Avaliação de Desempenho Ágil - Sem Faz de Conta

Avaliação de Desempenho Ágil - Sem Faz de Conta


"Diga-me como me medes e te direi como me comportarei" - Eliyahu Goldratt, autor do livro A Meta


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uma empresa chamada Wonderland, liderada pela Diretora Geral de Tudo-e-Mais-Um-Pouco, mais conhecida como a Rainha de Copas.

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Famosa no mercado por sua intolerância à erros e tendência à centralização, ela havia estabelecido um sistema de avaliação de performance baseada em metas individuais, com o propósito de "recompensar ou punir" o desempenho dos colaboradores. Implacável, uma de suas punições preferidas era fazer alguém perder a cabeça...literalmente.

O corpo executivo de Wonderland, formado por Coelho Branco (Diretoria do Corre-Corre), Lebre de Março (Diretoria de Paranóia e Riscos Infundados), Valete de Copas (Diretoria de Planejamentos Imutáveis) e Chapeleiro Maluco (Diretoria de Novidades e Invencionices) percebeu que a empresa não vinha inovando nos últimos anos.

O Valete de Copas, entretanto, não via isso como um problema e confiava no estilo de liderança da Rainha. Já a Lebre de Março andava apreensiva em relação ao futuro da companhia, que enfrentava a concorrência de startups. O Coelho Branco, por sua vez, achava que a correria do dia-a-dia poderia explicar a falta de foco em inovação, mas dizia que não tinha tempo para pensar em uma solução.

O Chapeleiro Maluco então propôs uma hipótese: estariam os colaboradores intimidados pelo sistema de avaliação de desempenho atual, optando por caminhos já conhecidos e evitando assim os riscos de novas abordagens, mais adaptativas e evolutivas? Ele mesmo sugeriu a realização de um experimento para validar essa hipótese: a modificação do sistema de avaliação vigente. Os demais concordaram prontamente - exceto o Valete, que não era muito afeito à mudanças. Decidiram então recorrer aos conselhos de um guru de gestão de mudanças - o Gato Risonho.

Malandro é o gato...

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Eis que o tal guru, mestre dos magos, o Gato Risonho, lhes perguntou: "Qual é o propósito desta mudança que pretendem fazer?". O Chapeleiro - que havia se tornado o porta-voz do grupo - respondeu que o objetivo era fomentar a inovação na companhia e assim garantir a sustentabilidade do negócio. E complementou dizendo: "achamos que o modelo atual inibe as pessoas de criar e aprender novas formas de pensar e fazer e por isso queremos tentar de outro jeito".

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"Como é o modelo de avaliação atual?", perguntou o Gato. O Chapeleiro esclareceu: "temos um contrato de metas individuais e usamos uma matriz de comparação de performance, para saber como os nossos colaboradores estão se saindo. Nossa régua é alta e os que têm um desempenho pior do que os outros sabem que não terão promoção, aumento salarial ou receberão bônus no fim do ano. Isso quando não perdem as cabeças. Queremos reter os melhores talentos."

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Nesse momento a Lebre de Março, normalmente cética, se manifestou: "o fato é que não estamos conseguindo manter os talentos em Wonderland. Nossa taxa de rotatividade é alta e notamos certa competitividade entre os funcionários. Há alguns meses iniciamos uma transformação ágil na companhia e nos venderam que haveria mais colaboração, engajamento e motivação nos times, além de melhoria na comunicação. Passamos a usar post-its, colocamos pufs coloridos no escritório, mesas de sinuca e nem pedimos para o nosso pessoal compensar as horas de descontração. Penso que esse negócio de ágil não está funcionando."

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O Gato notou a frustração da Lebre e então citou alguns pensadores bem conhecidos da Administração Moderna:

"O efeito das avaliações de desempenho é devastador: promove performance no curto prazo, aniquila planejamento no longo prazo, demole trabalho em equipe e incentiva rivalidade e politicagem. É injusto, pois atribui aos indivíduos em um grupo as diferenças que podem ser totalmente causadas pelo sistema dentro do qual eles trabalham. A avaliação de desempenho alimenta o medo. Onde existe o medo, existem números errados." - William Edwards Deming, pai do ciclo PDCA e autor de Saia da Crise 
"Quando uma medida torna-se uma meta (ou alvo), ela deixa de ser uma boa medida." - Charles Goodhart, professor emérito da London School of Economics e autor da chamada Lei de Goodhart

Confusos, os diretores de Wonderland inqueriram o Gato Risonho: "O que faremos então? Devemos eliminar por completo a avaliação de desempenho individual? Não seria pernicioso simplesmente descontinuar o sistema de avaliação atual sem colocar nada em seu lugar? As pessoas esperam reconhecimento e consideram injusto que aceitemos desempenho medíocre de seus pares. Como resolveremos esse dilema??"

O Gato citou Deming mais uma vez:

"Não se gerencia o que não se mede, não se mede o que não se define, não se define o que não se entende, e não há sucesso no que não se gerencia."

Aturdidos, os diretores cobraram do Gato Risonho uma explicação, afinal o que ele dizia parecia contraditório. O Gato então explicou que, Deming não se referia à gerenciar e medir o desempenho dos indivíduos e sim a performance do sistema de trabalho. Na visão do Gato, esses controles deveriam emanar dos times, por meio da auto-organização. E para reforçar esse pensamento, ele exemplificou com uma citação de outro guru moderno da gestão:

"O feedback dos pares é a principal medida de desempenho. Contribuições para um propósito compartilhado são melhores detectadas e avaliadas pelos colegas, não pelos seus gestores. Apenas o sistema inteiro conhece todos os detalhes." - Jurgen Appelo, criador do framework Management 3.0

Para validar a hipótese do Chapeleiro Maluco, o Gato Risonho propôs começarem uma mudança Kaizen, para mitigar resistências e "começar com o que temos hoje, evoluindo a partir daí". "Esse é o mantra do método Kanban, que é evolucionário e não revolucionário", explicou o Gato.

Assim, ao invés de eliminar a avaliação de desempenho em Wonderland, o Gato sugeriu que eles mudassem o foco do individual para o coletivo. Recomendou iniciarem um experimento usando Feedback Canvas - técnica criada por Matheus Haddad, da empresa Webgoal - e apresentou a sua proposta:

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"Esta forma de avaliação é colaborativa", disse o Gato - "os pares dão feedback uns aos outros, opinam sobre o nível de domínio dos colegas por tipos de competência ou temas e ajudam a criar ações de desenvolvimento. Na mesma dinâmica também pode ocorrer a auto-avaliação - a pessoa que recebe os feedbacks também oferece ao time uma percepção de si mesma. Esse formato incentiva a mentalidade de melhoria contínua, além de fomentar valores e pilares da agilidade e também ajuda a desenvolver a maturidade dos times". #Coragem #Transparência #Abertura

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"É esperado que os participantes utilizem a prática CNV (Comunicação Não-Violenta) quando estiverem oferecendo um feedback construtivo, sendo papel do facilitador da dinâmica apoiar os participantes nesse sentido. Para a execução desta prática necessita-se criar um ambiente de segurança psicológica, para que os participantes possam de fato contribuir com sugestões significativas de desenvolvimento dos seus pares." #Confiança #Respeito

A diretoria de Wonderland topou realizar a experiência proposta pelo Gato, mas ainda tinha dúvidas de como o novo modelo ajudaria a alavancar atitudes de inovação e adaptação na empresa. O Gato Risonho novamente jogou luz na questão: "o feedback contínuo, principalmente quando praticado entre pessoas que conhecem o sistema de trabalho, contribui para a mudança comportamental. Mas lembrem-se de que o tipo de métrica adotada vai determinar o comportamento resultante. Então pensem bem em quais comportamentos vocês desejam incentivar e então sugiram aos times métricas de avaliação que estejam de acordo com as novas atitudes esperadas".

Para ilustrar a importância de se definir métricas que façam sentido, o Gato tomou como exemplo métricas pré-estabelecidas para os times de desenvolvimento ágil de software de Wonderland, as quais poderiam levar o modelo de avaliação na direção contrária aos objetivos da organização:

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O Coelho Branco, sempre apressado, finalmente priorizou o assunto em sua agenda e expôs uma preocupação: "como garantimos a lisura e a confiabilidade deste sistema de avaliação? Será que os times não tratariam de sempre avaliar bem uns aos outros, legislando em causa própria? Ou pior que isso, haveriam de tentar boicotar membros do time dos quais não gostam?". A Lebre de Março, geralmente desconfiada, aquiesceu de pronto à perspectiva do Coelho.

O Gato sorriu e respondeu: "Ótimo ponto! Eu devolvo a questão lhes perguntando se tais fatos eventualmente ocorreriam por falha no modelo de avaliação ou por falha no modelo de contratação de funcionários? Afinal, as situações aventadas pelos senhores denotam falta de ética e desvio de conduta. Pessoas que tendem a burlar sistemas ou maquiar métricas para obter benefícios pessoais deveriam estar trabalhando em Wonderland? Ademais, pela própria natureza transparente do processo de avaliação proposto, essas ações nocivas não ficariam ocultas por muito tempo."

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Nesse ponto, até o Valete de Copas, normalmente tão desconfortável com mudanças, sentiu-se curioso e interessado em acompanhar os resultados da experiência. Afinal, que mal haveria em apenas experimentar algo novo, ainda mais se a implementação seria no estilo baby steps? Poderiam construir um case para apresentar à Rainha de Copas e talvez escalar o novo modelo para toda a organização.

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Optaram por rodar a experiência na área de Alice, uma gestora inquieta e aberta à mudanças, que até havia pensado em sair de Wonderland, uma vez que não apreciava a política da Rainha de Copas. No entanto, Alice sentiu-se inspirada pela possibilidade de inovar e pela mentalidade de abertura à novas ideias inesperadamente demonstrada pelo corpo diretivo da empresa. E assim, Alice decidiu ficar e deram início ao experimento...

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Esta é apenas e tão somente uma fábula, e qualquer semelhança com fatos e eventos reais é mera coincidência...#SoQueNão

E no mundo real, o que tem funcionado?

  • O Feedback Canvas é praticado em empresas como PagSeguro e Creditas - esta última inclusive publicou aqui como eles rodam a sessão de Feedback Canvas e compartilhou suas experiências com o uso desta técnica na QCON 2018, incluindo benefícios e aprendizados. #SemprePasseAdianteOqueAprendeu
  • O framework Management 3.0 também disponibiliza boas práticas que permitem substituir a avaliação de performance tradicional por técnicas baseadas em gamification, CNV, feedback contínuo e horizontal e mapeamento do humor dos times, tais como: Feedback Wrap, Kudo Cards/Kudo Wall e Happiness Door. Todas elas podem ser insumos para entendimento dos pontos fortes e das necessidades de desenvolvimento de times e indivíduos. A Conta Azul compartilhou sua experiência com M3.0 aqui.
  • Algumas empresas, como Itaú e Adobe, consideraram realizar mudanças em seus modelos de avaliação de desempenho, valorizando mais o feedback contínuo, a colaboração, o aprendizado e as metas coletivas, ao perceberam o desalinhamento entre o modelo de avaliação tradicional e a cultura ágil que estava emergindo da sua jornada de transformação. Quer saber como essas empresas estão fazendo? Veja o case do Itaú aqui e da Adobe aqui.
  • Outras empresas substituíram seus sistemas de gestão de metas tradicionais por modelos de gestão por objetivos estratégicos, usando a metodologia OKR (Objectives and Key Results) - nascida na Intel e largamente adotada pela Google, com a finalidade de garantir o alinhamento de todos em torno dos objetivos estratégicos de cada companhia.
  • Há ainda organizações, como Valve e Zappos, que avançaram nas práticas de gestão horizontal e autogestão e emponderaram os times na definição de objetivos e avaliação dos resultados alcançados, usando tecnologias sociais como Sociocracia, Holacracia e O2 (Organizações Orgânicas). Nessas empresas, além das metas terem dado lugar à objetivos estratégicos e alinhamento constante, o sistema de recompensas foi totalmente desatrelado do sistema de feedback - que é contínuo.
  • Para recompensar os colaboradores, podemos lançar mão, por exemplo, da prática Merit Money - também do framework Management 3.0 - que é uma técnica gameficada e colaborativa, onde os próprios pares definem o tipo de recompensa, como será distribuída e quem tem o mérito de recebimento. Nessas organizações o entendimento é que feedback olha para o futuro e serve ao desenvolvimento dos indivíduos, enquanto a recompensa olha para o desempenho passado, não devendo ocorrer no mesmo momento do feedback e nem se confundir com ele. Leia aqui sobre o case do Serpro.

E para evitar armadilhas de avaliações de desempenho danosas consulte também as referências abaixo:

O Fim da Avaliação de Desempenho

Medindo o desempenho técnico: você provavelmente está fazendo isso errado

Métricas Tóxicas: o que você não deve usar

As pessoas não querem ser comparadas aos outros em avaliações de desempenho. Elas querem ser comparadas a si mesmas

Existem dois tipos de desempenho - mas a maioria das empresas só foca em um

Gestão de Performance com Feedback Wrap

Feedbacks Horizontais com Speedwraps

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Sérgio Pinelli

Lean Manufacturing - Gestão de Processos - Metodologias Ágeis - IT specialist - Processos de TI - ITIL4 - Infraestrutura de TI - Gestão de Ativos - Orçamentos

9 m

Sensacional o artigo João... d+ Gostei muito e também super verdadeiro.. evolução contínua

Denis M. de A. Eiras

Arquiteto e Eng de Software, Eng de Machine Learning, Agile

9 m

Um belo texto! E pensar que ainda existe esse tipo avaliação tradicional que muitas vezes não gera feedback nem motivação.

João Messias

Scrum Master | QA | HPC | SysAdmin | Entusiasta da Sinergia Convectiva

9 m
Neimar Chagas

CEO MentorsTec | Business Intelligence e DW | Professor

3 a

Muito bom o artigo e as referencias. Parabens!

Sabrina Amaral

Psicóloga | Trainer em Human Skills e Saúde Mental | Consultora em Segurança Psicológica | Idealizadora do Método LÍDER4X4 | Founder da Epopéia | Coach da Mente.

4 a

Excelentes considerações!

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