Inovação, produtividade e o mito de Sísifo no serviço público

Inovação, produtividade e o mito de Sísifo no serviço público

Uma das tantas discussões que a pandemia, essa espécie de experimentação forçada em escala gigantesca, trouxe à tona foi acerca da produtividade dos servidores públicos.

Em uma das vertentes dessa discussão, mesmo os mais céticos e resistentes se curvaram às possibilidades e, porque não, às vantagens e à efetividade do teletrabalho; romofice para os íntimos. Não, não é para todo mundo, claro; e sim, tem suas limitações. Mas tem muita gente por aí se dizendo muito mais produtivo nessa nova modalidade de trabalho. Que aprendizados teremos com isso? Como os aproveitaremos para rever práticas e modalidades de trabalho, presenciais ou remotas, pra sermos realmente mais produtivos?

Parênteses rápido: a modalidade é nova para setores que até dois meses atrás insistiam em lutar contra, postergar, dizer que era impossível e outras justificativas já tão conhecidas anti-inovação. Muitos órgãos já adotavam teletrabalho com sucesso há algum tempo, sejamos justos.

Produtividade é mesmo uma discussão importantíssima. Repito: mais uma das questões prementes que a pandemia tirou de debaixo do tapete. Mais uma que precisa ser tratada com a seriedade e cuidado que o tema exige, não só no calor do momento que o furacão covid nos lançou. Produtividade no serviço público vai muito além de teletrabalho, por óbvio, importante salientar.

Para jogar um pouco de luz sobre o tema, em artigo recentemente publicado no Apolitical, Shainaz Firfiray, da Warwick Business School, University of Warwick, aponta quatro caminhos, ou quatro pontos-chave, para o aumento da produtividade de servidores públicos:

- identificar áreas que precisam de mudanças

- estabelecer prioridades

- desenvolver habilidades comportamentais (soft skills)

- lidar com as emoções.

Coisas que eu acho que acho:

- apontar onde dá pra mudar é decidir inovar. Em última instância, inovação é quase sinônimo de mudança; a questão é o como.

- priorizar tarefas é o bê-a-bá da gestão. Sem priorização efetiva, nos afogamos na rotina de apagar o incêndio da vez e "nada de novo acontece". Sem estabelecer com clareza a diferença entre urgente e prioritário, esses rótulos de nada servem e o mais do mesmo prossegue, com levas de servidores exaustos, mas pouco produtivos - carregando suas pedras morro acima.

- aceitar a importância de olhar para o comportamental é a verdadeira chave da mudança: autoconhecimento, autoconsciência, empatia, comunicação, relação interpessoal, negociação, articulação, colaboração... quantos projetos e iniciativas naufragam por falta dessas "coisinhas", negligenciadas desde a liderança até o operacional mais básico? Todo mundo conhece alguém pra confirmar a regra de "perde-se um bom técnico e ganha-se um péssimo gerente", ou aquela outra do "contrata-se pelo técnico, demite-se pelo comportamento". Entenda demissão aqui como o famigerado "devolver para o RH", enquanto a estabilidade como a conhecemos ainda está por aí; mas deve ser por pouco tempo ainda.

- por fim, as emoções. Ah.. as emoções! A chamada máquina pública é uma máquina de moer gente. É exaustivo emocionalmente lidar com muitos problemas complexos, lidar com expectativas, falta de alinhamento e clareza, com assédio moral do "exercício de poder", com hierarquia rígida, que ainda fundamenta a gestão baseada no argumento de autoridade, com descontinuidade, com a sociedade inflamada a lhe crucificar como parasita. Como ser produtivo sem olhar para isso como um verdadeiro problema complexo que precisa ser endereçado? Somos seres humanos, demasiadamente humanos, com as dores e delícias da espécie; precisamos ser entendidos, tratados e respeitados como tal. Fernando Coelho, renomado professor de Gestão Pública da USP, aborda isso lindamente em artigo recente no Estadão, sobre a Humanização da Máquina Pública.

Não atoa, ou pensando na turma do "sem tempo, irmão", o cerne do artigo de Shainaz vem logo no subtítulo, pra tentar provocar quem ainda não entende seu papel de servidor, mal sabe dizer o que faz, muito menos dizer porquê o faz, mas precisa ser produtivo ou "mandar alguém ser produtivo": ter um trabalho significativo aumenta as chances de você ir além!

Não atoa, a cultura de inovação tem ganhado força nos últimos anos, para além das ferramentas, abordagens, design em diversos formatos, linguagem moderninha ou o quê; a inovação avança sobretudo porque procura dar sentido. Porque, em suma, é exatamente desses quatro pontos chaves aí de que se trata inovação em governo: ouse fazer diferente (promover a mudança), resolva certo o problema certo (entender, redefinir e priorizar), foco no ser humano (empatia, autoconhecimento, respeito), tenha um propósito (construir confiança, dar significado, engajar, envolver, entregar).

A covid acelerou o processo, mas ainda está tudo aí por fazer! Mas agora, não dá pra mais fazer como antes. E inovar também é um belo caminho para ser produtivo! Sigamos!

Afinal, quem é que ainda aguenta ser um Sísifo, e todo dia fazer tudo sempre tão igual, ad eternum!?

Giovanni Arantes

Innovation //StartupDev@LogHealthAgriFinGov.TECHS

4 a

Ótimo conteúdo Paulo Henrique Souza , A força de atrito existente no serviço público faz com que o Governo não seja o agente da inovação, mas que seja engolido por ela e ainda assim chamamos de inovação.

Maria Hermínia Paixão Nogueira

Empregada Pública | Conselheira em Logoterapia | Animadora de Encontros Existenciais | Facilitadora de jogos andragógicos

4 a

Excelente reflexão, Paulo. Parabéns! Realmente, em muitas áreas ainda enfrentamos, "como realidade", o mito de Sísifo. Penso que muito pode ser feito a partir de quem tem espírito público realimentado por comprometimento com entregas. Nesse sentido, entendo a clareza do propósito de vida dos servidores como propulsora de inovação em gestão (pública, inclusive). #seguimosjuntos #empreendedorismopublico #propositodevida #trabalhocomproposito

André Tamura

WeGov - Inovação no Setor Público

4 a

Boa!

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