ChatGPT: gênio da lâmpada digital ou serial killer?

ChatGPT: gênio da lâmpada digital ou serial killer?

2023 começou embalado com as notícias sobre o ChatGPT desenvolvido pela OPEN.AI. O motor de inteligência artificial tem sido apontado como o serial killer de uma série de vítimas na internet. E o que mais temos ouvido é “O ChatGPT vai acabar com todo mundo. Mecanismos de pesquisa, redatores, codificadores, redações e trabalhos de escola dos meus filhos... Tudo vai morrer”.

Passado o frenesi apocalíptico, os relatos dessas mortes iminentes parecem ser exagerados, afinal, em alguma dose, nossa sociedade adora dizer “Isso vai mudar tudo”, apenas para escolher a calamidade do próximo mês. Depois percebe-se que pouco mudou.

Meu palpite? Estou com a turma do “Vai mudar tudo”. Não o ChatGPT em si, mas a convergência de todos os avanços em poder computacional e inteligência artificial como o novo companion do que fazemos e obrigatório em tudo que fazemos.

Mas voltando ao tópico do ChatGPT em si, o bot é inegavelmente impressionante. Um gênio da lâmpada digital, que se você souber perguntar (destaque para esse ponto) ele vai te responder e garantir qualquer pedido em forma de imagens, ilustrações, textos, curtos ou longos, pragmáticos ou rebuscados. O que realmente me surpreende é o seu músculo retórico, a sua capacidade de gerar parágrafos de argumentos coerentes e até mesmo narrativas mais complexas.

Imagino imediatamente meus filhos, Bento (12) e Pedro (11), que começam agora a ter que desenvolver uma musculatura importantíssima de escrita, interpretação de texto, formulação de ideias e opiniões e em como vai ser o dia a dia deles em 2025 como estudantes, assumindo que ferramentas como ChatGPT não vão parar de surgir nem evoluir. Por que eles vão desperdiçar um dia inteiro de piscina, futebol ou videogame para escrever uma redação sobre Ilíada e Odisseia ou para ler um livro, escrever uma redação de cinco parágrafos, quando uma simples frase pedindo para produzir exatamente isso, teria um resultado gramatical e estruturalmente muito melhor que seu próprio esforço?

“Porque é errado.”

“Porque eles estão pegando um atalho.”

“Porque não estarão desenvolvendo habilidades cognitivas importantes” ...

Sim, tudo isso faz sentido. Mas entre nós, não é novo. Como tudo em que a tecnologia toca, os avanços são exponenciais e nossa capacidade de acompanhar cultural e socialmente tem ficado cada vez mais distante.

Talvez terceirizaremos a escrita para o ChatGPT e similares como terceirizamos matemática para calculadoras, como terceirizamos o celular para guardar os contatos dos nossos amigos, conhecidos e até familiares, como terceirizamos a navegação de aeronaves, exames médicos e no extremo até mesmo a decisão de que tipo de notícias e verdades queremos ouvir nas mídias sociais.

Até que ponto um sistema de ensino em que a prevalência de testes e provas baseadas em decoreba escancaram o declínio da memorização como método de ensino e aprendizagem, um declínio que parece inevitável talvez até apropriado em um mundo onde a totalidade do conhecimento humano é de bolso.

Sempre achei as provas dissertativas e redações, os exames mais difíceis (e interessantes) e imagino que nossos filhos também. Mas a verdade é que ela, hoje, são as formas de exames mais modernas e atualizadas, pois permitem que os professores avaliem a compreensão mais profunda em seus alunos. Que eles possam cobrar mais do que apenas lembrar, que eles entreguem uma síntese pessoal de informações que não possam ser terceirizadas para uma máquina ou não poderiam ser, até algumas semanas atrás.

Muito em breve, os professores de Português e História vão receber essa pergunta que os professores de matemática vêm recebendo há décadas. Quando precisaremos dessas coisas na vida real?  Não vai dar pra enrolar essa geração. A criançada e adolescentes de hoje são espertos demais para isso.

A verdade é que você provavelmente nunca terá que calcular uma integral definida depois de ter saído da escola e que provavelmente nos próximos anos o conceito de companion que frequentemente me refiro em conversas e palestras, vai ser cada vez mais comum no seu dia a dia.  Em alguns anos acho que todos nós vamos “terceirizar” várias tarefas de escrita básica para a IA sem olhar para trás – propostas, introduções, pedidos de desculpa para nossa mãe, resumos de produtos, leis, avaliações de mercado e outros.

Para outros tipos mais complexos de escrita poderemos simplesmente começar com um motor de IA deixando-o fornecer a estrutura básica do texto e em seguida, editar ao seu gosto e com sua análise. A edição, afinal, é outra forma de sintetizar informações. Talvez a nossa, se torne uma cultura de editores, ajustadores, embelezadores e não estou certo se isso é uma coisa tão ruim.

Definitivamente, as gerações mais novas vão ter dificuldade em ver o lado negativo de toda essa abundância de ferramentas e opções. Se eu tivesse meus 14 anos também teria, mas o eu de 48 anos que ironicamente se tornou um executivo/contador de histórias, inclina-se para o caminho oposto.

A diferença entre escrever e editar é como a diferença entre escrever e ler. A leitura é extremamente importante. Obviamente, ela fecha as lacunas de nossa ignorância e expande nosso conhecimento, mas o faz por meio da linguagem dos outros. Quando você lê, você imagina, interpreta, até mesmo cria, mas está fazendo isso pelo ponto de vista de alguém. Suas palavras, suas frases, suas narrativas e argumentos. A edição começa com o idioma de outra pessoa, no caso do ChatGPT começamos com o idioma de outra coisa, de um código, de uma unidade de poder computacional.

Nós nos expressamos por meio de um sistema que não inventamos. Seja esse sistema o léxico, ou um bilhão de linhas de código. Naturalmente, a capacidade do ser humano de conectar ideias, extrapolar, interpretar, sensibilizar e construir continuará sendo exigida e sempre vital... Só aumentamos a barra... E muito.

Luciana Taliberti

DIRETORA CLINICA MEDICA TRINA/ Co-Founder BioChat

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Os profissionais que não quiserem se adaptar a tecnologia terão problemas mas quem souber utilizá-la com sabedoria poderá ir mais longe , novas profissões irão surgir e devemos preparar nossos filhos para esta transformação… Chegou a hora das escolas se reinventarem pois sempre serão peças fundamentais na educação, só será diferente e graças a Deus sem “decorebas” , afinal a inteligência é medida através da criatividade e não apenas da capacidade de memorização.Chegou a hora de usar nosso cérebro para algo mais interessante e a “cultura inútil “ armazenaremos em outro lugar . Parabéns pelo texto e reflexão !

Leonardo Freitas

Analista de suporte N2 • OPERAÇÕES N2 • Linux • Windows • Metodologia Ágil • Analista Cloud • AWS

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É uma ferramenta poderosa que vai mudar muita coisa mesmo. Trará muitas vantagens e facilidades para o dia a dia como várias outras tecnologias. Mas estou curioso para ver o povo querer entrar no comodismo do "deixa a ferramenta fazer tudo" e bater de cara no muro por um uso incorreto dessa facilidade para alguns processos que ela trás. Excelente análise a sua campeão. Obrigado por compartilhar.

Excelente reflexão, Tubino! Realmente é um caminho sem volta, mas como sempre o equilíbrio costuma ser o bom caminho e você aborda isso muito bem! Beijo em você, no Bento, Pedro e Juliana

Luiz Fernando Pelegrini Rettondini .'.

ACCOUNT MANAGER :: Carreira na Área Comercial, Marketing e Eventos

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O que me chama a atenção, é que o ser humano geneticamente não foi programado para evoluir nesta velocidade, nos ultimos 150 anos vivemos uma revolução, um avanço sem precedentes... Teremos capacidade de lidar com tais transformações tecnologicas, que irão crescer exponencialmente, cada vez mais rápidas???

Excelente análise e com filhos em idade crucial de desenvolvimento cognitivo nos preocupa ainda mais. Porém, quando se coloca a evolução de tecnologia, principalmente de IA e se coloca o impacto no desenvolvimento humano comportamental, sempre entra um único dilema. O ético. E este é individual, com base em criação, educação, mas individual.

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