Brasil e as Políticas Públicas de Prevenção do Suicídio
Desde 2003, setembro foi escolhido como o mês da campanha de prevenção do suicídio e valorização da vida, o #SetembroAmarelo. Geralmente, são ressaltadas questões sobre autocuidado individual ou com pessoas próximas, e a importância do acompanhamento especializado de médicos e psicólogos. Desde 2016, ainda durante minha graduação em Políticas Públicas na Universidade Federal do ABC (UFABC), me dedico a pesquisar outro enfoque da questão: as políticas públicas de prevenção do suicídio, ou seja, o que os governos podem fazer para enfrentar esse triste fenômeno.
Por volta do início dos anos 90, a Organização Mundial da Saúde e os governos de diversos países perceberam que era possível para o poder público desenvolver políticas com o objetivo de prevenir o suicídio na sociedade através de uma abordagem pela saúde pública. Foi assim que surgiram as primeiras Estratégias Nacionais de Prevenção do Suicídio, ou seja, pacotes de políticas públicas abrangentes e envolvendo diversos setores da administração pública, por exemplo, Saúde, Economia, Educação, Direitos Humanos, entre outros.
Algumas políticas despontam como as mais efetivas, por exemplo, a restrição do acesso a métodos letais como armas de fogo, medicamentos e pesticidas; a melhora no treinamento e educação de profissionais da saúde, especialmente da atenção primária; políticas de proteção a desempregados; e a ampliação do acesso aos serviços de saúde mental.
Tais Estratégias Nacionais foram apontadas como fundamentais para a redução do número de suicídios no planeta nas últimas décadas. No entanto, infelizmente o Brasil está na contramão dessa tendência, demonstrando um crescimento anual significativo tanto nos números absolutos (acima do crescimento populacional), como na taxa por 100 mil habitantes.
A triste ironia é que o Brasil foi o primeiro país da América Latina a propor políticas visando prevenir o suicídio através da saúde pública, quando em 2006 o Ministério da Saúde publicou a Portaria Nº 1.876 estabelecendo as Diretrizes Nacionais para a Prevenção do Suicídio e as bases para uma futura Estratégia Nacional. No entanto, por dez anos não ocorreu nenhum avanço significativo.
Apenas em 2017 foi lançada a Agenda de Ações Estratégicas para Prevenção do Suicídio, resultado do trabalho conjunto de diversas secretarias do Ministério da Saúde, da Organização Pan-Americana de Saúde, secretarias estaduais, universidades e representantes da sociedade civil. Embora não fosse o tão esperado Plano Nacional, a Agenda incluiu políticas com efetividade cientificamente reconhecida e recomendadas há anos pela OMS, entre elas a restrição do acesso a meios letais como armas de fogo e pesticidas, além de políticas específicas para a população indígena (que apresentam as maiores taxas de mortalidade por suicídio). E mais importante, estabeleceu 2020 como limite para a formulação e implementação de um Plano Nacional de Prevenção do Suicídio.
Apesar dos resultados promissores no primeiro ano de implementação, em 2019 o Ministério da Saúde já não realizou nenhum evento no sentido de divulgar dados do segundo ano de implementação. Ao mesmo tempo, em 2019, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos assumiu a liderança das políticas de prevenção do suicídio no novo governo, lançando a campanha Acolha a Vida a partir da Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio em 2019.
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Materialmente, a nova política volta algumas casas e diminui o escopo, deixando de lado a abordagem pela saúde pública para focar na “busca pelo sentido da vida” e no “fortalecimento dos vínculos familiares e na conscientização da importância da família”. Ela estabeleceu políticas dispersas voltadas especialmente para crianças, adolescentes e jovens, mas não possui um documento único e abrangente como seria uma Estratégia Nacional. Além disso, o estudo técnico lançado junto com a campanha não faz qualquer referência às Diretrizes de 2006 ou à Agenda de 2017.
A população indígena perdeu o foco do seu caso específico, sendo que nem mesmo os jovens indígenas chegam a ser mencionados apesar de serem o grupo mais vulnerável ao suicídio no país. Ao mesmo tempo, o governo descumpre compromissos assumidos na Agenda Estratégica, como a “manutenção da legislação que restringe acesso a armas de fogo” e a “regulação e fiscalização na exposição a agrotóxicos”. E até hoje não vimos o lançamento do Plano Nacional de Prevenção do Suicídio.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, o compromisso político é essencial para garantir que as políticas não sejam descontinuadas com a troca de governos. No entanto, o que assistimos no Brasil é justamente o oposto. Após ser deixada de lado por anos, os poucos avanços positivos tiveram vida curta e o futuro da prevenção do suicídio no Brasil se viu cercado de incertezas, muitas vezes utilizado apenas como um termo para chocar as multidões.
Por isso, o Setembro Amarelo deve ser visto como uma oportunidade para se educar (através de fontes confiáveis) sobre esse tema tão estigmatizado, divulgar os canais de apoio e lutar pelo compromisso do governo por políticas públicas voltadas para a prevenção do suicídio.
E por fim, se você ou alguém que você conhece enfrenta pensamentos ou comportamentos suicidas, saiba onde buscar ajuda:
Doutoranda em Administração Pública e Governo (FGV EAESP)
3 aMuito bom!!