Sobre a Síndrome de Asperger

Sobre a Síndrome de Asperger

Na semana passada falamos sobre o Autismo, considerando suas bases orgânicas e focando nas questões pertinentes à psicologia como campo de conhecimento e prática terapêutica. Dando continuidade ao assunto, como prometido no texto anterior, hoje falaremos sobre a Síndrome de Asperger.

A Síndrome de Asperger se configura como um autismo onde a criança possui capacidades bastante avançadas de lidar com os estímulos do meio. Normalmente elas já falam e conseguem interagir razoavelmente. Contudo preferem estar sozinhas e interagem mais por uma resposta ao outro do que por uma vontade própria. Inclusive, é de difícil diagnóstico e é comum as pessoas acharem que se trata de “uma criança normal, mas um pouco estranha”. Esse “normal” é porque na maioria das vezes as crianças com asperger conseguem fazer o que as demais fazem, mas o mundo ainda continua como uma incógnita para ela, e por isso o “estranha”, pois o nosso mundo ainda lhe é estranho.

É importante frisar que quando nos referimos a pessoas portadoras do Transtorno do Espectro Autista (TEA), estamos falando de dificuldades neurológicas no campo da comunicação, da abstração e do estabelecimento de laços sociais. Não se trata, de forma alguma, de algo que envolva rebaixamento da capacidade ou velocidade de raciocínio. Este, quando ocorre, não passa de um efeito de um deficitário processo da sociabilização. O que pode ser conseguido em qualquer idade, mediante processo terapêutico.

Por estar dentro do espectro autista, o funcionamento das crianças com asperger continua sendo similar ao das demais autistas. Para elas, brincar com outras crianças (ou mesmo adultos) tende a se tornar algo angustiante, pois ela não consegue prever os passos da brincadeira e não consegue organizar suas expectativas para poder agir. Brincar sozinha é confortante. Mas é confortante porque os objetos respondem a uma lógica pela qual ela consegue prever e se organizar. Nesses casos, o trabalho do terapeuta é o de se colocar nesse “entre” que difere pessoas de objetos. Precisamos agir de forma respondente (e não demandante, conforme explicado na semana passada) tal qual os objetos são para ela. É necessário sermos previsíveis para que elas possam confiar na nossa relação e poder organizar suas expectativas, ou seja, entender o que está acontecendo entre nós. Antes de construirmos o sentido do porquê brincar com outras pessoas e não só com objetos, precisamos diminuir o desprazer que elas sentem ao estarem com outras pessoas. Apostaremos que elas entenderão que as pessoas são muito mais interessantes que os objetos, mas elas só acreditarão nisso quando as pessoas não causarem tanta angústia. Quando elas começarem a entender esse mundo que para elas é tão difícil e imprevisível, estamos no caminho certo da construção de habilidades sociais.

E porque precisamos da sociabilização dessas crianças? São vários os sentidos que podemos construir a esse respeito. Podemos ficar com alguns que hoje nos parecem ser fundamentais: (1) a base do aprendizado das coisas do mundo se encontra na construção de sentidos abstratos das coisas, o que podemos acessar somente no contato com outras pessoas; (2) é possível inferir que os pais devam sofrer por não saber como agir com seu filho, e por vezes tentem agir de forma um pouco mais diretiva na tentativa de ajudar o filho, o que pode acabar produzindo o afastamento e não a formação do vínculo que garantirá que as relações se tornem mais prazerosas e menos angustiantes; (3) carinho e atenção são elementos fundamentais ao ser humano, e temos acesso a eles por meio do contato com o outro, solicitando, comunicando, ou fazendo entender que queremos e gostamos desse carinho e afeto; (4) uma vez que essas crianças tenham essas habilidades desenvolvidas, elas tornam-se muito mais capacitadas a construírem, autonomamente, a própria felicidade. A felicidade é algo que ninguém pode construir para outra pessoa. Felicidade é obrigatoriamente algo que se constrói por si e para si. No limite da ajuda de um outro, poderíamos dizer que se constrói junto. Porém, nunca de forma alienada.

Para quem quiser conhecer um caso interessante de uma pessoa com Síndrome de Asperger, recomendo o filme “O Jogo da Imitação”. É um filme recente que fala do surgimento do primeiro computador durante a segunda guerra mundial. Alan Turing, matemático britânico e considerado o pai da computação, é o personagem principal do longa-metragem. O enredo é montado de tal forma que nos é possível perceber as dificuldades de Alan em relação à comunicação, às metáforas e às relações sociais, pois as mesmas são repletas de abstrações que nem sempre possui uma lógica ou um sentido linear. Tais dificuldades o levaram à paixão pela criptografia, a forma de escrever em códigos para que as mensagens não pudessem ser compreendidas. Para Alan, a criptografia teve papel fundamental no sentido de o aproximar desse mundo tão difícil de ser decifrado, o nosso mundo.

Vale, por fim, chamar a atenção para o fato de que nenhuma criança será igual. A psicologia é a ciência do singular, e não a da produção de uma subjetividade passível de generalização, sistematização e classificação. Tanto neste texto como no da semana anterior, falamos de aspectos gerais e superficiais que podem nortear um início de trabalho de aproximação em relação a essas pessoas. Porém, trata-se da ponta do iceberg. O trabalho psicológico e pedagógico inclui a consideração das particularidades e especificidades de cada qual que se queira analisar. O trabalho psicológico e pedagógico é sempre singular. Não tem “receita de bolo” que se possa aplicar a todos como se faz numa linha de montagem. Se não for assim, é mera aplicação de teoria. E aplicação de teoria não serve para nada. Nem bolo faz!

Até o próximo texto!

Conheça o meu canal, o Conversa Psi, lá eu abordo diversos temas, inclusive sobre o autismo: 

Autismo. O que é? Como lidar? | Ronaldo Coelho | Conversa Psi 57: Clique aqui e assista.

Síndrome de Asperger | Ronaldo Coelho | Conversa Psi 58: Clique aqui e assista.

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