A ausência de ideais e o que a história nos ensina

A ausência de ideais e o que a história nos ensina

Hoje vou indicar a leitura de dois livros: um que eu já li e outro que estou no começo, apesar de não ter terminado, já reconheci a qualidade da obra e também conheço o autor (ou seja, indico com tranquilidade).

O primeiro se chama "A inveja dos anjos", do historiador C. Stephen Jaeger, um livro grande, denso e robusto, acredito que poucos o tenham lido: fala sobre as escolas catedrais e sobre os ideais para o homem entre 950 e 1200, na Europa (principalmente França e Alemanha).

C. Stephen Jaeger
G. K. Chesterton

O segundo, o que estou lendo, é "O que há de errado com o mundo", do inglês G. K. Chesterton, um livro levemente mais famoso que o outro. Como estou no começo, posso falar apenas do que li dele: textos excelentes da parte 1 ("O desabrigo do homem") que se dividem em pequenos capítulos, seguem os que já li:

  1. "O erro médico": fala a respeito da ausência do ideal social dentro da sociologia. Diferente de outros campos do conhecimento, como a medicina, em que estão bem claras a cura e a doença.
  2. "Procura-se: homem não prático": aqui a crítica gira em torno da eficiência como uma espécie de ideal, um problema que ele via nos políticos e intelectuais de sua época.
  3. "O novo hipócrita": uma parte que senti um pouco mais de dificuldade em acompanhar. Parece-me que ela fala sobre a desconstrução que havia no começo do século XX (e que se estende até hoje) das doutrinas e transformando-as em tendências. Uma substituição de pontos fixos em pontos móveis, algo extremamente maligno.
  4. "O medo do passado": fechando o que eu já li, fala a respeito dessa falta de valor que é dada para o passado e a valoração direcionada para o futuro. Uma artimanha visando destruir o conservadorismo. Deixo essa ótima (das tantas) frase de Chesterton: "O homem moderno já não preserva recordações de seu bisavô, mas compromete-se a escrever uma detalhada e autoritativa biografia de seu bisneto."

Até agora acabei, curiosamente, falando mais do livro que menos li. Talvez Chesterton seja mais denso que Jaeger. Mas Jaeger também possui um importantíssimo valor.

Na introdução de seu "A inveja dos anjos", tem-se um excelente texto chamado "Cultura carismática", que, aliás, conversa, bastante com aquilo que citei de Chesterton. Nesse seu breve ensaio (se é que é posso chamar assim), Jaeger escreverá sobre as diferenças entre o século XI e XII. Vou citar o autor diretamente, pois ele consegue explicar de uma maneira muito boa, abrindo com esse trecho:

Os principais domínios em que se registra a transição entre os séculos XI e XII são bem conhecidos e bastante discutidos: em teologia, a viragem da autoridade à razão; na compreensão da Eucaristia, da presença real à presença simbólica; em filosofia, do realismo ao nominalismo; em literatura, da oralidade à escrita. Uma mudança essencial no exercício do poder político reside na troca de cortes itinerantes por cortes "administrativas", e, na administração da Igreja, do que Gerd Tellenbach e Hayden White chamaram de "liderança carismática" pelo processo canônico na eleição de bispos e de abades. O traço comum é o deslocamento da presença real para a presença simbólica, da performance para a representação. A "presença real" é a característica essencial de uma cultura carismática. Emprego o termo em sentido generalizado, referindo-me a um fator que define e legitima o carisma e não apenas no sentido convencional da presença de Cristo na Eucaristia.

O texto continua de uma maneira excelente explicando essa diferença de épocas, o próprio historiador conclui que a grande produção "simbólica" (termo utilizado para contrapor com o "real" do carisma) do século XII é uma resposta às grandes pessoas do séculos XI que educavam e transformavam apenas pela poderosa presença, ou seja, pelo seu carisma pessoal e, digo mais, vindo diretamente de Deus.

Essa relação dos indivíduos do século XII com seu passado recente conversa muito bem com o texto "O medo do passado", que citei anteriormente. Deve sempre existir um profundo respeito àquilo de bom que já foi construído em um passado glorioso: muitos progressistas (agora já voltando para o tempo atual, 2021) gostam de tirar do passado apenas as barbáries e ignoram seus gigantes. Diferente de pessoas do século XII, na Europa Medieval de Jaeger, que usavam tudo o que tinham para materializar o corpóreo das grandes personalidades e o carisma dessas pessoas que viveram o século anterior, promovendo aquilo que é chamado de "Renascimento do século XII".

Talvez o grande desafio atual seja renascer aquilo que aprendemos de bom com a história, ao invés de confiarmos em bolas progressistas de cristal, cristal esse que pode ser destruído facilmente.

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