A bússola que virou mapa
É difícil achar gente que pensa.
A inteligência é matéria prima raríssima.
Diante disso, começa a morrer o principal atributo dos brasileiros: a imaginação. A imaginação e a criatividade precisam de um repertório mínimo. Exigem PENSAR. E as pessoas não são ensinadas nem motivadas a pensar. Resultado?
Onde foram parar as pessoas para as quais pensar é uma necessidade, um prazer?
Na falta de conhecimento, coragem e imaginação, nos agarramos a fórmulas enlatadas, criadas no exterior. Assim, temos como manter nossa desordem nos trilhos... mediocremente
Agora, leve essa realidade para o ambiente empresarial e somea ao crescimento das empresas.
Um empreendimento que começou com vinte pessoas, vinte anos atrás, hoje tem quinhentas, mil, cinco mil. Um volume de gente assim é impossível ser administrado. Surgem então os gerentes… os chefes… os supervisores… os encarregados.
A maioria, gente que não sabe pensar. Minimamente preparada pelas escolas e depois pelos programas de treinamento das empresas, sempre focados em melhorar a eficiência operacional. Raramente preocupados em motivar o pensar. O poder é fragmentado e as decisões passam a ser tomadas por dezenas, centenas, milhares de pessoas sem preparo. Sem inteligência. Sem o hábito saudável do pensar. E esse fenômeno, em intensidades diferentes — de acordo com a infraestrutura educacional de cada país — é mundial.
E, um dia, alguém descobre que a única forma de colocar um exército de ignorantes na linha é dar-lhes um roteiro. Faça isso e aquilo. Depois, aquilo. E então, isto. E começam a surgir os programas de qualidade. A ISO 9000 é a primeira a ser implantada em grande escala. Adotada como exigência pelas grandes empresas para seus fornecedores, a ISO torna-se febre mundial e, num primeiro momento, realmente ajuda a colocar os processos das empresas em outro patamar, com um ganho de qualidade importante. E não é preciso muito tempo para que surjam outros programas, como QS, TS, Seis Sigma, PNQ… Cada um mais exigente que o anterior. E é aí que mora o perigo.
Primeiro, pela necessidade de montar estruturas para gerenciar esses programas: custo. Depois, pelo aumento agressivo da burocracia: tempo. Também, pela tendência em colocar a certificação como um fim. E, o pior: esses programas passam a ser interpretados como MAPAS e não BÚSSOLAS.
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Acontece que neste nosso mundo o valor está justamente nas pessoas que encontram caminhos diferentes, que fogem do roteiro, que improvisam, que criam...
A bússola indica o norte. Aponta a direção. E as pessoas criam seus caminhos, longos ou curtos, tortuosos ou retos. Cada uma desenhando o trajeto conforme sua necessidade. Mas, para isso, as pessoas têm de pensar. E, quando não pensam, não querem bússolas. Transformamnas em mapas. Fórmulas prontas. Que digam exatamente o quê e como fazer. E todos aqueles programas ambiciosos são transformados em gigantescos checklists que, seguidos à risca, garantem consistência de resultados. Qualquer medíocre tem então um roteiro a seguir. E a empresa anda nos trilhos.
Pois bem. Acontece que, neste nosso mundo, o valor está justamente nas pessoas que encontram caminhos diferentes, que fogem do roteiro, que improvisam, que criam… Pessoas que dificilmente convivem com mapas acabados. Pessoas que dificilmente surgem em ambientes burocratizados, amarrados, controlados. Esses indivíduos lidam com valores intangíveis, entendem que o diferencial está nas sensações, nas percepções, no relacionamento. Sabem que não será a qualidade do produto ou a eficiência dos processos que garantirá o sucesso.
Será a inteligência, a ATITUDE das pessoas.
Mas inteligência exige o pensar. E como anda difícil encontrar gente que pensa…
Luciano Pires é escritor, cartunista, criador e apresentador dos podcasts Café Brasil, LíderCast e Cafezinho e interessado em ajudar você e sua equipe a refinar sua capacidade de julgamento e tomada de decisão.
Extraído PIRES, Luciano. Brasileiros Pocotó, Reflexões sobre a mediocridade que assola o Brasil, São Paulo, ed. 1, p. 99-100, 2003.