O seu investimento ESG vai além e apoia uma causa de forma estrutural?
Por Mariana Rodrigues *
Os dados mais recentes do Investimento Social Privado (ISP) no Brasil são promissores: cresceu mais de 30% no país, passando de R$ 3,6 bilhões, em 2019, para R$ 4,8 bilhões, em 2022, de acordo com o Censo GIFE. Número bom, mas o que fica para mim - e outros colegas que conversei pelos bastidores do setor - é a reflexão sobre o quanto desse dinheiro serve a uma visão realmente sistêmica na resolução de algum problema.
Já adianto que não acredito na iniciativa salvadora para problemas complexos. O que creio que funciona é valorizar a riqueza dos territórios e das pessoas, além de entender bem a jornada do público-alvo de um projeto, quem pode ser parceiro em etapas que não te cabem e, por fim, identificar o que fica depois que o investimento sai de jogo. E o que percebo que resta na saída, são as organizações locais que se envolveram e uma peça que não dá para fingir que não está ali: o poder público.
Voltando para os dados, segundo o Censo GIFE, aproximadamente 1% a 2% do ISP brasileiro é destinado a projetos de advocacy. É baixo, principalmente se comparado a outros países como os EUA que tem quase 20% da filantropia alocado nesse tema, de acordo com dados de 2019. O que acontece é que advogar por uma causa, principalmente em nível federal, pode ser uma das vias para mudanças ambientais e sociais tão esperadas (o já famoso ESG).
A voz dos microempreendedores em Brasília
E se eu te contar que quatro políticas nacionais focadas na inclusão produtiva de jovens, mulheres e empreendedores informais foram lançadas em 2024 com influência de organizações sociais? E que foi possível ter essa voz em pontos específicos desses decretos porque atores do ISP mais visionários disponibilizaram recursos financeiros para fortalecer a empreitada de uma organização já bem estabelecida nessa pauta, a Aliança Empreendedora.
Há 19 anos a Aliança apoia microempreendedores em situação de vulnerabilidade econômica e social. A ideia é promover o empreendedorismo como uma ferramenta de trabalho digno e geração de renda. Em 2016 o Programa Empreender 360 (E360) nasceu com foco no ecossistema que também precisava ser fortalecido à medida que projetos aconteciam. Nessa época, um investidor, o Bank of America, apostou na iniciativa que trouxe solidez à pauta com mapeamento e pesquisas sobre um público pouco visado: são 25 milhões de brasileiros que empreendem na informalidade ou como MEIs frágeis. Cinco estudos foram produzidos nessa etapa e o evento “Fórum Brasileiro de Microempreendedorismo” foi criado para ser um ponto de encontro anual do tema.
Em 2020, a pandemia demandou do E360 repensar a forma de usar seus ativos para ser mais estratégico junto aos tomadores de decisão do poder público. Um diagnóstico e uma proposta de influência a longo prazo foram feitos e chamou a atenção da Fundação Arymax e do Instituto Assaí, que chegaram em 2022, para impulsionar o advocacy. Três problemas tinham sido identificados: 1) representatividade limitada do microempreendedor informal/MEI em Brasília; 2) ecossistema pouco articulado; 3) dificuldade de comunicação do federal com a base.
O resultado foi a escolha de atuar principalmente no Poder Executivo e uma primeira etapa de idas para Brasília, abertura e manutenção de relacionamentos. Tudo em busca de posicionamento em espaços que poderiam permitir a aproximação de decisões que impactam diretamente o empreendedor vulnerável. Além, é claro, da ativação de mais de 100 organizações sociais, os próprios microempreendedores e outros atores para construções coletivas que foram consideradas nas reuniões.
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Esse movimento trouxe retorno, foram quatro políticas influenciadas nesse processo: Programa Acredita no Primeiro Passo; Estratégia Nacional de Empreendedorismo Feminino - Elas Empreendem; Política Nacional de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas ; e Pacto Nacional pela Inclusão das Juventudes. Cada política representa um caminho de diálogos, conquista de cadeiras oficiais no Governo Federal e um conjunto de sugestões dadas não só pela Aliança Empreendedora, mas também por outras organizações do setor.
E tem um ponto interessante nisso tudo: a Aliança não tem escritório em Brasília, não nasceu com a função de advocacy, mas tem forte atuação em rede e muito conhecimento acumulado, fatores que interessam para formulação de políticas nacionais. É preciso valorizar a potencialidade das organizações sociais e entender que esses representantes fazem a diferença em conselhos formados por ministérios. Aliás, o desafio atual tem sido manter essas organizações ativas nos espaços que vão ocupando. Equipe qualificada e logística são caros e ficou evidente ao longo dos dois primeiros anos de advocacy desse caso que o online ajuda, mas estar presencialmente faz a diferença entre conseguir, ou não, o próximo passo em alguma política nacional.
Balanceando expectativas e impacto
Pensando nos aprendizados, posso dizer que o ISP para advocacy precisa ser mais paciente e resiliente, afinal em casos como o da Aliança Empreendedora, estamos falando de fatores como: pouca interferência do investidor; apostas na qualificação da equipe, tempo diferente de processos e resultados; metas e indicadores acompanhados de outras formas (os números de reuniões, sugestões acatadas em um decreto, rede articulada contam bem); além de questões externos como a rotatividade do mundo político (e aqui ressalto que as demandas de uma causa continuam independente do governo ou de quem comanda uma pasta).
Por outro lado, quando as pequenas conquistas vão aparecendo e os gols acontecem, é a oportunidade única de ter contribuído para mudanças que impactam a vida de milhões de brasileiros. E o melhor: tudo isso com escuta ativa e participação daqueles que vão realmente se beneficiar das decisões tomadas. Acredito que um futuro melhor é possível, mas precisa ser construído à muitas mãos e considerando todas as peças do tabuleiro, inclusive aquelas que são permanentes e que fazem as regras no jogo.
* Mariana Rodrigues é Líder de Advocacy e Relações Governamentais na Aliança Empreendedora e atua há mais de dez anos em projetos ligados à Inclusão Produtiva e Empreendedorismo de Base Comunitária.
Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do GIFE e de seus associados.
Contruo pontes entre filantropos/wealth advisors e crianças/adolescentes que perderam ou correm o risco de perder o cuidado parental
3 mO advocacy é um eixo indispensável pra promover mudança sistêmica. É por meio da política pública que consolidamos as práticas! Financiadores ainda tem muita resistência a projetos desta natureza por algumas razões; algumas vezes pensam que advocacy = política partidária (o que não é o caso!) e tem dificuldade de medir impacto, já que as ações nem sempre são facilmente relacionadas. Obrigada Mariana Rodrigues pela reflexão.
Diretora executiva no Instituto Paulo Gontijo | Gestão executiva administrativa
3 mÉ impressionante o crescimento e este número mostra o real valor das ações do terceiro setor. O real impacto gerado nas familias brasileiras é incalculável! Excelente seu artigo, Neca!
Developing and delivering value, creating powerful collaborations, improving systems, and impacting communities.
4 mO advocacy ainda é realmente pouco explorado em nosso país, especialmente quando comparado a outros países. Mariana Rodrigues você nos convida a refletir sobre como o ISP pode ser mais efetivo e como podemos contribuir de maneira mais estratégica e sistêmica para alcançar um impacto positivo e duradouro. É um chamado importante para todos nós que atuamos nessa área.
Arquiteta urbanista e paisagista. Pesquisa em cinematografia documental interativa em plataforma, aplicada ao urbanismo. Criadora do @frame.urbano - instagram@eleonoraseligmann
4 mImportante esse artigo . Reflexão sobre resultados !
Desenvolvimento Territorial | CSN Inova
4 mMariana, parabéns pela excelente reflexão e por ter sido alavanca tão importante para a realização desse processo. Compartilhando por aqui! 😃