Quando se trata de TEA alguma das maiores dificuldades dos pais/cuidadores pode ser a desobediência. Afinal, por que isso ocorre e o que podemos fazer?
Tarefas simples, como colocar roupa, ir à algum lugar ou escovar os dentes podem se tornar uma verdadeira batalha para famílias atípicas. Acontece que seu filho pode saber exatamente como executar cada função daquela tarefa, no entanto, ele insiste em falar NÃO!
Para saber, portanto, o que leva a esse comportamento se levantam várias teorias pelo coletivo. Alguns sugerem "falta de educação" atrelando a negligência dos cuidadores; outras à "falta de caráter" como uma característica ruim da personalidade da criança. Pais atípicos são metralhados por opiniões alheias e por olhares tortos. Muitos não sabem como agir e é totalmente compreensível!
Somos ensinados a repreender maus comportamentos e isso geralmente funciona. Mas por que o terapeuta (diga-se um bom terapeuta) não me ensina a fazer isso?
Para fazer uma intervenção, é preciso compreender em primeiro lugar a funcionalidade que possui aquela desobediência da criança. NÃO. SEU FILHO NÃO SE COMPORTA DO NADA, OU SÓ PORQUÊ ELE QUER. Ou seja, não é um mero capricho do seu pequeno!
Agora, como adultos, com o cérebro bem maior e mais desenvolvido que os das nossas crianças, vamos parar e refletir: quais as dificuldades que meu filho pode estar tendo para não obedecer ao meu comando?
Levanto aqui, algumas hipóteses:
- Dificuldade de transacionar entre uma atividade muito prazerosa para uma tarefa sem graçaSabe quando você está falando alguma coisa empolgado e a pessoa te interrompe com um assunto nada a ver? Pois então. Você tem a capacidade de conter sua frustração no pensamento. Já sua criança pode aumentar esse ressentimento em mil vezes e sabemos bem como isso pode terminar se tratando de uma criança TEA.Entenda que, para você hoje, é muito mais fácil colocar prioridades na sua vida, sabendo as causas de suas ações, o que torna mais fácil deixar os prazeres imediatos de lado e fazer suas obrigações (eu espero). Você aprendeu que quando você não toma banho, os outros sentem o seu cheiro e podem te repreender. Você aprendeu que se você não trabalhar, você pode não pagar seus boletos no final do mês. Seus pequenos NÃO. Eles não possuem esse repertório e muitas das vezes têm dificuldade de visualizar um futuro a longo prazo. Crianças trabalham no concreto e querem, como todos nós, recompensas imediatas. No entanto, possuem um cérebro menos desenvolvido, com poucas capacidades de autorregulação emocional e de inibição dos seus comportamentos. Então, sim, sua criança pode não querer avaliar o futuro, pensar nas consequências dos seus atos, largar o joguinho do celular e fazer o que você pede na hora que você mandar. Seja legal, tente participar da atividade que ela esteja executando antes de coloca-la para fazer suas obrigações. Mostre-se interessado, comente e brinque. Avise-a que o tempo está acabando naquela atividade, deixando claro a tarefa seguinte (se preciso, use imagens). Permita que ela tenha um tempo adicional e coloque se possível um despertador para avisa-la quando acabar. Outra forma também é tentar deixar aquela tarefa desinteressante ao mesmo tempo que você se torna interessante. Se estiver no celular/TV, abaixe o brilho e diminua o volume das músicas. Se estiver brincando, diminua a intensidade das brincadeiras... E claro, atraia sua atenção para atividades prazerosas que podem ser feitas durante ou após a realização da do que você pediu.
- Falta de compreensãoUm dos prejuízos do autismo podem ser relacionados a comunicação receptiva. Crianças que possuem prejuízos na linguagem podem possuir também dificuldade de discriminar o que é dito. Sendo assim, é preciso checar o nível de repertório que é compreendido pela criança.Se possível, converse com os terapeutas e peça orientação sobre o nível de compreensão da sua criança. Se não, tente usar comandos mais simples e objetivos. Reduza seu discurso à frases pequenas e mais concretas possíveis. Se for necessário, use dicas gestuais, visuais e físicas para que fique mais claro a instrução dada ao seu pequeno.
- Falta de repertórioOk, você deixou a tarefa agradável, ensinou seu filho passo a passo, mas ele continua se negando a faze-la? Vamos lá!Quando a esquiva ou fuga não é explicada por reforçamento, podemos considerar que o nível da tarefa talvez seja elevado para a criança. Porém, não se desespere! Se seu filho tem uma equipe multidisciplinar de terapia, muito provavelmente ele possui avaliações feitas pelos profissionais. Essas avaliações são importantes para conhece-lo melhor e desenvolvê-lo sem pular etapas. Mas você não precisa saber disso sozinho!Peça que os profissionais te expliquem as avaliações feitas e tente entender os passos seguintes que ele ainda não adquiriu. Saber um pouco sobre o nível de desenvolvimento do seu filho, vai ajudar a compreende-lo e fazer pedidos mais justos a ele.
- Mal estar"Ele me obedecia, mas parou de fazer" - Será que você não está exigindo demais?!É preciso saber observar o comportamento do seu filho em dias que ele não está bem e, SIM, respeita-lo. Pessoas do TEA possuem alterações no processamento sensorial. Isso quer dizer que, luzes, barulhos, situações que muita das vezes passam despercebidos por nós, neurotípicos (pessoas sem transtornos de desenvolvimento) podem provocar sobrecargas sensoriais nesses indivíduos.Por isso, é importante saber observar o que seu filho faz antes de uma crise e entender quais estímulos podem ser estressores para ele. Exposições sucessivas a esses estímulos podem ocasionar em crises, como "shutdown" (a criança pode ficar apática) e "meltdown" (explodir de choro ou raiva).Acima de tudo, respeite assim que perceber que seu filho está irritadiço e não dê qualquer demanda! SIM, fazer PEDIDOS pode ser uma DEMANDA! E NÃO: SEU FILHO NÃO VAI PERDER REPERTÓRIO SE ELE NÃO FIZER O QUE VOCÊ QUER QUANDO ELE ESTIVER MAL.Peça coisas a ele quando tiver CERTEZA que ele está bem!
- Rigidez CognitivaOutra característica presente no TEA é a rigidez cognitiva. A rigidez pode aparecer de diversas formas e é preciso estar atento, novamente, as mudanças no ambiente ou rotina que podem incomodar sua criança.Sendo assim, é preciso observar se o pedido que você fez a criança não está sendo realizado devido a uma quebra de rotina. Você está colocando roupas novas na criança? Levando ele a um lugar novo? Trocando os horários do banho ou o alimento? Você mudou algum móvel de lugar? A sequência de alguma terapia? etc.Tente anotar o que você acha que pode ter acontecido. Se possível, leve a um profissional para te organizar uma montagem de programa para quebrar sutilmente a cadeia do comportamento. Ou peça programas que aumentem a tolerância da criança.É importante deixar claro: A intervenção deve ser feita de forma mais branda possível!Tente também, orientar a criança o mais rápido possível ao emitir o comando. Oriente a criança para o novo lugar imediatamente quando perceber que a mesma vai procurar pelo pedido. Mostre ilustrações e explique, se necessário, várias vezes antes da mudança ocorrer.
- Falta de modelos alternativosLembra da falta do controle inibitório? Pois então. É difícil para criança entender um NÃO por si só e cumprir. Se você quer que a criança siga sua instrução, dê a ela opções do que ela pode fazer para suprir sua necessidade em vez de só o que não fazer. Além do "NÃO" ser algo subjetivo, o comportamento é muito mais fácil de ser modulado quando somado a ele tiver um comportamento alternativo. Ou seja, algo em substituição daquele "vazio".
Espero que esse primeiro artigo possam ter ajudado vocês de alguma forma! Sei que ficou longo, porém é a primeira vez que eu escrevo e pretendo com a prática aperfeiçoar minha escrita e também reduzir a quantidade de informações!
E aí, o que vocês acharam? Mandem para alguém que acha que poderia ajudar!
PSICÓLOGA CLÍNICA
1 aParabéns!!! Seu artigo demonstra profissionalismo e dedicação. A abordagem cuidadosa e as ideias bem desenvolvidas são testemunhos do seu talento. Continue brilhando! 🌟