Brasil é sim o país do futuro da inovação. Mas não pelos motivos que você pensa.

Brasil é sim o país do futuro da inovação. Mas não pelos motivos que você pensa.

O Brasil é sim o país do futuro no presente. Estar na periferia do poder é o que há de mais moderno e atual, e as empresas e pessoas tem que se dar conta disso e modelar suas ações pra aproveitar essa oportunidade. E aqui nesse texto vou tentar explicar o porquê.

2022. Um cenário que alguns podem dizer utópico (uma nova invenção maravilhosa por dia) e outros podem pôr na conta do distópico (superpopulação, caos climático, crises financeiras sucessivas aceleradas, tecnologias desbalanceando o entendimento, sistemas políticos em xeque, hipernarrativas políticas e religiosas, organização em rede confusa).

Seja qual for a lente que você prefira usar, nenhum local hoje no mundo reúne todas as características necessárias para se ver e viver os paradoxos ultracontemporâneos mais que o Brasil. E por consequência, para se testar os novos modelos, tanto em negócios como em soluções. As aparentes fraquezas do Brasil na verdade são uma oportunidade única, porque somo o extrato mais destilado de tudo o que o mundo contemporâneo tem como problemático.
Arrumou aqui, arruma no resto.

Tudo está acontecendo no Brasil AO MESMO TEMPO, por isso essa posição ímpar. Sigam esse fio:

1) Nossa democracia imperfeita vive a luta para saber se vai sobreviver. Mais do que questionamento se é esquerda ou direita, a democracia busca entender se ela é o modelo que vai suportar as estruturas sociais e econômicas ou se vai ser substituída por outro arranjo nas próximas décadas ou séculos - seja uma volta à centralização, seja um aprofundamento na descentralização. Ao sermos democráticos, mas não perfeitamente democráticos, aqui as visões estão muito sujeitas a esse choque, mais do que em democracias estáveis.

2) Vivemos diariamente o choque entre preservação e expansão. Por conta da diversidade ambiental e ecológica e da tensão de explorar a natureza para sobreviver versus a pressão por entender que sem ela não sobrevivemos, vemos o mercado lutar contra si mesmo para achar novos modelos de equilíbrio entre expansão e preservação. É nessa luta de acomodação que modelos possíveis são testados. O que se faz e como se faz aqui reflete e amplifica movimentos e olhares globais. Vivemos possibilidades de materialização de distopias e utopias o tempo todo, somos o paraíso das visões da ficção científica.

2) Em matéria de sociedade somos um país miscigenado de identidades que se chocam, plural, confuso, exatamente como o mundo global é. A própria definição de brasileiro é posta continuamente em cheque. Nossa história é recente, não nos entendemos com nossas fronteiras, e ser brasileiro pode ser medido por cor, faixa econômica, alinhamento cultural, etc. Nossa sociedade se debate com questões profundas agudas de gênero, mitos religiosos, linguagem e cultura. E ao sermos democracia imperfeita, permitimos que as discussões subam a temperaturas estratosféricas. Ao não estarmos cristalizados (como em teocracias, ditaduras ou teocracias) nem sermos um país de uma etnia só (como a China) suportamos a possibilidade de divergências terríveis que geram novos olhares.

3) Somos urbanos e agrícolas simultâneamente. Mais de 90% de nossa sociedade está em cidades mas a grande riqueza quem gera hoje é o agro e acommodity. Há uma tensão extrema, porque normalmente é o contrário. Há uma modernidade tecnológica no agro associada a uma visão conservadora liberal, enquanto os centros urbanos são padrões de comportamento múltiplos com suporte econômico pobre. Há um import export que vale observar.

4) Vivemos a guerra de narrativas da ciência - contra e favor - agudamente. Ela é um reflexo exemplar do salto que as redes proporcionam. A informação corre solta e mais do que erro e acerto, o que se mede é a fé que alguma resposta gera na massa. A força da ciência é sua maior fraqueza: respostas provisórias em um mundo balançado permitem o avanço do conhecimento mas também aumentam a insegurança. E o medo é um fator de destruição, mas também de criação de narrativas. Testamos ao mesmo tempo a ciência e suas respostas e a capacidade de ter fé em algo; e com isso remodelamos a comunicação constantemente.

5) Somos o país das redes. Massivamente, porque faz parte da psique latina, porque geograficamente estamos distantes uns dos outros, porque nossas comunidades locais são frágeis, porque o FOMO é parte da periferia, temos facilidade em adotar as redes como suprimento material e emocional. Somos o melhor público para experimentos sociais que redesenham relações. Isso tem um impacto monstruoso no b2b e no b2c.

6) Temos uma indústria cultural subserviente e ao mesmo tempo autônoma. Fagocitamos o externo o tempo todo. Nenhum conhecimento ou movimento cultural fica puro uma vez que bate no Brasil. Adotamos tudo do nosso jeito, engolimos e cuspimos em outra versão. Sai muita porcaria, mas muita pérola.

7) Nos equilibramos no meio. Meio que temos indústria meio que temos tecnologia, meio que temos educação, meio que temos inovação. Estar no meio traz a chance de estar na frente e atrás simultaneamente e testar e mudar o que só aparentemente está dando certo - porque é o que está atrás é que decide o resultado do que se acha que é inovador.

Eu poderia ficar cinquenta horas discorrendo, mas a ideia geral está aqui. Agora, como capitalizar isso?

Esquecendo a pobreza do discurso de melhores práticas importadas. As melhores práticas aqui são aquelas genéticas, baseadas na ideia que somos mais que uma réplica pobre de situação gringa.

Isso significa ter coragem pra impor limites naquilo que normalmente se entende como KPIs de inovação baseados em cenários gringos. Ele só podem ser úteis quando falamos de sistemas maduros em empresas que buscam estar maduras em cenários estáveis. Mas é burrice não levar em conta que as enormidades de instabilidade do Brasil são um cenário único de teste de flexibilidade. O que funciona aqui tem que se adaptar a diversas variáveis (é um pleonasmo mas não me ocorre outra construção verbal). O Brasil não se adapta a uma ferramenta ou idéia, é o contrário. E vale muito a pena apostar nisso porque a solução (ou ideia) que aguenta isso é resiliente de verdade para um mundo global que é muito mais parecido com o Brasil que com a Europa...

Durante 20 anos eu trabalhei com corporações que teimavam em trazer inovação pra cá que simplesmente não era inovação, era ajuste de processo de gringo. Principalmente em hardware e software, vi como o que era criado nativamente no caos brasileiro se mostrava mais parrudo, flexível e adaptável - inclusive implantar externamente o que foi criado aqui permitia uma adaptação a outros ambientes caóticos. As nossas soluções já previam caos por princípio.

De lá pra cá, o ambiente múltiplo só se multiplicou ainda mais, nossos problemas se tornaram mais vastos e por isso mais potentes como insumo de criação de soluções que se adaptem. Mais do que nunca o Brasil tem a vocação de ser o laboratórios de pesquisa e testes de inovação. Basta perder o medo de não copiar diferente, de não dar fit com o que funciona lá fora. E basta pensar de novo, que quem arruma resposta e arruma as coisas aqui, é capaz de arrumar em qualquer lugar do mundo.

Isso pede duas coisas, além de coragem pra não virar suicídio: uma cabeça profundamente antenada com o que está acontecendo lá fora para comparar cenários e respostas, e um filtro/faro para descartar o 90% que não serve - olhando para o que está acontecendo aqui como um todo. Depois é capacidade de cópia só dos 10% que precisamos e uma feroz crença que temos os melhores professores do mundo - uma infinidade de problemas e cenários.

Esse é o verdadeiro glocal, essa capacidade não de trabalhar local com pensamento global, mas de perceber que o nosso Brasil é hoje a síntese do mundo tribal e global. E partir pras cabeças.

Vai funcionar.
Wellington Porto

Diretor TTF Brasil - Consultor de Inovação Estratégica & Impacto ESG, Especialista em Transformação de Negócios & Foresight Estratégico, Professor

2 a

É uma leitura que já venho fazendo há tempos, Anna Flavia Ribeiro . Um país caótico e ambíguo que vive de ciclos. Uma cultura potente que ao mesmo tempo que se nega ou desconhece ser o que é, brota do lodo e se reconstrói com todo o seu explendor. Conexões complexas, mas quem as faz certamente projeta cenários mais ricos e diversos. Cenários verdadeiramente globais.

Maravilhosa reflexão. Sim vai funcionar!!!

Henry Goldsmid

Design Organizacional | Cultura | Liderança | Autogestão - Business as unusual.

2 a

Muito boa reflexão Anna. Obrigado 🙏

Dr. Julio Campos

Unsustainability expert | ecological economist | complex systems thinker

2 a

Interessante dança com o finado ecodesenvolvimento. Que bom que ainda temos pessoas, poucas, lendo os livros certos. Mas, como já dizia o poeta, será que vamos abandonar esse gosto por sermos os terceiros ou a solução é alugar o Brasil? Apenas uma correção, o mercado não dá a mínima para a questão ambiental, não se engane outro marketing bonitinho que fazem.

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