Cadeiras viradas

Cadeiras viradas

Há quanto tempo você está no palco da vida, dando seu melhor, se esforçando, segurando todas as notas lá no alto, sem desafinar, mas nenhuma cadeira vira pra você?

Por outro lado, quantas cadeiras você tem visto virar pra quem não merece ou usa o palco da vida de forma... questionável? Sejamos polidos, ao menos por hora, porque esse texto ainda está engatinhando e é melhor não assustar corações puros.

Como metáforas e analogias só funcionam quando bem compreendidas, melhor deixar as coisas mais explícitas, que é pra garantir o entendimento. A não ser que você tenha passado os últimos anos numa galáxia muito, muito distante, já deve ter ouvido falar de um famoso reality show televiso mundo afora, o The Voice, replicado, com retumbante sucesso nesse Brasil viciado em realities de toda ordem. Sim, o termo reality é proposital... acompanha aí!

Na estrutura do programa, calouros (não tão calouros, assim) se apresentam num palco com jurados virados de costas pra eles avaliando-os única e exclusivamente pela voz, daí o nome do programa. Uma cadeira virada é sinônimo de aprovação, eleito para a glória, bem-vindo ao mundo dos bem sucedidos. A emoção do candidato é bonita de se ver, comovente, às vezes; a surpresa do jurado, via de regra, genuína; a vibração da plateia, contagiante; e a diversão dos telespectadores, um deleite. Picos de audiência, patrocinadores satisfeitíssimos. Todo mundo ganha, todo mundo vibra. A versão infantil, digo, kids, ainda tem o bônus da fofura de infantes (en)cantando a todos, e produzindo rios de lágrimas país afora. Passada a peneira das cadeiras viradas, os aprovados vão sendo eliminados, sempre com muita emoção envolvida, até que sobra apenas A Voz!

Quem tem mais de 15 anos, não pode mais se beneficiar do bônus da fofura – regras do programa, não minhas – então o jeito é se desdobrar, dar seu melhor todo santo dia e se preparar muito bem, senão as cadeiras não vão virar. Ç’est lá vie! Ou será que têm virado mesmo sem se esforçar? Ç’est la sort!?

Pra muita gente, elas viram ininterruptamente, haja o que houver, não importa quão ruim seja o “show”!

Gente desafinada tomando decisões importantes, por exemplo! Sabe nem assoviar, mas lhe botaram para reger a banda! Mal cantarola no chuveiro, mas não larga o pedestal e só atrapalha o ritmo da banda.

Gente despreparada em posição estratégica é desgoverno! Gente fraca em posição de chefia é desorientação! Gente errada no lugar errado é irresponsabilidade, improbidade, indecência! E aí, quando os reclames chegam, não há propaganda falaciosa que iluda o público cada vez mais exigente!

Que decisões importantes serão tomadas por aqueles cujas cadeiras que ocupam lhe foram ofertadas por vias tortas, nebulosas, vinculadas a interesses ou conchavos? Como assessores, chefes, dirigentes, superintendentes, secretários de Estados conduzirão os rumos de uma administração pública e subsidiarão a tomada de decisão e as correções de rumo junto aos chefes do Executivo sem entender de suas áreas de atuação, sem querer mudar o status quo, sem querer explicitar os problemas e fragilidades, preocupados apenas em se manter no palquinho, cadeiras virando com base em agrados, compadrios, contatinhos, contratinhos?

Como pode um despreparado passar quatro anos estrelando um “espetáculo” que ele não consegue sequer cantar o refrão da primeira canção sozinho? Deve ser porque nos camarins dos grandes centros de poder, catar cuecas jogadas pelos cantos pelos ‘rock-stars’, dar um jeito de esconder as serelepices dos backstages, ou angariar patrocínios não declarados rendam turnês inteiras à frente de uma banda preparada para um show grande, mas o roadie elevado a band-leader não segura o ritmo. Muito pelo contrário, ao invés de rock progressivo ou qualquer outro ritmo forte necessário para o avanço surpreendente que se espera, prefere, e faz tudo para, manter a quadrilha ritmada e sem graça de sempre.

Como pode quem deveria buscar formas de revolucionar o cenário “musical”, construindo um ambiente onde as exaustivas horas de ensaio, para alinhar, ritmar e aprimorar as canções de hoje, possam se transformar em obras-primas que agradem a todos os ouvintes lá na frente?

Não pode, nem vai poder nunca, enquanto quem estiver na posição de liderar, se comportar como boneco de posto, sem expressão, sem impostação, sem posicionamento de palco, sem chamar a banda pra aumentar o ritmo, sem dar ao chefe da casa de espetáculos motivos para estender a turnê.

Não pode, nem vai poder nunca, enquanto quem estiver em posição de liderar, se ocupar mais de assuntos de seu interesse, em detrimento do interesse público; se ocupar mais de ficar bem, ao invés de fazer as coisas melhorarem; se ocupar mais de manter sua cadeira aquecida, ao invés de aquecer o palco para que todos dancem; se ocupar mais de ficar tranquilo, botar panos quentes, acalmar os ânimos, deixar todos “protegidos” e confortáveis na mesmice rasa da inoperância que nos impede de melhorar.

Não pode, nem vai poder nunca, enquanto gerentes não ousarem questionar seus superintendentes, para entender melhor as orientações, questionar posicionamentos equivocados ou diretrizes ilegais ou ímprobas, e lutarem apenas para se perpetuar em suas cadeirinhas pseudo-meritocráticas; não vai poder nunca, enquanto superintendentes não se posicionarem perante seus secretários, com afinco, determinação e propósito para mudar alguma coisa, ao invés de preferir matar projetos grandes, promissores, revolucionários, por mesquinhez, medo, interesses ou só despreparo mesmo. Não vai poder enquanto secretários de Estado se comportarem como meros secretários de escritório pequeno, repetidores de discursos prontos e bajuladores de quem quer que seja pra que tudo e todos se mantenham exatamente como está.

É preciso muita coragem para liderar... uma banda, um grupo, uma equipe, um Estado... É preciso coragem, preparo e vontade. Se “liderar é causar desconforto na medida em que o outro possa suportar”, quem não quer causar desconforto nenhum, nunca, não lidera nada, nem ninguém. Pode estar fazendo qualquer outra coisa: combinações, alienações, autoritarismos, adoleta, jogral sem graça; liderança, não; band leader, não! Não motiva, não inspira, não lidera! E tome instrumentos desafinados, microfonia insuportável, cacofonia claudicante.

Metáforas e analogias só funcionam bem para quem sabe ler, e para quem quer entender; tal qual belas canções são um alento aos ouvidos de quem sabe ouvir, e quer compreender. Mas sempre há quem prefira e defenda um cálice. Afaste-se desses!

Por quanto tempo você ainda vai virar sua cadeira pra quem só desafina, empaca o ritmo, semitona, gagueja, não sabe a letra!?

Aguce bem seus ouvidos, afie seus sentidos, não se contente com pouco, não vire sua cadeira pra qualquer um. Vire as mesas, se necessário! Seja um cara estranho e não aceite a “solução de quem não quer perder aquilo que já e fecha as mãos pro que há de vir”!

Há quanto tempo você está no palco da vida, dando seu melhor, se esforçando, segurando todas as notas lá no alto, sem desafinar, mas nenhuma cadeira vira pra você?

Nem todos nascem Gadú (estamos mais pra gado mesmo, mas eu divago), mas, no palco da vida, somos todos Maria, e...

“é preciso ter manha,

é preciso ter graça,

é preciso ter sonho sempre,

quem traz na pele essa marca

Possui a estranha mania

De ter fé na vida...”

Empunhe firme o microfone, suba no palco da tua vida e cante forte, Maria!

Só assim as cadeiras vão virar pra ti.

Só assim as cadeiras serão ocupadas por quem, de fato, as merece.

Ajayô!

Bruno Medeiros

Supervisor de Elaboração de Relatórios e Publicações Fiscais

6 a

Texto excelente que reflete com perfeição a realidade de inúmeras divisões da Administração Pública! Merece uma publicação!!!

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