brasileiros querem ser mais solidários, mas apenas 27% efetivamente se envolvem hoje em ações coletivas. Segundo Paula Fabiani, no campo do investimento social privado frente à pandemia, a experiência aponta uma orientação de as empresas realizarem iniciativas que envolvam os seus colaboradores. 

“Muitas companhias fizeram campanhas de matchfunding em que dobravam o recurso doado pelo colaborador. Essa ação solidária sai fortalecida porque amplia o valor arrecadado e o funcionário fica feliz em virtude de sua doação ganhar amplitude”.   

Com quase 200 mil vidas perdidas e desemprego recorde no Brasil, os desafios para o próximo ano são imensos, mas as ações coordenadas entre os setores demonstram que é possível obter resultados e impacto positivo com transparência, compromisso e responsabilidade. A expectativa é que o próximo ano tenha muito trabalho e regeneração, para transformar a crise em oportunidade, reduzir as desigualdades e construir um país melhor. 

Texto publicado na Revista Nós editada pela Insight Comunicação em 29 de dezembro de 2020.

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