Cinco perguntas para um livreiro.

Cinco perguntas para um livreiro.

Sou candidato a uma vaga no setor de Literatura da nova Câmara de Fomento a Cultura na Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte. Esta nova comissão será responsável por avaliar os Projetos de Lei deste e do próximo ano. Composta igualmente por membros do poder público e voluntários da sociedade civil.

A Mariana Peixoto do Jornal Estado de Minas me enviou perguntas mas, não pude responder a tempo pois estava viajando. Quando retornei e resolvi publicá-las assim mesmo quem estava viajando era ela. Então segue aqui na íntegra nosso ¨bate-papo¨ proibidão. Para votar e obter maiores informações sobre esta eleição: http://mapaculturalbh.pbh.gov.br/projeto/134/

Qual sua área de atuação na área de literatura?

Sou livreiro desde 2006. Comecei no volta às aulas da extinta livraria azul da Praça Sete. Nesta última década passei por dez diferentes livrarias. Desde as pequenas de rua, de faculdades até as grandes redes em shoppings. Muita coisa mudou e outras nem tanto neste tempo. Vendi didáticos, e-readers, HQS, acadêmicos, ching lings, enciclopédias, decorativos. Minha relação com o papel é passional e dedicada desde a infância. Tinha enormes coleções de livros, revistas, figurinhas. Quase uma obsessão.

No meio de 2016 ampliei minha atuação sendo voluntário no Plano Estadual de Livro, leitura, literatura e bibliotecas. Como representante da sociedade civil foi de grande aprendizado participar deste importante plano que vai reger as políticas públicas em vários setores do mercado editorial mineiro no próximos dez anos. A economia do livro sempre foi um assunto que muito me interessou. Sou da última turma de calouros da antiga Escola de Design da Gameleira. Designer gráfico por formação, apesar de não ser projetista. Trabalhar neste plano me deu uma visão muito mais abrangente do que é o livro. Diagnosticamos problemas, apontamos soluções, redigimos tudo em conjunto com outros livreiros, distribuidores, editores autores e representantes de peso do poder público estadual e legislativo. Viajamos por várias regionais mineiras nos mesmos moldes também. Hoje ele encontra-se pronto e aprovado para ser revisado na Assembléia Legislativa de Minas. Aguardamos ansiosos pela liberação desta etapa para colocarmos em prática. Eu ainda não estou acreditando que me tornei autor de projeto de lei dentro deste plano.

Minha atuação na área da literatura tem sido esta. Reconhecer o livreiro como um profissional que não está somente entre o bibliotecário e o feirante. E sim um profissional capacitado a atuar em diversas frentes do Mercado livreiro. Imagina, uma profissão tão antiga quanto a prostituição. Ninguém sabe mais que nós onde colocar o livro, o que busca o leitor, qual moda pega. O mercado editorial brasileiro tá cheio de fetichismos. Gasta-se muito em coisas dispensáveis e depois reclamam falta de retorno. Este mercado precisa urgentemente ouvir seus livreiros. Temos questões muito semelhantes a serem compartilhadas. Já me senti só, hoje vejo que dá para crescer e fortalecer toda uma classe aí. Nosso mercado editorial só tem a ganhar com isso.

Que critérios acredita devem ser utilizados na avaliação dos projetos?

Ao contrário de linguagens como a música, o cinema, a dança, espetacularizar o livro é algo bastante delicado. Existem muitos riscos que não podem ser ignorados. Publicar e não distribuir por exemplo. Mas eu acredito que acima de tudo um bom texto, idéias realmente novas. Hoje em dia tem tanto start-up manjado... Tá, não dá para viver só de novidades. Projetos que proporcionem continuidade a idéias bacanas também. Esta mania de interromper a conquista do outro é algo que precisamos urgentemente estancar de nossa ¨cultura¨ política.

Pensar além de questões mercadológicas e estéticas sem esquecer que quanto mais abrangente e diverso for um projeto melhor... Eu acredito que os critérios de avaliação para se julgar estes projetos sejam tão vastos como o próprio mercado editorial. É difícil generalizar. Precisamos avaliar tudo com bastante peculiaridade sem jamais perder de vista o caráter educativo, libertário e revolucionário de um livro. E claro, valorizar acima de tudo a palavra!

Você já teve projetos realizados com os recursos da Lei Municipal? Quais e quando?

Nunca tive projeto de lei aprovado, nem reprovado. Sempre fui consultado sobre o projeto de muita gente competente. Na época da inscrição surge um monte de colega de trabalho pedindo ajuda, pedindo feedback. Curto ser voluntário, solidariedade só faz bem. Mas a idéia de me candidatar surgiu logo após ter sido convidado por um amigo querido a produzir sua curadoria dentro da festa dos 120 anos de Belo Horizonte em dezembro do ano passado. Produzimos ocupações literárias bem fora do comum. Eu não era um grande produtor e ele propôs desafios incríveis que me deixaram bastante excitado e preocupado ao mesmo tempo. Foi um exercício de superação intermediar o diálogo destes artistas com os profissionais da nova Fundação Municipal de Cultura. Foi tudo muito novo para todos. Enfim, me reconheci totalmente dentre todas estas novidades rs!

Por que você se julga capacitado para exercer a função?

Não quero parar, toda minha trajetória sempre foi muito enriquecedora. Candidatar-me foi a forma que encontrei de continuar convivendo e aprendendo com estas novidades todas dentro do Mercado editorial e da própria FMC! De botar toda minha experiência como livreiro na última década. Finalmente poder parar de falar que o marketing daquela grande rede de livrarias tá fazendo errado, que o comercial daquela outra rede local pode fazer muito melhor, ser mais ousado, menos conservador, todas estas questões que não combinam com o ambiente de uma livraria. E esta história nós já vimos muitas vezes. Muitas livrarias fechando, outras sendo sucateadas com enxoval, objeto de decoração. Já mandei muito e-mail para editora apontando erros e soluções projetuais, hoje em dia não mando mais. Estive em grandes redes de livrarias, passei pela amarela, laranja, azul, verde... São todas empresas muito normalistas, tem muito pseudo modernismo nos bastidores. É chocante tomar consciência como não sabem lidar com as peculiaridades de um mercado editorial que respeite a bibliodiversidade. As grandes redes sucateiam este mercado. Tratando como tecnologias inferiores seus livros ainda que sejam eles responsáveis pela maior fatia financeira da empresa. Belo Horizonte é capital não só dos bares, é onde tem mais livraria no Brasil. Mas se excluirmos as religiosas, não sei onde iríamos parar neste ranking. Até as livrarias não religiosas estão cada vez mais cheias de religiosos radicais. Não consigo ver nenhuma semelhança além da isenção de impostos nesta relação. Para mim que sou militante lgbt, era muito desgastante ser um profissional tendo de encarar os mesmos preconceitos da vida íntima. Quero dizer, se fosse cabeleireiro, carnavalesco, estilista... tava valendo, mas ter que interpretar um papel avesso a minha personalidade dentro de uma profissão tão humanista não dava mais. Seria ótimo não ter que lidar com isso, mas cotidianamente tem este entrave. E é complicado, estas grandes redes além de moldarem o mercado nem sempre estão a procura do melhor profissional, e sim do mais barato. Confesso que já trabalhei quase um ano com salário ruim só para entender a metodologia de determinada empresa. Precisava ter esta visão ampla de diferentes livrarias para seguir adiante. Desconheço livreiro daqui que tenha toda esta diversidade de currículo. Mas estava exausto disso, de não ser avaliado pelo meu trabalho, conviver com preconceito e cinismo. Decidi escrever eu mesmo minha própria história. Então me propus novas formas de exercitar esta profissão construindo textos. Fui estudar dramaturgia no Galpão. Estudei dois semestres lá e foi maravilhoso. Nunca imaginei estudar teatro, eu já tinha feito uma trans-residência lá também em 2015 e foi bem libertador, me tirou deste bode profissional onde eu me encontrava. E quando retornei para fazer este ano de dramaturgia em 2016 foi como sair da caixa e botar meu texto em 3D. ( Esta experiência virou livro, chama VIDA DE LIVREIRO e estou buscando editora, ainda resistindo ao crowdfunding.) Muita oficina de texto também, fiquei anos fazendo todas possíveis. O plano estadual do livro também foi dessa leva, novas formas de construir um texto. Já as pequenas livrarias me ensinaram e me conectaram a muita informação necessária. Entender este mercado como algo que precisa ser respeitado em sua diversidade sempre. O diálogo, a proximidade com o leitor de cada dia ali. Este foi um aprendizado muito valoroso e construtivo. Entretanto pagavam menos ainda que as grandes... Mas voltando a pergunta: Espero que possa contribuir com minha disposição. Sem preconceitos, sem igrejas, sem grandes corporações. Mas quem vai julgar se exerço ou não esta função serão os eleitores. Até aqui foram muitos desafios, estou torcendo para seguir adiante! 

A câmara será paritária. Que diferenças um representante da sociedade civil pode ter na avaliação de um projeto de um representante do poder público?

Não acho que seja o caso das diferenças serem apontadas... No Plano Estadual do Livro me vi trabalhando de igual para igual com super profissionais. Me sinto um grande vitorioso, não vou citar nomes mas, são sem dúvida grandes profissionais com cargos elevados e enormes responsabilidades sociais e financeiras. Lidam com muita grana ou com muita falta dela. O trabalho voluntário tem esta dinâmica né? Junta forças vitais para a transformação e a renovação daquilo que se trabalha. Primeiro, te dá esta consciência que não devemos trabalhar por dinheiro, ele é somente consequência. O trabalho intelectual lida com questões muitos mais humanas. Segundo, há visões de dentro e de fora da máquina. Acho que é bem isso, o representante da sociedade civil chega de fora e bota ali idéias e visões, aponta caminhos que a maioria dos representantes do poder público enxergam somente dentro de moldes anteriormente pré-estabelecidos. Mas no final das contas a gente percebe que não há diferença, estão todos ali batalhando pelos mesmos ideais e conquistas. Acho bastante promissora esta nova formação. Estou curioso para botar meus quatro olhos de livreiro nestes projetos! 

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