BATALHAS
Batalhas da vida. Lembro, lá no sítio de meu avô Santo Caleffi, onde nasci, no município de Marialva, que uma certa vez, ouvindo meu tio falar das dificuldades que eles estavam vivendo, na verdade a família toda estava numa encruzilhada, tinha que decidir o que fazer, se saia daquele sítio, que viviam há tanto tempo, que era deles, que fazia parte da história deles, da identidade de todos ali, onde a família vivia unida, juntos, em todas as situações, já há muito tempo, tiravam daquele sítio o sustento de todos ali, se continuavam vivendo ali ou tomavam outro destino.
Diante da crise que estavam vivendo ali naquele sítio, com o cafezal doente, velho, cheio de pragas, a terra fraca de tanto uso, tendo que aplicar adubos, calcários, para produzir, as plantações precisando de veneno, para sobreviver, para matar as pragas, que eram muitas, tinham que decidir se ficava ali ou mudava para a cidade, para um mundo totalmente desconhecido para eles, era quase uma aventura, onde a família ia naturalmente se separar, seu mundo, que vivia há tanto tempo, estava desabando, desmoronando, ia acabar.
Recordo do seu olhar, firme mas indeciso, inseguro, havia uma certa angústia, tristeza, no seu olhar, procurando uma resposta, que não encontrava.
O mundo pesava em seus ombros. Era a barra do tempo. Olhou, ele era o líder, o faz tudo de meu avô Santo, olhou, pensou, respirou fundo, estava numa encruzilhada, tinha que decidir qual caminho tomar, a vida, as vezes, faz assim com a gente, coloca a gente nestas situações, é preciso decidir, e depois, arcar com as consequências da decisão que tomar.
Olhou, pensou, respirou fundo, deu um tempo, tempo implacável, eterno, senhor da nossa história, fechou um pouco os olhos e disse: "É batalha, batalha, batalha." A vida é batalha, travessia. Ficou em silêncio. O silêncio naquele instante fala alto, muito alto.
Lembro, que ele repetiu, automaticamente, por três vezes, a palavra batalha. Como que consolando a si mesmo, da decisão que tinha que tomar. Não esqueço este momento sublime de minha vida, marcou-me profundamente, para sempre, ele fechava os olhos e dizia: "É batalha, batalha, batalha". Mas isso não o imobilizava, muito pelo contrário, agia, decidia. Sabia que era sua responsabilidade, era o tempo. Travessia.
A vida é assim mesmo feita de batalhas, como diz Raul Seixas na letra da música "Tente Outra Vez", "(.....) é de batalhas que se vive a vida." Ou ainda como diz o escritor João Guimarães Rosa, no livro Grande Sertão: Veredas, o personagem Riobaldo, fala várias vezes, durante o livro, que viver é perigoso, é travessia: "Viver é muito perigoso(......) porque aprender a viver é que é o viver mesmo. Travessia perigosa, mas é a vida."
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Mas a vida é maravilhosa, é movimento, é um vir-a-ser permanente, é migração. É nas batalhas da vida que a gente amadurece, se fortalece.
Depois que passamos por estas batalhas da vida, a gente sai delas diferente, não somos o mesmo, somos outro. Não se vive o mesmo momento duas vezes, não se vive o mesmo tempo outra vez, assim com diz o filósofo Grego pré-socrático Heráclito, "não se banha duas vezes no mesmo rio", pois o rio já é outro e nós também já somos outro, é movimento permanente, um vir-a-ser eterno. É a vida, travessia, se fazemos na travessia, no caminho.
Saímos, as vezes, mais maduros, somos outro, mas também mais inseguros, tomando mais cuidado, vendo a vida de outro jeito, vendo a essência, também os seus perigos e possibilidades, pois aprendemos nesta travessia que a vida é batalha, que mais cedo ou mais tarde as batalhas serão necessárias, ele virão.
Portando, aprendemos que a vida é movimento, vir-a-ser permanente, travessia, se faz na travessia. Ela é bela, não tem fechos, está aberta sempre, está em nossas mãos, somos nós que a construímos, fruto de nossas lutas, de nossas batalhas.
As batalhas muda muito nossa vida, muda o jeito de nosso viver, a partir delas, de nossa experiência vivida nas batalhas da vida, começamos a ver a vida no seu dia a dia de modo diferente, na sua essência, a viver o acaso, o imprevisível naturalmente, sem desespero, a ver as coisa, a vida, no seu movimento natural, no seu curto prazo, a cada dia, a saborear cada minuto, segundo, da vida, a valorizar tudo que a vida nos oferece, as batalhas são necessárias para nos chamar a atenção para isso, muitos não percebem esse movimento da vida, está sabedoria da vida, não que o longo prazo não venha, mas com as duras batalhas da vida, ficamos mais sábios, mais prudentes. As batalhas vem e elas deixam marcas profundas em nós, depois de muitas delas não somos mais os mesmos. É a vida, é travessia.
Por isso é preciso viver a vida em todo o seu sabor.
Sábio conselho de meu tio. Deve ter vindo de longe.