Carandiru ao Parque da Juventude: Ressignificação do território sem esquecer sua história
Ruínas da antiga casa de detenção preservadas e incorporadas ao projeto de paisagismo de Rosa Kliass. Fonte: Acervo do autor

Carandiru ao Parque da Juventude: Ressignificação do território sem esquecer sua história

Marcado no seu território durante várias décadas como um espaço reservado unicamente para o sistema penitenciário, foi necessário na área da Casa de Detenção do Carandiru uma grande transformação de usos após o grande massacre de 1992 e as demolições do início dos anos 2000. Felizmente, hoje podemos ver como esse local foi ressignificado a partir da implantação do Parque da Juventude, mas que sua história não foi esquecida.

No início do século XX o Governo do Estado de SP adquire uma chácara no bairro de Santana, zona norte da capital paulista, para construção de uma penitenciaria até então afastada da zona urbana da cidade, mas próximo do Rio Tietê, navegável na época. A decisão por esse local ainda com características rurais e com pequena população pertencente a classe operária pode ter sido influenciada pela elite paulistana, a fim de ter o presidio longe de suas residências. (BIANCHINI, 2018, p.50, apud TORRES, 1982)

A construção ficou a cargo do escritório de Ramos de Azevedo e em 1920 foi parcialmente entregue e já começou a receber detentos. A arquitetura da prisão pautada na vigilância integral dos guardas aos detentos, além de recorrerem à força para que os presos cumpram as normas instituídas da as prisões um caráter de punição e intimidação quando na verdade deveriam punir e recuperar, e esse traço intimista apenas se enraizou com o passar do tempo. (BIANCHINI, 2018, p.53, apud D’ELIA, 2012)

Na década de 40, por diversos motivos, como por exemplo o crescente número de presos políticos, a penitenciaria atinge sua capacidade máxima e se vê necessário a construção de novos edifícios para abrigar esse contingente.

Ainda nesse período foi construída a penitenciaria feminina, seguindo os mesmos padrões físicos, mas em menor proporção, e em 56 foi inaugurado o complexo penitenciário Carandiru, com mais uma penitenciaria feminina, além da Casa de detenção e o Centro de observação criminológica, visando sanar o problema da superpopulação carcerária.

A Casa de Detenção foi considerada por vários órgãos nacionais e internacionais como o segundo maior presídio do mundo, abrigando apenas presos provisórios. Mas essa realidade rapidamente foi se alterando quando no meio dos provisórios também foram colocados presos condenados, já que não havia mais vagas em outros locais, transformando o Carandiru em um verdadeiro depósito de presos.

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Diagrama de usos da área do Parque da Juventude a partir de uma imagem de satélite dos anos 2000

No dia 2 de outubro de 1992, o Carandiru já sendo o principal presídio da capital e com superpopulação carceraria, em uma das versões desse dia contam que houve uma confusão entre jovens presos que desencadeou no massacre do Carandiru feito pela polícia paulista, com 111 mortos (segundo a polícia militar) e mais de 125 feridos. 120 policiais foram indiciados e 74 julgados, porém a defensoria pública entrou com recurso alegando que os policiais agiram em legítima defesa, anulando e absolvendo todos.

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Diagrama com distribuição de usos nos pavilhões da Casa de Detenção Carandiru. Fonte: Livro Estação Carandiru (1999), escrito pelo médico Drauzio Varella

Dado esse acontecimento, uma decisão do governo do Estado determinou que a Casa de Detenção fosse desativada, e após serem encontrados problemas estruturais em alguns pavilhões, optou-se pela demolição de todo o conjunto, exceto os pavilhões 4 e 7, que por carregarem uma carga emocional menos pesada, foram utilizados e convertidos em uma ETEC (Escola Técnica) no futuro projeto do Parque da Juventude

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Ao fundo os dois prédios restaurados onde hoje funciona a ETEC Parque da Juventude. Fonte: Acervo do autor


Além desses pavilhões, também foram preservados algumas muralhas utilizadas por guardas e resíduos da demolição que foram incorporados no projeto paisagístico de Rosa Kliass, além das árvores remanescentes da mata atlântica que já possuíam tamanho considerável e a arquiteta impediu que essas fossem removidas, formando na área central um bosque que mistura a natureza com história.

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Estruturas incorporadas ao projeto de paisagismo. Fonte: Acervo do autor

A importância de um projeto sensível aos acontecimentos e memória de um território é fundamental para que a história não seja esquecida, para além de ser contada cristalizada dentro de um museu, a preservação das ruínas e de um par de edifícios perpetua a história no uso diário daqueles que frequentam o parque e seus equipamentos.

Intervenções como essa nos lembram diariamente de um passado terrível e podem nos levar a refletir sobre como muito das opressões que aconteceram no massacre de 92 ainda acontecem dentro e fora do sistema carcerário, principalmente nas periferias onde massacres aos oprimidos acontecem na mesma velocidade que são esquecidos.

Ao andar pelo Parque da Juventude, vamos sempre ser lembrados de não esquecer.

Tranformação do território em imagens de satélite

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Sobre o autor

Me chamo Henrique Freitas, sou arquiteto e urbanista e estou compartilhando alguns artigos com olhares sobre as cidades que desenvolvi para trabalhos acadêmicos ou para aprofundamento em determinados temas principalmente referente a urbanismo.

Agradeço a leitura e fique a vontade para compartilhar suas opiniões e olhares nos comentários!

Referências

  • BIANCHINI, D. A. Do Carandiru ao Parque da Juventude: Reconstrução da paisagem urbana. Dissertação (Mestrado – Arquitetura e Urbanismo). 118p. Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, 2018
  • Varella, D. (1999). Estação Carandiru. Companhia das Letras.


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