A brincadeira é a oração da infância

A brincadeira é a oração da infância

Férias.

Crianças em casa ou fora dela. Rotina diferente. Pais, às vezes trabalhando. Às vezes em férias também.

Sempre me lembro quando lecionava e achava estranha a tensão dos pais com a chegada do mês de julho ou do verão. Hoje, como mãe, entendo a dificuldade em encaixar as mudanças desse momento na rotina da casa. E, com o acesso às telas, o desafio ficou ainda maior. A solução: uma agenda de atividades de entretenimento para evitar o tédio desses meses "sem fazer nada".

A oferta de atividades dirigidas - acampamentos, colônias de férias, cursos livres, recreações e parques - só mostra o tamanho do desespero dos adultos e da nossa falta de percepção das reais necessidades das crianças. Será mesmo que elas precisam de tanta ocupação?

No dia a dia da escola, grande parte do tempo e a rotina é estabelecida e conduzida pelos adultos. Então, quando sobre espaço para brincar? Para brincar livremente?

"A brincadeira é a oração da infância"

Parafraseando o aclamado escritor e querido amigo Ilan Brenman que diz que as histórias são a oração da infância, afirmo aqui que a brincadeira também é.

Na minha experiência, como educadora há mais de 20 anos e como mãe há 12, as crianças têm uma potência de uma beleza indescritível. E se abrirmos espaço para que nos ensinem, o encantamento é garantido.

A título de exemplo, recentemente, passamos um tempo em um sítio, o qual já havíamos visitado em julho. Naquela ocasião, as crianças (meus filhos e mais 3 primos) encontraram uma passagem secreta na mata em uma das brincadeiras e durante os 5 dias em que estivemos por lá, limparam o espaço, fizeram cabides para pendurarem as roupas, construíram um caminho até o rio e criaram ali a sede do seu clubinho, estabelecendo suas próprias regras. Tudo sem a intervenção de nenhum adulto.

Alguns de nós seguiam curiosos para saber o que faziam entretidas durante tanto tempo. Outros, admiravam o envolvimento e perseverança dos pequenos em suas descobertas.

O fato é que pudemos visitar o "reino encantado" apenas no momento de ir embora e ficamos surpresos com a beleza do que vimos ali: uma grande clareira por entre as sombras das árvores, cheia de detalhes criados por aquele pequeno e orgulhoso grupo.

Nessas férias de janeiro, voltamos ao local. As crianças estavam ansiosas para reencontrar aquele lugar mágico e apresentá-los aos outros primos. Mas, ao chegarmos, surpresa: o vento e as chuvas fortes dos dias anteriores derrubaram algumas árvores e o local onde estava a sede do clubinho, estava completamente destruído.

Primeiro houve um tempo para o luto. Durante todo o primeiro dia, eles relembraram o tempo que viveram ali e tudo o que haviam construído. Nós adultos, assistimos esse movimento com respeito e uma escuta ativa para que as crianças pudessem expressar o que sentiam.

No dia seguinte, já notamos o movimento de alguns pelo espaço e logo fomos informados de que uma nova sede seria construída. Novamente, muitos dias de trabalho coletivo para a criação de um outro reino. Dessa vez, cercado por pedras - grandes e pequenas que transportaram do leito do rio com a ajuda de um carrinho mão -, com mesa e banco para se sentarem - construídos com madeira disponível no local.

O lugar era de uma riqueza incrível. E mais uma vez, nos emocionamos com a resiliência e a capacidade criativa e de gestão daquele pequeno grupo - agora, ainda mais confiante de que a experiência da construção era ali uma aposta na beleza daquele momento. E que viver a espera para reencontrar ou recriar aquele espaço no futuro seria também parte da brincadeira.

Agora, de volta à cidade, com acesso a telas e ao espaço conhecido da nossa casa, as crianças continuam me surpreendendo.

Moro em um condomínio repleto de atividades para as férias. Mas, ainda assim, minha filha de 8 anos, meu filho de 11 e mais 5 garotas, passaram boa parte do dia de ontem inventando histórias uns para os outros, encenando peças e finalizaram a tarde construindo juntos uma casa de bonecas com caixas de papelão.

E quando o tão necessário tédio aparecia, uma nova ideia de brincadeira surgia. Quando os conflitos surgiam, as próprias crianças apresentavam suas soluções.

Todas as propostas e ideias surgiram do próprio grupo, sem nenhuma intervenção de fora. Assim como as negociações. A mim, como adulta, coube apenas confiar na potência daquelas crianças e celebrar - mais uma vez - a magia desse tempo tão sagrado ao qual chamamos de infância.


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