Blobologia do Cérebro
Petri et coll., Royal Society.

Blobologia do Cérebro

"Boa parte da metade posterior (parte traseira) do córtex é dedicada à visão, e o processamento visual ocorre em aproximadamente 25 áreas cerebrais distintas."

Li essa frase em um livro de psicologia cognitiva essa semana, o que me trouxe à lembrança, a maneira como alguns colegas de área acabam, sem querer, perpetrando equívocos sobre como o nosso cérebro funciona. Bastante gente, incluindo especialistas, dizem que há uma área do cérebro pra isso e outra área para aquilo, como se cada pedacinho do cérebro fosse responsável por uma função específica. Sendo assim, diz-se existir, por exemplo, a área do medo, a área do vício, a área da visão, a área da libido, e por aí vai. Só que não é bem assim que o cérebro funciona.

Acredito que as pessoas falam essas coisas porque, há pouco tempo, não faz muitos anos, alguns cientistas acreditavam que, de fato, existiria uma área distinta do nosso cérebro dedicada a cada função. No entanto, os estudos de neurociência evoluíram muito rápido, nós entendemos agora que o nosso cérebro é extremamente conectado. Sendo quase impossível limitar uma função a um único pedaço do cérebro.

Como o conhecimento sobre nossa cognição vem evoluindo muito rápido, ainda há literaturas que foram publicadas quando essa relação unívoca, "área-função", era tida como a verdade. Mas estes são conceitos defasados, apesar de ainda estarem rondando por aí pelas bibliotecas e livrarias. Se você ver um livro publicado nos anos dois mil, vai achar que ele é relativamente recente, não vai desconfiar que conceitos tão fundamentais estejam incorretos. Mas a neurociência ainda é uma ciência em descoberta de seus fundamentos e que, como toda nova ciência, evolui muito rápido. Estudantes de graduação fazem descobertas fantásticas no laboratório, coisas que em outras ciências são alcançadas apenas com anos e anos de carreira. A Neurociência se renova a cada ano, e por isso precisamos consumir seus conteúdos com parcimônia.

Hoje, os cientistas mais atentos, em vez de dizerem que a visão, por exemplo, é processada no córtex visual (a superfície da parte de trás do nosso cérebro), preferem dizer que o processamento da visão está relacionado ao córtex visual, o que quer dizer que as técnicas de rastreamento da atividade cerebral as quais temos acesso hoje demonstram que nessa área se observa uma maior concentração da atividade relacionada à visão. Ou seja, o processamento na verdade pode estar altamente distribuído, mas há ainda assim uma concentração naquela região. Para exemplificar, vamos dizer que é possível que esteja 51% naquela região, e 49% em outra, ou 20% naquela região, e 80% completamente espalhada em todo o cérebro. No final das contas não há área da emoção, do medo, do vício, do ciúme, etc, e sim múltiplas áreas e redes de conexão relacionadas a cada uma dessas coisas. Infelizmente ou felizmente, nosso cérebro é muito mais difícil de entender do que se imagina.

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Gabriela Moreno

Neurociências | Scrum Master | Lean Six Sigma | Melhoria contínua | Qualidade de Software | ESG

1 a

Exato! Hoje a gente entende que o cérebro funciona em rede, com conexões em diversas regiões do cérebro, e que provavelmente haverá diferenças entre indivíduos. E isso é um fator que permite, por exemplo, alguém recuperar uma função que estava majoritariamente localizada numa região que sofreu uma lesão! O cérebro consegue "realocar" a rede, incrível! 🤓 😅

Pedro Sergio

Cientista de Dados | Doutorando em Engenharia Elétrica

1 a

De fato, existe uma certa redundância nas conexões, que é o que permite a plasticidade neural. Mas a maioria dos achados aponta para uma maior ativação de certas regiões para diferentes tipos de tarefas.

Samuel Fernando

AI Engineer | LLM | Agents | MSc Quantum Computing at USP

1 a

Aí o erro da galera do neuromarketing.

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