Asfaltos Coloridos
Abu Dhabi testa Asfalto Colorido - motor1.uol.com.br

Asfaltos Coloridos

Após meu desligamento da BR distribuidora, estou aproveitando meu momento Ph.D. (por hora desempregado) para tentar reverter algumas dezenas de anos de sedentarismo.

Assim, comecei hoje a caminhar uns 35-40 minutos em torno do Maracanã, na pista que lá existe.

E como bom “asfalteiro” que sou e sempre serei, não pude deixar de reparar que a pista foi revestida com um concreto asfáltico feito com um “ligante asfáltico” (as aspas são importantes, esclarecerei mais abaixo) de coloração vermelha.

E também foi impossível não reparar o péssimo estado do revestimento, cheio de buracos e altamente desgastado, mesmo submetido ao tráfego mais leve possível: caminhantes, corredores e bicicletas (ok, há os eventuais veículos policiais e patinetes).

Pista em torno do Maracanã desgastada

Esse concreto asfáltico é provavelmente o mesmo que foi utilizado no BRT da Avenida das Américas (Rio de Janeiro), com uma faixa granulométrica de SMA (Stone Matrix Asphalt), e que falhou prematuramente de forma dramática.

Mas afinal, diante desses insucessos, asfalto colorido é algo factível?

A resposta é sim. Existem diversos casos de sucesso lá fora, e vários produtos patenteados por empresas de porte, como Shell, Colas, entre outras.

Então, qual foi o nosso problema?

Não participei dos casos em referência, então minha análise é feita do ponto de vista de um curioso que entende um pouco do assunto, e deve ser encarada apenas como uma opinião informada.

Para começar, preciso explicar, muito embora todos vocês já devam saber, o que é o asfalto de um ponto de vista químico e físico-químico.

O asfalto, ou cimento asfáltico de petróleo, ou mais intimamente CAP, é um produto do refino do petróleo. É composto por hidrocarbonetos pesados com teor razoável de heteroátomos, como enxofre, nitrogênio, oxigênio e até metais como ferro, níquel e vanádio. É geralmente encarado como um sistema coloidal micelar, em que os hidrocarbonetos mais “leves”, chamados de maltenos (saturados e aromáticos) e resinas, dispersam os mais “pesados” chamados de asfaltenos.

Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

Nessa estrutura micelar, as resinas e os asfaltenos, por sua alta polaridade e teor de heteroátomos, apresentam características adesivas pronunciadas, especialmente em relação aos agregados usados em pavimentação, e é isso, aliado às características hidrofóbicas dos hidrocarbonetos, que faz do CAP um cimentício ideal para as misturas asfálticas.

Há também as características viscoelastoplásticas, mas deixemos isso para outro artigo.

Então, o que esperar de um asfalto colorido?

Bem, no mínimo as mesmas características do CAP, porém sem a cor negra.

E aí está o grande porém.

O que faz com que o CAP seja negro é justamente a presença dos asfaltenos, que com suas ligações aromáticas e conjugadas, mais os heteroátomos, absorvem praticamente em todas as frequências do espectro visível. Podemos adicionar pigmentos ao CAP? Sim, claro, mas não iremos torná-lo colorido, e sim no máximo “preto levemente avermelhado”, ou “preto ligeiramente esverdeado”.

Então, o “X” da questão é que, para fazermos um ligante asfáltico colorido, devemos substituir os asfaltenos por algo sem cor (ou de cor tênue), que permita que os pigmentos se sobressaiam, e que mantenham as características de CAP no produto.

E esse “X” não é pequeno...

Não é possível remover os asfaltenos do CAP de forma economicamente viável, para depois adicionar nosso componente milagroso.

Assim, asfaltos coloridos devem ser produtos 100% sintéticos, que utilizam matérias-primas petroquímicas de alta tecnologia.

O principal problema é encontrar o substituto adequado para os asfaltenos. Para nossa sorte, contudo, há uma classe de compostos que possuem elevado peso molecular e características adesivas, e ainda são branquinhos, sendo candidatos perfeitos a substituir os asfaltenos.

Estou falando de polímeros.

Assim, um bom asfalto colorido deve ser composto por resinas e maltenos dispersando um polímero adequado e colorido por pigmentos, de preferência inorgânicos, termicamente estáveis e com resistência ao ultravioleta. E esse “asfalto sem asfaltenos” deve ainda possuir características de CAP, como viscoelasticidade, adesividade aos agregados e resistência à oxidação.

E não se consegue isso do dia para a noite.

E provavelmente foi aí que nosso asfalto colorido falhou. Não foi utilizado um produto comercial das grandes “Players”, mas sim algo ainda experimental.

E o resultado, infelizmente, foi esse...

Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

Lembram-se do “ligante asfáltico”, entre aspas, mencionado mais acima?

As aspas são necessárias porque, sem asfaltenos, o produto não pode ser considerado CAP, ou asfáltico. E isso é uma coisa boa, pois não precisamos nos limitar às especificações de ligantes asfálticos para definir um ligante colorido, sejam elas empíricas como ponto de amolecimento e penetração, ou mecanísticas como módulo complexo. Podemos fazer uma especificação particular com as características que considerarmos mais adequadas. Quem disse que o ligante colorido precisa ser usinado nas mesmas temperaturas que o CAP? E se conseguirmos uma viscosidade baixa o bastante para usinagem a 100°C, ou 90°C, com módulo elevado em temperatura ambiente, e uma transição bem definida de sólido elástico para líquido em temperatura superior à máxima esperada para o pavimento de acordo com os critérios SUPERPAVE?

E se conseguirmos alta adesividade com o uso de polímeros com elevado teor de nitrogênio nos pontos certos da cadeia polimérica?

Por fim, mas não menos importante, temos os pigmentos. Pois como fazer asfaltos coloridos sem cor, certo?

Como dito os pigmentos devem ser capazes de conferir cor com dosagens pequenas. Em termos técnicos, isso significa terem elevado poder de cobertura.

E devem ser preferencialmente inorgânicos, pois assim possuirão custo geralmente menor e maior resistência à degradação pelo ultravioleta dos raios solares.

Deve-se levar em conta o efeito "fillerizante" que o pigmento pode oferecer caso a dosagem do mesmo seja elevada.

Em resumo, asfaltos coloridos são um mundo novo. E ainda há muito a ser explorado, mesmo com todo o avanço das grandes “players”. Basta que o façamos munidos das ferramentas e metodologias corretas.

André Mugayar

Engenheiro and Professor - Pavimentação - Geotecnia - Fundações

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