Bitcoin: tecnologia, moeda ou investimento?
Nos últimos meses, muito tem se falado sobre o Bitcoin e sua supervalorização, mas sempre acompanhado de opiniões distintas: um lado diz se tratar de um excelente investimento pois sua tecnologia irá revolucionar o mundo e, o outro, diz estar passando por uma grande bolha especulativa.
Para avaliar o potencial do Bitcoin, é fundamental entender a razão da sua criação, a probabilidade dele atingir a finalidade para o qual foi idealizado e saber distinguir a moeda Bitcoin da tecnologia Blockchain.
O Bitcoin tem por origem um documento de 9 páginas denominado “Bitcoin – A peer-to-peer eletronic cash system”, publicado na internet em 2008, por seu idealizador anônimo e ainda desconhecido, Satoshi Nakamoto.
Naquele documento, se afirmou que o comércio na internet dependia quase que exclusivamente de instituições financeiras para processar pagamentos eletrônicos, com custos crescentes e restrições de transações de pequenos valores de forma prática.
Com esta justificativa, o Bitcoin foi proposto no mesmo documento como uma versão eletrônica de dinheiro que pudesse ser enviado de uma pessoa a outra pela internet, sem a necessidade de passar por um intermediário (como instituições financeiras e administradoras de cartão de crédito).
Para se viabilizar essa transferência direta, propôs-se um conceito de validação descentralizada das transferências, onde milhares de computadores espalhados seriam responsáveis pela validação das transações, por meio de uma “comprovação criptográfica descentralizada” em bloco, ficando este conceito (ou sistema) denominado como Blockchain. (Leia mais sobre isso no meu artigo: “De onde surgiu o Bitcoin”).
O conceito de registro e validação descentralizado de transações acabou sendo adotado para outras finalidades e já é estudado por governos, bancos centrais (inclusive o Banco Central do Brasil) e principais empresas no mundo. Portanto, muitas iniciativas estão relacionadas com o conceito da tecnologia que foi idealizado para o Bitcoin, mas muitas delas não possuem qualquer relação com a moeda Bitcoin. Entretanto, isso não quer dizer que o sucesso esteja apenas na tecnologia Blockchain. (Entenda as diferenças entre Bitcoin, Blockchain do Bitcoin, Mineradores de Bitcoin, Outros Blockchains e Outras Moedas virtuais no meu artigo: “Moedas Virtuais e Blockchain: Dando nome aos bois”.)
Passados quase 10 (dez) anos da publicação do documento que propôs a sua criação, estamos diante de um cenário de sucessiva valorização: 35.600% nos últimos 5 anos, 680% nos últimos 12 meses e 400% desde o início de 2017, estando, atualmente, cotado a US$4.000.
Mas se Bitcoin (moeda) e Blockchain (tecnologia) são coisas distintas e o conceito do Blockchain tem enorme potencial de adoção sem qualquer relação com o Bitcoin, onde está o real potencial do Bitcoin apenas como moeda?
Para chegar na resposta, é importante avaliar a probabilidade dele conquistar, ainda que em menor escala, as funções intrínsecas de uma moeda, que são: (i) meio de troca com liquidez; (ii) reserva de valor; e (iii) unidade de conta.
Meio de troca e liquidez:
Servir como meio de troca (medium of exchange), com liquidez, que significa a possibilidade de uma determinada moeda ser amplamente aceita e utilizada como meio de troca por bens e serviços, como é o caso do Real no mercado brasileiro e do Dólar no mercado internacional.
Atualmente, não vemos o Bitcoin como uma grande solução de pagamento no mercado brasileiro. Afinal, o sistema financeiro brasileiro é um dos mais modernos e eficientes do mundo.
O mesmo não se pode dizer em relação ao mercado de pagamentos internacionais.
Transferências entre Brasil e China, por exemplo, atrasam por um dia inteiro quando é feriado nos Estados Unidos, onde ficam os bancos intermediários responsáveis pela liquidação das operações.
As transferências internacionais de pequenos valores, por sua vez, podem demorar dias para chegar no destinatário final e a um elevado custo. Os africanos já superaram este problema com o uso do Bitcoin para receber dinheiro de seus parentes que vivem nos Estados Unidos, de forma instantânea e barata.
Há, ainda, um movimento dos grandes bancos internacionais denominado “De-Risking”, que consiste no encerramento do relacionamento com bancos de alguns países e, em alguns casos, com todos os bancos de alguns países, o que inviabiliza as transferências internacionais pelo sistema bancário tradicional. Em março deste ano o assunto foi objeto de um relatório do FMI – Fundo Monetário Internacional (Link do relatório).
Há ilhas do Caribe em que nenhum morador consegue enviar ou receber valores dos Estados Unidos pelo fato dos bancos americanos terem encerrado o relacionamento com os bancos locais.
Portanto, no âmbito dos pagamentos internacionais, há um alto potencial de adoção do Bitcoin como meio de pagamento, inclusive com aprovação governamental, como já se verifica em países como Estados Unidos e Japão.
No Brasil, embora o Bitcoin esteja ganhando notoriedade e seja possível comprá-lo como investimento ou usá-lo como pagamento de obrigações no mercado local, um velho decreto de 1933 veda qualquer pagamento com o exterior fora do sistema oficial de câmbio, além de caracterizar crime contra o sistema financeiro nacional. Portanto, quem utiliza o Bitcoin no Brasil com finalidade de pagamento internacional está atuando em desacordo com a legislação.
Existe um projeto de lei em discussão para regulamentação das moedas virtuais, mas o texto ainda requer muito debate e aprimoramento, não valendo discuti-lo neste artigo.
Reserva de valor:
Outra finalidade de uma moeda é a reserva de valor ou preservação patrimonial. Ou seja, mantemos parte do nosso patrimônio aplicado em moeda e não apenas em imóveis, ações e outros títulos. Afinal, é seguro e líquido.
No Brasil não há um grande atrativo para se utilizar o Bitcoin como mera reserva de valor. Já em países com problemas políticos ou restrições econômicas, como Venezuela e China, o Bitcoin é utilizado como meio de preservação patrimonial. Até no Reino Unido, logo após a aprovação Brexit, verificou-se uma alta demanda pelo Bitcoin para preservação do patrimônio, já que a Libra entrava em forte queda.
Pensemos, por exemplo, no Brasil na década de 90 com confisco da poupança e inflação galopante. Certamente aquele seria um cenário ideal de compra de Bitcoin para preservação patrimonial, ainda que sujeito a elevada oscilação de preço.
Portanto, quanto maiores os problemas políticos e econômicos em âmbito global, maior é o potencial de adoção do Bitcoin como reserva de valor. Espero não presenciar uma guerra dos Estados Unidos com a Coreia do Norte para confirmar esta opinião.
Unidade de conta (unit of account)
Por fim, uma moeda deve ter a função de unidade de conta, ou seja, servir como meio de avaliação e contabilização de valores de bens e serviços em toda a sociedade.
Esta parece ser a função mais distante do Bitcoin como moeda. Afinal, não vemos a determinação de preços de bens e serviços em Bitcoin de forma fixa, mas sempre vinculado ao preço de uma moeda estável.
Um exemplo comum de aceitação e determinação de preço em Bitcoin é: “X Bitcoins equivalentes a R$40mil, conforme cotação no momento da compra”.
Conclusão
Portanto, a sua crescente adoção e regulamentação como meio de pagamento em alguns países, bem como o seu uso como reserva de valor e preservação patrimonial em outros com instabilidade política e econômica, podem fazer o Bitcoin cumprir cada vez mais a função de moeda, justificando o seu crescente uso e valorização.
Quanto aos questionamento sobre o uso do Bitcoin para atividades ilícitas, vale lembrar que os países que seguiram o caminho da regulamentação estabeleceram regras rígidas de prevenção do seu uso para fins ilegais, lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, gerando confiança, credibilidade e, por consequência, mais valorização.