Cidade de ÉVORA: A MEIO CAMINHO DE QUÊ?
Olhar para Évora: com complacência, com indulgência ou exigência?

Cidade de ÉVORA: A MEIO CAMINHO DE QUÊ?

Dentro de quatro anos, em 2027, Évora será capital Europeia da Cultura.

Sem qualquer demérito para a cidade e como acontece com frequência, a forma como foi anunciada esta decisão suscita interrogações sobre a singeleza do processo de tomada de decisão, isto é, até que ponto a qualidade da candidatura foi determinante para a opção tomada.

Hoje já é um pouco difícil e turvo recuperar a noção de que, até que ponto as cidades portuguesas a quem já foi outorgada essa distinção no passado, beneficiaram e evoluíram de facto, com a mesma.

Interrogações à parte isso não deslustra a escolha, certamente alicerçada num projeto interessante, e com gente envolvida e empenhada para o levar a bom porto.

Para quem lá não vive “mas mantém a cidade debaixo de olho”, Évora é, em grande medida um enigma.

Por estrada, a capital do Alentejo está a cerca de 1h 30’ de Lisboa, a 1 hora de Badajoz e a cerca de 4 horas de Madrid, mas por ali e fazendo jus à fama, o tempo parece correr muito mais devagar.

A principal via de acesso, a N114, potencia a paisagem alentejana típica a quem por ali passa, mas a entrada em Évora é incompreensivelmente desordenada, sem o devido arranjo paisagístico que configure, individualize,  identifique e projete a cidade.

Tal como se verifica na generalidade do país, a sinalética viária é omissa, confusa, e não se vislumbra qualquer mapeamento que dê uma visão imediata e acessível da cidade como um todo.

(As passadeiras para peões já terão conhecido melhores dias e visibilidade, a separação entre zonas pedonais e viárias por vezes é insólita, e a semaforização parece ter parado no tempo)

A emblemática Praça do Giraldo, pois claro – de um dos lados, de porte altaneiro e fortificado, o edifício do Banco da Portugal, aparentemente fechado sobre si próprio e desligado da cidade, com a fachada debruçada sobre o centro da praça onde coexistem duas esplanadas de restauração local as quais, apesar das boas vontades, clamam por reforma radical, de natureza estética e na qualidade do serviço disponibilizado: à vista de todos e ninguém vê?

A falta de cuidado, limpeza e manutenção por debaixo das arcadas que ali se iniciam e prolongam por ruas adjacentes, coexistem com um comércio hoje mais “up to date”, mas com as marcas de sempre e que se encontram em qualquer outro sítio (ali, há uma dúzia de anos atrás, porta sim, porta não, encontravam-se sucessivas lojas de samarras e botas alentejanas, mas hoje o excesso deu lugar à míngua).

Os monumentos de Évora constituem um must de sempre e o turismo, mesmo em época baixa, vai em crescendo. Há pouco tempo, alguém recordava nas redes sociais a sua meninice passada a brincar bem no interior do templo de Diana – hoje, o monumento afigura-se altaneiro, convenientemente isolado dos transeuntes e, no local, não se vislumbra qualquer informação histórica ou de enquadramento sobre o mesmo – talvez um qualquer guia de ocasião explique o que se vê por ali...

Apesar disso, e de uma em geral deficiente conservação patrimonial da cidade, a hotelaria cresce em catadupa, em particular os estabelecimentos de luxo. Talvez a profusão publicitada dos pasteis de nata ajude (em vez da omnipresença de doçaria alentejana, como seria de esperar), apesar de, como confessou um natural da cidade, com desencanto, “é incompreensível que em Évora não exista uma pastelaria de qualidade e referência, como acontece em qualquer outra cidade”.

Mas existem restaurantes, alguns dos quais visitantes ilustres provenientes da capital não deixam de elogiar, publicamente. Pena é que a cidade, abrindo-se ao turismo e ambicionando vir a ser uma referência cultural europeia, em contraciclo, ostente na porta de todos esses espaços o dístico que assinala a impossibilidade dos comensais se fazerem acompanhar de animais de estimação.

Claro está que uma mudança de atitude neste domínio implica pequena adequações e precauções na organização dos espaços de refeição e responsabilização dos donos dos animais, o que não parece ser nada de extraordinário. Afinal, até que ponto as pessoas comensais que falam e se exibem desbragadamente nesses espaços, as crianças com comportamentos “selvagens” acompanhadas de pais “desatentos”, ou os obesos de tal porte que não deixam espaço entre duas mesas contíguas, serão mais inclusivos do que um cão convenientemente controlado e instalado debaixo da mesa de refeição do seu dono?

Em 2027, Évora acumulará 53 anos de democracia continuada, e 51 anos com o município e respetivas freguesias governados através das escolhas dos eleitores locais.

Mas em que medida a cidade e o concelho de Évora podem ser considerados beneficiários líquidos deste longo período de democracia?

Hoje, a reforma agrária enquanto expoente revolucionário apenas consta por ali no pó dos arquivos, já o que se observa é bem diferente: algumas empresas agrícolas e empresas vitivinícolas, algum comércio de marcas globais, e uma presença física e não só, que se mantém e ainda é significativa, da Igreja Católica (e até de várias outras confissões).

Então, com esta composição social, como se explica que ao longo deste longo período de tempo o município de Évora tenha sido presidido em sucessivos mandatos, apenas pelo PCP (nas suas variantes terminológicas), e, em breves intervalos, pelo PS?

Uma cidade simbólica como Évora nunca ter sido presidida pelo PSD ou pelo CDS diz muito sobre a nossa qualidade e consistência politico-partidária, ter sido presidida pelo PS (pelo menos em dois mandatos) e nada de significativo emergir daí, idem, ter sido presidida anos a fio pelo PCP sem se conseguir descortinar uma marca própria, ou um qualquer fio condutor e diferenciador que potenciasse a cidade para outros patamares, também..

(Certamente que ao longo destes quase cinquenta anos a generalidade dos autarcas e dirigentes locais fizeram o melhor que sabiam, seguramente o mesmo acontece com os funcionários das autarquias locais, o problema é – correndo o risco de estar a produzir uma leitura apressada ou enviesada – não se ver nem se sentir que a cidade tenha progredido o que era expetável e até exigível)

Apesar das potenciais virtualidades associadas, certamente não será o estatuto de Capital Europeia da Cultura que romperá o status quo em que Évora parece estar envolvida: a cidade, apesar do movimento diário pouco mexe, habitação nova quase não se vê, a Universidade parece fechada sobre o seu pequeno mundo (apesar dos estudantes fazerem jus à movida local), no desporto, os clubes locais com história continuam a figurar  no rodapé da história, a inovação parece restringir-se a ocasionais proclamações professorais, os turistas vão e vêm, de novas empresas pouco se vê, há a aposta na aviação que começou por ser da Embraer e agora já não é, e quase nada mais.

Nos tempos do cavaquismo, a então designada Comissão de Coordenação Regional do Alentejo sediada em Évora era considerada, a par da do Norte, uma das mais reconhecidas e consistente. Depois vieram as CCDR’s, mas o Desenvolvimento que lhes foi associado, pelo menos no Alentejo, parece ter emperrado.

Uma ideia, uma iniciativa, um protagonista que tenha emergido neste período, a partir de Évora?

 (Sim, tivemos pelo menos um ministro da Agricultura, mas em democracia algum ministro da Agricultura se destacou?)

Ao contrário de outras cidades e concelhos, Évora é uma cidade sem fronteiras difusas e isso confere-lhe potencialidades que não parecem estar a ser aproveitadas: o eixo com Beja e o seu aeroporto, o eixo com o Alqueva e municípios circundantes, o mesmo com Montemor-o-Novo, Arraiolos, Estremoz e Elvas, mas cada um parece viver apenas para dentro de si.

Em suma, há qualquer coisa ou um conjunto de coisas materiais e imateriais em Évora que atraem e tornam inexplicável a falta de energia que se sente no pulsar da cidade e dos seus atores sociais, públicos e privados.

Talvez seja o fado português do Portugal dos pequeninos a evidenciar-se uma vez mais, um pouco na esteira da inesperada promoção local do pastel de nata, uma sensação dejà vu de pouco esforço para tentar fazer melhor ou diferente.


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