Assédio sexual: vítima demitida, agressor protegido. Até quando?
Praticamente todos nós temos uma história sobre assédio. Seja algo que passamos ou que vimos acontecer.
Eu lembro de uma história bem emblemática que aconteceu num lugar onde trabalhei. Quando fui contratada, os funcionários estavam no clima de despedida porque tinha uma pessoa saindo da empresa. Um cara bem querido. Ao longo dos dias, descobri que na verdade ele foi demitido, porque assediou a própria funcionária.
Você deve pensar: que bom que os diretores fizeram alguma coisa! Mas não foi bem assim. Ele só foi demitido por causa desta jornada: a funcionária assediada foi demitida por ele, por não aceitar as investidas invasivas (segundo ele, ela foi demitida por mal desempenho em sua função). Ela pegou os prints das conversas e ameaçou a empresa. Só mediante a ameaça, eles demitiram o assediador. Importante dizer que, antes de virar uma ameaça, as provas do assédio sexual foram lidas como “brincadeiras” da parte dele, porque as mulheres “davam treta”.
E não para por aí.
Algumas semanas depois, tivemos a noticia que ele foi contratado pelo cliente da empresa. Por indicação. E ninguém do cliente sabia desta historia.
Toda vez que eu conto isso, ou leio algum relato sobre assédio, minha sensação é de muita raiva.
Toda vez que eu conto alguma história assim, as pessoas se identificam e contam suas histórias. O que nos faz entender que é muito, muito comum situações assim.
No começo do ano, começamos um trabalho em parceria com o LinkedIn para entender algumas nuances sobre o assédio sexual no ambiente de trabalho. Durante o processo e agora, quando lançamos, ouvi muitas histórias que se somam às minhas experiencias (infelizmente no plural) do que já presenciei.
Abaixo trago alguns achados da pesquisa com comentários pessoais considerando esses relatos e experiências:
47% das mulheres que trabalham já sofreram assédio sexual
Este número é muito alto, e pior: pode ser ainda maior, na verdade. Explico: o assédio sexual ainda é muito compreendido como o contato fisico e abusos sexuais, que são formas mais extremas desta violência. No entanto, ele também acontece através de palavras - faladas ou escritas. Pensando no contexto de pandemia, momento no qual estamos cada vez mais digitais (entendendo, claro, que é um recorte pequeno que consegue trabalhar remotamente), o assédio segue ocorrendo através da troca de mensagens por meios online. Identifica-lo pode ser um desafio para quem passar por isso. Por este motivo, é muito importante falarmos cada vez mais sobre o assunto, para que as pessoas saibam dar nome ao que passam.
A cada 6 mulheres que sofrem assédio sexual, 1 pede demissão
Histórias como a que contei no começo são comuns. E vamos reforçar uma coisa: assédio está relacionado a poder. E o poder geralmente é hierárquico (ou seja, entre chefe e subordinada), mas também outras relações de poder inclusive de gênero (homem dominador, mulher dominada). O recado que nos passam é:
- Se você denunciar, ninguém vai acreditar em você
- Se você denunciar, ele vai te ameaçar;
- Se ele perder o emprego dele, a culpa é sua.
Fora a sensação de culpa também por não denunciar, ou até mesmo por não reagir. Quantas vezes passamos por situações que nos deixam tão paralisadas, que ao nos afastarmos do ocorrido, pensamos: por que eu não fiz nada? E de novo, voltamos a nos culpar. O quanto isso é injusto e cruel? A culpa não pode jamais ser da vitima.
Dito isso, vamos voltar ao nosso dado. A cada 6 mulheres, 1 pede demissão. Imagina uma pessoa ter que optar por abandonar seu trabalho, sua carreira, por algo que ela não fez? Que recado o mundo corporativo e a sociedade está passando para esta mulher, que a desencoraja de denunciar e, pior que isso, a incentiva a abandonar sua carreira e viver com medo?
78% das mulheres dizem não denunciar por causa da impunidade
Este dado reflete o que falei no tópico anterior, e na história que contei logo no começo. Este é o recado que as empresas estão passando. Os homens seguem blindados, e as mulheres seguem sendo culpabilizadas pelas atitudes deles. Este dado vem junto com outros motivos considerados como barreiras: as mulheres afirmam que as pessoas diminuem a importância do que aconteceu (64%), tem medo de serem expostas (64%), medo de ser demitida (60%) e 27% não sabem se o que aconteceu foi um assédio sexual ou não.
Vamos fazer um exercício de pensar sobre pessoas, indivíduos, e não em números. Quantas mulheres tem sua autoestima, autoconfiança e carreira limadas por não serem apoiadas?
A reflexão diante de tantos dado e histórias é sobre o nosso papel de indivíduos, sociedade e funcionários. Todos esses papeis passam por desafios perante situações de violência e isso precisa ser discutidos.
Que possamos ouvir mais, e acolher mais em situações com essas.
Que as empresas se conscientizem cada vez mais sobre o que acontece dentro de suas responsabilidades, com seus funcionários.
Que a potencia dessas mulheres não sejam ceifadas por atitudes covardes de homens que se escondem atrás de seus privilégios e seguem fazendo vítimas, mascarando suas atitudes com qualquer nome que queiram, menos o correto: assédio sexual.
Existe uma forma que parece pequena, mas é simples e causa efeito para ajudarmos pessoas a endereçarem este assunto: falarmos sobre ele!
Conheça a nossa pesquisa completa em:
Head de Comunicação Corporativa para Ásia no LinkedIn | Expatriada Brasileira vivendo em Londres 🇧🇷 🇬🇧
4 aDesde ontem eu tenho recebido tantas mensagens, de amigas, ex colegas, pessoas que eu sequer conheço, me contando histórias como a que você contou nesse artigo. Essa é a verdadeira face do assédio sexual no trabalho, o silêncio. Pra gente combatê-lo, precisamos cada vez mais saber sobre ele e sobre como desarmar as armadilhas que nos limitam. Espero que esse estudo seja um empurrão para termos esse tipo de conversa mais abertamente e para que as empresas tragam isso para suas discussões também. Foi um prazer poder trabalhar com você no estudo Sil.